sexta-feira, agosto 26, 2011

"Onde estamos quando pensamos?"

Mesmo após ter terminado de ler o livro de Rudolf Safranski, Heidegger - um mestre da Alemanha entre o bem e o mal, fiquei a pensar numa retratação emblematicamente filósofica sobre Sócrates. Diz Safranski no capítulo 16 ("A saída da maquinação política"):

"Afinal, onde estamos quando pensamos?
Xenofonte nos transmite uma bela anedota sobre Sócrates. Este combatera valentemente como soldado na campanha do Peloponeso, mas em uma ocasao, quando as tropas estavam em marcha, ele de repente mergulhara em pensamentos e ficara parado, e ali ficou para do dia inteiro, esquecido de si, do lugar, esquecido da situação. Ocorrera-lhe, ou chamara a sua atenção, algo que o fazia pensar, e assim ele saíra da sua realidade. Entrara sob a coerção de um pensar que exigia dele um lugar-nenhum, mas onde estranhamente parecia sentir-se em casa. Esse lugar-nenhum do pensar é a grande interrupção no acontecimento cotidiano, e é um outro-lugar sedutor. Segundo tudo o que sabemos de Sócrates, a experiência desse outro-lugar do espírito é uma pressuposição de seu triunfo sobre o medo da morte. Sócrates arrebatado pelo pensar torna-se inatingível. Poderão matar seu corpo, mas seu espírito há de viver. Ele está livre do dasein. Nesse Sócrates, parado ali, imóvel e absorto, enquanto as coisas em torno dele seguem seu curso, pensava Aristóteles quando louvava a filosofia seu talento para todo lugar e lugar nenhum; ela não exigia "nem equipamento nem lugar especial para se exercitar... onde quer que na terra alguém se dedique a pensar, atingirá a verdade como se ela estivesse ali presente"".

SAFRANSKI, Rudolf. Heidegger - um mestre da Alemanha entre o bem e o mal. São Paulo. Geração Editorial. 2000. 518 p.

P.S. Comprei recentemente outro livro de Safranki (outra biografia). Dessa vez foi de Nietzsche. O nome é: "Nietszche - biografia de uma tragédia". Há ainda outro trabalho biográfico acerca de Schopenhauer. Mais informações AQUI.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Os Contos Proibidos do Marquês de Sade, uma breve reflexão

Ontem à tarde, voltei a assistir ao filme "Os Contos proibidos do marquês de Sade". Havia visto à obra do diretor Philip Kaufman há dez anos atrás. Mas, ontem, vendo ao filme pela segunda vez, tentei entender a personalidade complexa dessa personagem intrigante do mundo ocidental, a saber, Donatien Alphonse François, mais conhecido como Marquês de Sade. A obra de Kaufman é magnífica. Os atores Geoffrey Rush, que faz uma interpretação excepcional do Marquês de Sade, encarna o personagem; Kate Winslet (Madeleine), bela como sempre, cria uma atmosfera de encantos. Joaquin Phoenix (Coulmier), que faz o papel do padre, que cuida do manicômio, com uma atuação impecável, mostra as suas qualidades de bom ator. A história se passa na França pós-revolucionária. Napoleão está no trono.

A fotografia do filme é belíssima. Vai do glamour ao grotesco das ideias do Marquês; da tara insana ao sublime. A cena de necrofilia do padre Coulmier com Madeleine é espantosa e fascinante ao mesmo tempo. A piromania de um dos loucos impressiona. As cenas que mostram o impedimento do marquês em não poder escrever são dramáticas. Impedido de escrever, o marquês se ver atormentando pelas histórias que habitam o seu mundo surreal. Mas não há lápis, pois estes foram tirados. Dois eventos que se seguem impressionam: (1) quando o marquês escreve com o próprio sangue em sua roupa; e (2) quando nu (pois a sua roupa fora confiscada), escreve os seus textos com fezes. Contos proibidos do marquês de Sade é baseado no roteiro da peça de Doug Wright. Enquanto assistia ao filme, recordei-me de uma afirmação do escritor cristão Francis A. Schaeffer em seu livro "A morte da razão": "Todos os escritores pornográficos do século 20 atribuem a sua origem ao Marquês de Sade (1740-1814). O século 20 o celebra agora como uma personalidade - ele já não é mais um escritor "imundo", apenas" (SCHAEFFER, 2002, p. 51). Talvez, olhar para Sade apenas sob este prisma reduza sua perspectiva filosófica. O que Sade defendia era um compreensão filosófica da existência sob o ponto de vista materialista e naturalista.

Sade não é sinônimo de sadismo. O sadismo é apenas uma semântica reducionista da largura do pensamento de Sade. Para o francês, o que está aí, é; e se é, certo é. Então para ele, a moralidade oculta as leis da natureza. Os homens ao forjarem moralidades apartam-se, por meio das aparências, daquilo que é vital e natural ao ser, fugindo daquilo que se é. A psicanálise não deixa de flertar com esse pensamento. Partindo dessa concepção, Sade não oculta o id, deixando-o vivo, "insolente", "desafiador". Ele seria o mais lúcido e feliz dos homens, pois vive aquilo para a qual nasceu para viver, enquanto os outros homens se escondem por trás de máscaras morais. Não deixei de pensar em tais aspectos. Assim, a filosofia de Sade é um despudor, é uma depravação para os moralistas, mas a exata expressão do homem para os naturalistas, pois aquilo que é, é.

Abaixo o trailer do belo filme de Kaufman, de 2000:

domingo, agosto 14, 2011

A beleza eterna que se mostra no efêmero

Escrito há mais de dois anos.

Nasci na zona rural. Isso é o suficiente para me deixar feliz. Acredito que hoje não há mais infâncias como a que tive no estado de Pernambuco. Cresci em meio a histórias e acontecimentos grandiosos. Estes foram responsáveis pela formação da camada existencial mais profunda da minha alma. Corri descalço, brinquei com a terra, nadei em riachos de águas cristalinas; deitei-me em gestos abandonados na gramínea seca a olhar para o céu. Ouvi o som da tempestade titânica nos canaviais impelidos pelo vento poderoso de uma tarde de inverno. Fui como o personagem de O Menino de Engenho, de José Lins do Rêgo. Subi em jaqueiras, mangueiras, ingazeiros, abacateiros e jenipapeiros; impressionei-me com novidades. Há expectativas fabulosas no meu mundo que não foram preenchidas e me levam uma vez ou outra a imaginar os meus dias de infância.Vez ou outra sou surpreendido por visões e acontecimentos daqueles dias.

Esperava com certa ânsia o período de floração das árvores frutíferas. O cheiro que recendia dos laranjais me fascinava. O cheiro das mangueiras floridas, dos ingazeiros, impingiam mistérios. Das mangueiras também. Vivia cercado por uma natureza enunciativa. Todavia, não devo deixar de mencionar que um dos fatos mais singulares era quando se dava a floração do pau d’arco. As matas distantes, que se mostravam ao longe com suas manchas amarelas, roxas e brancas, eram vizinhos amistosos que moravam na amplidão. Via-os longe. Manchas coloridas em meio à vegetação verde das matas. Os pau d’arcos sinalizavam poderes imateriais. A sua floração era acompanhada por toda uma transformação natural. Na época da floração, lagartos, pássaros e insetos tornam-se moradores de suas copas floridas – completamente floridas. Esta árvore é típica da Mata Atlântica. Ela pode ser encontrada na maioria dos estados litorâneos brasileiros.

Sem querer eu estava estabelecendo contato com o ipê, uma das árvores mais belas da vegetação nacional. O ipê é uma árvore simbolicamente poética. A sua floração silenciosa revela um ato superior. As suas flores surgem no inverno. Em Brasília, a floração se dá entre os meses de julho e agosto. Rubem Alves afirma que o surgimento das flores é um ato libidinoso: “As outras árvores fazem o que é normal - abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está para chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio”. A vida apressada nos desarticula a percepção. Quando menos atentamos, lá está com toda superioridade a árvore completamente tomada pelas flores. As flores despojam-se rapidamente dos galhos. Passam o ano inteiro incógnitas como árvores normais, de repente se tornam em entes ornados por uma vestimenta nobre – flores amarelas, roxas, brancas, róseas.

Os ipês carregam consigo um enigma. Por que sua beleza é tão efêmera? Dispenso explicações científicas. Quero as poéticas, quero afirmações como a do poeta cearense Patativa do Assaré, que dizia: “Aquela árvore (...) qual rainha do campo, coroada”. As suas flores não duram mais que uma semana. É como se durante todo o ano ela reunisse as suas seivas e num único momento fizesse desabrochar a beleza oculta em sua matéria. É como se a eternidade passeasse pela terra em poucos instantes e nos fizesse enxergar os aspectos celestes embutidos na natureza. Olhar para um ipê florido antecipa a visão da glória etérea que habita na consciência religiosa da humanidade. A verdadeira religião lida necessariamente com o belo. O belo é o que é e isso define a existência. A realidade é bela. Nietzsche afirmava que a decadência do mundo grego iniciou-se no momento em que a realidade passou a ser analisada, investigada, em juízos de valor – bem e mal. O mal a representar as realidades ditas ruins, e, o bem, aqueles acontecimentos entendidos como positivos, a virtude. Daí para frente, passou-se a atribuir mais importância ao feio do que ao belo. O feio parece ter mais poderosos assombrosos sobre a mente dos homens. Os noticiários da televisão transmitem mais notícias ruins do que boas. Os jornalistas sabem que a matéria mais lida ou vista é aquela que fala de catástrofes e calamidades. Notícias boas não produzem tanto efeito.

É um espetáculo observar o ipê em pose majestática. O que dizer? Quais palavras poderiam classificar a sua beleza e postular: “ele é belo porque é assim e assim”? Não existe essa possibilidade. Os ipês são vocacionados para a beleza. Em meio à selva de pedra os indivíduos passam apressados e não se dão conta da sinfonia colorida que desabrochou em ornamentou a paisagem artificial. A única atitude que podemos de fato empreender é parar, observar, refletir e contemplar. Rubem Alves ainda diz que aqueles que param para contemplar a beleza dos ipês podem ser considerados como loucos: “Lembro-me disso todas as manhãs, pois na minha caminhada para o trabalho passo por um ipê rosa florido. A beleza é tão grande que fico ali parado, olhando sua copa contra o céu azul. E imagino que os outros, encerrados em suas pequenas bolhas metálicas rodantes, em busca de um destino, devem imaginar que não funciono bem”.

Para se apropriar da beleza eterna que se mostra no efêmero é necessário silêncio e solidão. É preciso desprender-se do concreto e do asfalto. Trata-se do mesmo ritual sugerido por Gilberto Gil na música “Se eu quiser falar com Deus”. Dizia Gil que era necessário tirar os sapatos, ficar sozinho, entrar no quarto, ficar em silêncio. Para ouvir o belo sugerido nos ipês é preciso esse mesmo ritual. Em nossos dias essa tarefa torna-se cada vez mais complexa. Todavia, os ipês ainda enchem-se para nos advertir que na frugalidade da sua floração, o eterno passeia pela terra nas cores alegres que brotam da beleza natural. Termino com as palavras de Rubem Alves: “Corra o risco de ser considerado louco: vá visitar os ipês. E diga-lhes que eles tornam o seu mundo mais belo. Eles nem o ouvirão e não responderão. Estão muito ocupados com o tempo de amar, que é tão curto. Quem sabe acontecerá com você o que aconteceu com Moisés, e sentirá que ali resplandece a glória divina...”.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: 27 e 29 de agosto de 2008, quarta e sexta-feira.

terça-feira, agosto 09, 2011

Reflexões natalícias II - quando se olha para trás e se aprende que viver é agora

O filósofo dinarmarquês Soren Kierkegaard disse certa vez que "vivemos a nossa vida para frente, mas a entendemos quando olhamos para trás". Por outro lado, temos aquela metáfora bíblica sobre a mulher de Ló. Diz a Bíblia que a cidade de Sodoma e Gomorra seria destruída por Deus por causa da maldade dos seus moradores. Deus pediu que Ló e sua família (que eram os únicos justos da cidade) saíssem do lugar, pois ela seria subtraída, deixaria de existir. Seria queimada com pedras inflamadas que cairiam do céu. Ló e sua família receberam a ordem para que não olhassem para trás. No dia em que aquilo que foi avisado que aconteceria começou a se dar, Ló e sua família iniciaram a fuga da cidade. A mulher de Ló cheia de curiosidade resolveu olhar para trás, talvez, para verificar o que estava acontecendo. Mas, de repente, ela se tornou numa estátua de sal. Quiça esta metáfora tenha por finalidade deixar claro que enquanto o homem caminha não lhe é lícito ou permitido olhar para trás. Quem olha para trás esquece as promessas do presente e as possibilidades de construção do futuro.

Os romanos eram mais criativos. Para lidar com imagem do tempo, eles criaram a pessoa de Janus, o porteiro celestial. Ele era retratado com duas cabeças, representando os términos e os começos, ou seja, passado e futuro. Inlusive, o nome janeiro, primeiro mês ou mês inaugural de cada ano, foi dado em homenagem a esse deus. Mas a frase de Kierkegarrd, filósofo de palavras sábias, introduz em mim uma possibilidade reflexiva. Vivemos para frente, pois o tempo é como uma locomotiva feroz que corre em sua fúria, sem parar, sem se compadecer dos passageiros que leva.

Quando olho para trás, o que vejo? Às vezes, faces de acontecimentos indistintos; em outros momentos, faces de acontecimentos distintos. Os indistintos são aqueles que passaram e que com o tempo vão se apagando. Mas há os distintos, aqueles que tatuaram as suas marcas em mim. Que não tive como escapar de suas influências em meu ser. Outro dia eu estava pensando enquanto caminhava como a cada dia que passa vamos nos tornando num espaço habitado pela saudade. Viver é um constante sentir saudade. Sentir saudade daquilo que foi; das pessoas que já passaram por nós; das experiências que tivemos; do beijo que damos; dos caminhos que cruzamos; daquele vento povoado por fragrâncias. Eu, por exemplo, todos as vezes que sinto cheiro da terra molhada pela chuva, naqueles primeiros instantes em que tudo começa, sou reportado à minha infância.

Eu sou um baú de estético de sensações. Dentro de mim moram as memórias daquilo que o meu corpo já viveu. Sou uma imensa esponja que vai guardando fatos, acontecimentos, eventos. Por isso, enquanto eu viver serei aquilo que aprendi a ser sendo. Heidegger disse certa vez que "o ser humano é aquele não-poder-ficar e também não-poder-sair do lugar". Ou seja, somos aquela indecisão. Aquela expectativa que gera insatisfação com o agora, mas ao mesmo tempo estamos sujeitos à facticidade do nosso tempo que acontece nesse exato momento. Sofre aquele que não consegue celebrar o presente. Certa vez li uma frase curiosa do Rubem Alves: "Cheguei onde estou por caminhos que não planejei". Esta afirmação é uma afirmação de respeito para com a vida. Primeiro, porque leva em conta o aspecto dialético da vida. A vida vai nos tornando aquilo que somos em cada momento do nosso existir. Não nascemos programados e isso é extraordinário. Não caminhamos pela mesma estrada duas vezes. Caminho uma vez, mas quando volto a caminhar a estrada terá mudado e, eu, também. Esse devir dá à vida uma mecânica poética. Segundo, pois é uma afirmação que mostra alguém maduro, que aprendeu a fazer as peguntas certas à vida.

Sofre muito pela vida a fora que faz os questionamentos errados, aprende a sibilar, a produzir garatujas verbais, a balbuciar em demasia, reclamar que nada é. E o Rubem arremata: "Plantei árvores, tive filhos, escrevi livros, tenho muitos amigos e, sobretudo, gosto de brincar. Que mais posso desejar? Se eu pudesse viver novamente a minha vida, eu a viveria como a vivi porque estou feliz onde estou". O lamento é sempre uma força que enfraquece, que debilita, que nos torna murmuradores ressentidos, que não consegue enxergar nada de bom naquilo que já viveu. Nietzsche costumava dizer que feliz é o sujeito que possui memória fraca, pois ele pode viver as mesmas eexperiências como se estas fossem a primeira vez.

Portanto, é preciso aprender a olhar para trás. Não ter medo de olhar para trás como faziam os judeus. Mas saber olhar para trás e enxergar uma vasta planície pedagógica, uma campo de possibilidades que explicam o meu presente e que me conduz a um caminho certo, plano.

Ao completar mais uma ano de vida, sou grato por tudo aquilo que vivi. Pelas pessoas maravilhosas que conheço. Pelas dificuldades que sempre me forçam a aprender a ser mais, querer sempre partir, no dizer de Heidegger. Sou grato pela esposa que tenho. Não fiz planejamentos para muito daquilo que sou e tenho. Agradeço pela minha infância. Pelos dias em que celebrei o barulho e o perfume da chuva; quando pisei descalço no chão pernambucano. Sinto mudanças em meu corpo físico. Está tudo escrito no pergaminho do meu rosto - eu sou a soma de tudo aquilo que vivi - sorrisos de pessoas, abraços, livros que li, músicas que ouvi, conversas que guardei, despedidas, lágrimas que derramei, escolhas que a vida me permitiu fazer. Preciso ser como Janus - olhar para o passado porque ele me forjou, viver o presente como uma dádiva e apostar no futuro, pois é para lá que a vida nos leva.

Que venha a próxima primavera!

segunda-feira, agosto 08, 2011

"O socialismo é uma doutrina triunfante", entrevista com Antonio Candido

Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.

Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. "O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele", afirma.

Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?

Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.

Brasil de Fato – O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?

Antonio CandidoAntonio Candido – Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética. Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado "Literatura e sociedade" que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como "O cortiço" [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.

Brasil de Fato – Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?

Antonio CandidoAntonio Candido – Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.

Brasil de Fato – O que é mais importante ler na literatura brasileira?

Antonio Candido – Machado de Assis. Ele é um escritor completo.

Brasil de Fato – É o que senhor mais gosta?

Antonio Candido – Não, mas acho que é o que mais se aproveita.

Brasil de Fato – E de qual o senhor mais gosta?

Antonio CandidoAntonio Candido – Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos... Acho que já li "São Bernardo" umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: "a tradução matou a obra", então a obra era boa, mas não era grande.

Brasil de Fato – Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?

Antonio Candido – É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. "A divina comédia" é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.

Brasil de Fato – O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?

Antonio CandidoAntonio Candido – Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?

Brasil de Fato – O senhor acha que vai?

Antonio Candido – Não sei. Eu não tenho nem computador... as pessoas me perguntam: qual é o seu... como chama?

Brasil de Fato – E-mail?

Anyonio CandidoAntonio Candido – Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas... Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos... que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.

Brasil de Fato – E o que o senhor lê hoje em dia?

Antonio Candido – Eu releio. História, um pouco de política... mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.

Brasil de Fato – O senhor é socialista?

Antonio CandidoAntonio Candido – Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: "o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana". O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na "Ideologia Alemã": as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Brasil de Fato – Por quê?

Antonio CandidoAntonio Candido – Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

Brasil de Fato – O socialismo como luta dos trabalhadores?

Antonio Candido – O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.

Brasil de Fato – Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?ntonio Candido

Antonio Candido – Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola... não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser... o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.

Brasil de Fato – O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?Antonio Candido

Antonio Candido – O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando... não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão - e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos... então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).

Brasil de Fato – A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?

Antonio Candido – Conheci em Poços de Caldas... essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: "é melhor ser fascista do que não ter ideologia". Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.

Brasil de Fato – E o dever da atual geração?

Antonio Candido – Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.

Brasil de Fato – No seu livro "Os parceiros do Rio Bonito" o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?

Antonio CandidoAntonio Candido – Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia... Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: "ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?". Eu disse pra ele: "não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra". Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria... Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: "mas é claro que não vende, o carro não acaba". O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Com os amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros fundou a revista Clima. Com Gilda de Mello e Souza, colega de revista e do intenso ambiente de debates sobre a cultura, foi casado por 60 anos. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro "Os Parceiros do Rio Bonito", em 1954. De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, onde foi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando obras literárias. É autor de inúmeros livros, atualmente reeditados pela editora Ouro sobre Azul, coordenada por sua filha, Ana Luisa Escorel.

[Publicado originalmente na edição 435 do Brasil de Fato.]

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sexta-feira, agosto 05, 2011

Dawkins e a Religião,(" a raiz de todo mal")

Há alguns dias atrás assistir ao documentário instigante A Raiz de todo mal do cientista inglês Richad Dawkins. Certamente, Dawkins é um dos nomes mais controvertidos do nossos dias. Figura polêmica, é odiado por religiosos do mundo inteiro. O inglês estriba suas concepções na ciência. É uma neodarwinista. A Raiz de todo mal é um documentário que tem a finalidade de polemizar acerca de Deus e da fé. Por que as pessoas creem? Em qual fundamento elas assentam as suas convicções? E, de fato, crer é uma aventura. Impera o silêncio cosmos. A facticidade da história não nos dá certezas. À nossa frente, apenas as leis naturais e os seus dogmas incontestáveis. Então o crente coloca-se à frente dos silêncios infinitos e diz ouvir ruídos divinos ininteligíveis. Crer é posicionar-se à frente dos silêncios e apostar que existe uma voz que verbaliza na eternidade.

Dawkins na tentativa de entender esse mistério, viaja por comunidades católicas, evengélicas, judaicas e islâmicas em busca de respostas. Sua posição é de observador e questionador. O ponto alto dessas visitas se dá em dois momentos: (1) quando Dawkins tenta conversar com um bem-sucedido ministro evangélico americano. A conversa assume posições conflitantes. (2) Quando Dawkins tenta dialogar com um fundamentalista islâmico. O discurso virulento do crente islâmico enxota o professor Dawkins. A seguir, duas citações Dawkins acerca da ciência e da religião:

"Ciência é uma disciplina de investigação e de dúvida construtiva, que busca com lógica, evidências e razão para elaborar conclusões. Fé, ao contrário, exige uma real suspensão da nossa capacidade crítica".

"A ciência funciona através do estabelecimento de hipóteses, ideias ou modelos e aí tenta-se desmenti-las. Então o cientista está sempre fazendo perguntas, sendo cético. A religião se resume em tornar uma crença não testada em uma verdade imutável, através do poder de algumas instituições e o passar dos tempos".

Dawkins dialogando com o pastor evangelico Ted Haggard, conselheiro do ex-presidente Bush:



Dawkins conversando com o islâmico Yousef Al-Khattab: