quarta-feira, dezembro 30, 2020

Balanço cinematográfico de 2020

                                                                     Ingmar Bergman

O ano de 2020 não foi dos mais fáceis para ninguém. Foi um ano repleto de incertezas e sobressaltos. Os dramas psicológicos nunca estiveram tão presentes. Mas, tentando enxergar as coisas por um ponto de vista positivo, confesso que houve alguns ganhos. Entre eles está a quantidade de filmes vistos por mim. 

Já faz uma certa data que elegi o cinema como uma das minhas atividades favoritas. Tanto é assim que procuro assistir a, pelo menos, dois filmes por semana. Tentando fazer um exercício de memória, posso confessar que, nos últimos cinco anos, devo ter visto algo em torno de quatrocentos filmes. Procuro privilegiar os clássicos. A lista, conforme pode ser observada em um link do lado direito da página, traz, em sua maioria, títulos com esse perfil. Há filmes recentes. Todavia, eles são vistos quando há uma boa motivação para isso. Geralmente, levo em conta os aspectos da crítica especializada. 

Foi pensando nisso, que procurei estabelecer cinco categorias a partir daquilo que vi ao longo do ano: (1) dez melhores filmes vistos em 2020; (2) dez melhores filmes brasileiros vistos em 2020; (3) cinco melhores documentários vistos em 2020;  (4) cinco filmes que me deixaram com a respiração suspensa; (5) cinco decepções de 2020.


(1) Dez melhores filmes de 2020:

1 - Os sete samurais. dir. Akira Kurosawa  (1954);

2 - Ordet. dir. Carl Theodor Dreyer (1955);

3 - Rashomon. dir. Akira Kurozawa (1950);

4 - Vá e Veja. dir. Elem Klímov. (1985);

5 - Cavalo de Turim. dir. Béla Tarr (2011);

6 - Mississipi em Chamas. dir. Alan Parker (1988);

7 - Apocalipse Now. dir. Francis Ford Copolla (1979);

8 - Lawrence da Arabia. David Lean. (1962);

9 - Ben-Hur. dir. William Wyler. (1959)

10 -  O crepúsculo dos deuses. dir. Billy Wilder. (1950);

11 -  Parasita. dir. Bong Joon-ho. (2019)

P.S. Tive que abrir uma exceção e inserir o filme sul-coreano Parasita.


(2) Cinco melhores filmes brasileiros vistos em 2020

1 - O céu de Suely. dir. Karin Ainouz. (2006);

2 - O som ao redor. dir. Kleber Mendonça. (2012);

3 - Bacurau. dir. Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles (2019)

4 - Eles não usam black-tie. dir. Leon Hirszman.(1981);

5 - Como nossos pais. dir. Laís Bodanzky. (2017);

6 - Central do Brasil.  dir. Walter Salles. (1997);

7 - O beijo da mulher aranha. Hector Babenco (1985);

8 - O caminho das nuvens. dir. Vicente Amorim.(2003);

9 - Iracema - Uma Transa Amazônica. dir. Jorge Bodanzky, Orlando Senna. (1975);

10 -  O homem que virou suco. dir. João Batista de Andrade. (1981);

 

(3) Cinco melhores documentários vistos em 2020

1 - O triunfo da vontade. dir. Leni Riefenstahl. (1935);

2 - A arquitetura da destruição. dri. Peter Cohen. (1989);

3- O holocausto brasileiro. dir. Daniela Arbex, Armando Mendz (2016);

4 - Cora Coralina - Todas as vidas. dir. Renato Barbieri. (2017);

5 - Chico - artista brasileiro. dir. Miguel Faria Jr. (2015);

 

(4) cinco filmes que me deixaram com a respiração suspensa

1 - Os sete samurais. dir. Akira Kurosawa (1954);

2 - Ordet. dir. Carl Theodor Dreyer (1955); 

3 - Vá e Veja. dir. Elem Klímov (1985);

4 - Três homens em conflito. dir. Sérgio Leone (1966);

5 - Mississipi em Chamas. dir. Alan Parker. (1988);

 

(5) cinco decepções de 2020

1 - Rio Babilônia. dir. Neville de Almeida (1982);

2 - Love. dir. Gaspar Noé (2015);

3 - O filme da minha vida. dir. Selton Mello (2017);

4 -  Star Wars: A ascensão de Skywalker. dir. J. J. Abrams. (2019)

5 -  O exterminador do futuro: Gênesis. dir. Alan Taylor. (2015);

domingo, dezembro 27, 2020

Um pequeno balanço livresco


 Acredito que tenha conseguido ler o meu último livro do ano de 2020. Uso a palavra "acredito", pois penso que não terei condições de terminar nenhuma outra leitura, entre aqueles que estou fazendo, ao longo da última semana do ano. Pais e filhos, de Ivan Turgueniev, era um projeto antigo de leitura - como tantos que possuo. Terminei-o ontem.

Não foi um ano fácil. Li menos do que eu queria, todavia, mais do que eu podia. Para leitores com uma compulsão megalomaníaca como eu, que ficam esmorecidos quando não conseguem ler, perceber a existência de obstáculos para a consecução da leitura é sempre uma tragédia. 

O ato de ler é uma atividade curiosa. Esse ano difícil em vários cenários, serviu para mostrar para mim que livros são como montanhas - algumas, quando olhamos debaixo, parecem intransponíveis. Mas elas são e continuam assim até que nos decidamos a subir. 

Há livros que, ao olharmos a sua lombada, a sua espessura extensa, assustamo-nos. Um retraimento covarde nos convence a não enfrentá-los. Isso é uma advertência enganosa. Arrumamos tempo para fazer tantas coisas, por que não organizamos o tempo para realizar algumas necessárias leituras? 2020 permitiu que eu realizasse alguns desejos. Por exemplo, consegui ler A besta humana, do escritor francês Émile Zola. Li ainda o delicioso O lobo do mar, do Jack London. Outro livro lido - e esse ficou entre os grandes que já li - foi O senhor da moscas, do nobelino William Golding. 

Outro livro de fundamental leitura foi o extraordinário Nada de novo no front, do alemão Erich Maria Remarque. O livro é uma aula sobre as transformações ocorridas no interior de um combatente durante a Primeira Guerra Mundial. O brilhantismo da narrativa aproxima-o de Os contos de Kolimá, do russo Varlam Chalámov.

Acredito que o maior desafio do ano tenha sido a leitura da extraordinária biografia sobre o chefe da propaganda nazista - Joseph Goebbels - escrito por Peter Longerich. A leitura aconteceu de forma lenta. Arrastada. Em alguns momentos, pensei realizar uma tarefa que nunca teria fim. O livro aproxima-se das novecentas páginas. Ao terminá-lo, fiquei com um senso de dever cumprido e uma sensação gratificante de que eu era capaz de enfrentar desafios aparentemente assustadores. 

É baseado nessa experiência que, no ano de 2021, tenho três grandes montanhas para galgar: (1) Brasil - uma biografia, da Lilia Moritz Schwarcz; (2) Os demônios, de Dostoiévski; (3) Jane Eyre, da Charlotte Brontë (a belíssima edição da Zahar). 

Penso ainda em ler de maneira mais detida (pelo menos uns cinco livros de cada) Clarice Lispector - por causa de seu centenário - e Lygia Fagundes Telles, para quem as apresentações são dispensáveis. Pretendo ainda ler três ou quatro obras de Jorge Amado, projeto que iniciei em 2020.

Claro, em 2020 houve outras leituras. Mas, acredito que o mais significativo tenha sido isso. 

No próximo ano, o horizonte (observando à distância) apresenta as mesmas tinturas melancólicas - filho, dois empregos, acordar cedo, grandes deslocamentos diários; tempo escasso etc. Mas, é importante continuar fazendo menos do que eu queria, todavia, mais do que eu podia.

sábado, dezembro 26, 2020

Resumo cinematográfico III

(1) "Django Livre" - filme de Quentin Tarantino, que teve sua estreia no ano de 2012. Vi-o em 7/9 deste ano. Assisti a ele, após uma cruzada tarantinesca. Por aqueles dias, vi uns três filmes do diretor. "Django Livre", penso, é o ápice da produção de Tarantino. Com exceção de "Pulp Fiction" (já perdi a quantidade de vezes que vi), fico meio sem paciência com toda aqueles volteios  previsíveis dos trabalhos do diretor estadunidense. O que fixa a minha atenção são, sempre, as belas atuações de parcerias de longa data, como é o caso de Samuel L. Jackson; ou, de em tempos mais próximos, Christoph Waltz e Leonardo DiCaprio. "Django" prende, porque possui um excelente enredo; belas atuações; diálogos cáusticos. Mas, no fundo, é uma tentativa de trazer à tona os "faroestes macarrônicos" à Sergio Leone, com efeitos "gore" e misturas típicas da cultura pop, como é o caso de cruzar lendas alemãs, com escravidão; além do modo como o ex-escravo "Django" se veste após a sua transformação. Confesso que fiquei mais entusiasmado quando vi o filme pela primeira vez, em 2017.

(2) "Um tiro na noite" - filme do lendário diretor Brian de Palma. A obra é do ano de 1982. Foi uma grata surpresa tê-lo visto. A tradução do filme para o português brasileiro, não revela a brincadeira em forma de homenagem que o diretor faz: "Blow Out". "Um tiro na noite" é uma confissão de admiração do diretor aos seus mestres. No caso em questão, De Palma rende homenagem ao diretor italiano Michelangelo Antonioni que, em 1966, filmou um dos suspenses mais originais da história do cinema: "Blow Up - Depois daquele beijo". No filme de Antonioni, um fotógrafo realiza o seu trabalho corriqueiramente em um parque. Quando decide revelar as fotografias, desconfia que registrou o cometimento de um crime. Inicia uma caçada que o leva por um labirinto de eventos com direito, inclusive, a entrar em um "pub" onde o "The Yardbirds", a primeira banda do Jimmy Page, guitarrista do Led Zepellin, faz uma apresentação. No caso do filme de De Palma, um diretor de "filmes B" capta sons próximo a uma ponte, numa noite erma e banal. De repente,  grava o estampido de um tiro. Um carro precipita-se da ponte e cai no rio. Esse é o "start" para a condução brilhante do diretor. Antonioni privilegia a imagem; De Palma, o som. Todavia, há ainda a clara presença dos mistérios hitchcockeanos. É um filme para que os detalhes sejam captados. Uma aula sobre o conceito de metalinguagem.

(3)  "Iracema - Uma Transa Amazônica".  Filme de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. Trata-se de uma obra ácida em sua ironia. O filme veio à luz ano de 1974, período da Ditadura Militar em que a propaganda oficial alardeava o chamado "Milagre Brasileiro". Era o período das faraônicas construções. Entre elas, a construção da Rodovia Transamazônica, que levaria, conforme assim era apregoado, o progresso ao Norte do país, cumprindo o projeto de integração nacional, doutrina defendida pelos militares. O filme é relevante, pois faz uma denúncia, mostrando o lado averso, ignorado pelo restante do país - queimadas descontroladas, prostituição à margem da rodovia; a força e a violência dos donos da terra; desmatamento;  a fome e a miséria grassante nas comunidades pobres.  A narrativa do filme é fluida. Em alguns momentos, temos a impressão que estamos vendo um documentário. Vale a pena observar, que a índia Iracema do filme é bem diferente daquela de Alencar. No romance do escritor cearense, há a tentativa de criação de um mito (uma espécie de idílio), deixando evidente que o Brasil é fruto do cruzamento entre a civilização europeia e a natureza americana. No caso do filme, Iracema é prostituída às margens da rodovia símbolo do milagre brasileiro, evidenciando um claro contrassenso. O nome de um dos personagens (inclusive que engana Iracema) é Tião Brasil Grande, que viaja pelo interior e gosta de contar loas patrióticas. Mas que, no fundo, é um grande embusteiro, inclusive enganando Iracema. Baita filme!