sexta-feira, dezembro 28, 2018

"Maria Bonita - sexo, violência e mulheres no cangaço", de Adriana Negreiros

Maria Gomes de Oliveira ou, simplesmente, Maria Bonita
Terminei a leitura de Maria Bonita - sexo, violência e mulheres no cangaço, de Adriana Negreiros. Desde o primeiro instante em que me deparei com o livro, surgiu a vontade de lê-lo. A capa, visualmente chamativa, é o primeiro detalhe que chama a atenção. A Editora Objetiva caprichou no acabamento.  O visual remete à estética nordestina. 

Adriana Negreiros é jornalista. Já frequentou a redação dos principais jornais e revistas do país. É casada com o renomado historiador Lira Neto, que escreveu, entre outros, Padre Cícero e a badalada biografia de Vargas. Maria Bonita - sexo, violência e mulheres no cangaço é o seu livro de estreia. Seu texto é bastante atraente. Possui uma fluência agradável, talvez aprendida no jornalismo. Para escrever Maria Bonita, Adriana precisou viajar pelo sertão nordestino, principalmente, pelo interior de Sergipe, Bahia, Alagoas, Ceará e Pernambuco, espaços geográficos por onde Lampião, Maria Bonita e os seus cabras realizaram suas estratégicas andanças. Ouviu depoimentos. Conversou com estudiosos regionais que se debruçam para estudar o cangaço, principalmente, o casal mais famosos da história do movimento - Lampião e Maria Bonita.

A proposta do livro é apresentar a figura icônica de Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida por Maria Bonita. Na verdade, como é explicado pela autora, o nome Maria Bonita só passou a vigorar após a sua morte. Em vida, Maria foi conhecida como Maria de Déa. Déa era a sua mãe. Embora traga Maria Bonita no título, a obra põe em evidência aspectos do cangaço, alguns já conhecidos. O nome Maria bonita é nome de grife, de restaurantes, de ruas etc. Nem sempre foi assim.

Em um momento da história em que as mulheres eram obrigadas a suportarem a violência e os caprichos do seus companheiros, Maria Gomes deixou o seu marido, ainda bastante jovem, e foi se juntar com Virgulino, cognominado Lampião, que já gozava de certa fama no sertão. À época, isso gerou falatórios e especulações. Maria seria uma das mais de cinquenta mulheres que andariam com os cangaceiros pela agreste caatinga. Mesmo em um ambiente rústico, uma vida regrada e nua de confortos, Maria conseguiu estabelecer uma bela parceria com o famoso "capitão". Era imensamente vaidosa. Em fotografias de época, sempre se mostra com objetos vistosos e joias belas e caras para o momento e o local onde viveu.

Embora, o livro se proponha a falar de Maria Bonita, faz enormes incursões por outros temas. Apresenta outras personagens. Como era a vida humilde dos sertanejos. Há um destacado espaço para apontar como as mulheres eram tratadas. Algumas eram estupradas sumariamente. Tanto as mulheres mais velhas quanto as mais novas, dependendo da situação, passavam por violências sexuais extremas. Em um período em que as leis eram volúveis e profundamente difusas, a ética que imperava era o arbítrio da força. Desse modo, tanto as volantes, grupos oficiais formados por soldados e por aqueles que se alistavam voluntariamente para caçar os cangaceiros, quanto os grupos de cangaceiros, praticavam atrocidades contra as mulheres. 

Aqueles que fossem coiteiros, como eram denominados aqueles que escondiam ou ajudavam os cangaceiros, tinham uma frágil sorte. Se fossem descobertos pelas volantes, sofreriam as agruras da violência. Mas, se delatassem os cangaceiros, também seriam vitimados pelas atrocidades e inclemências dos cangaceiros. 

Adriana também busca mostrar o lado descontraído da vida dos cangaceiros: as danças que promoviam, a preparação dos alimentos do grupo, demonstrando assim um lado leve e humano do grupo de Lampião. 

Mas é o aspecto violência que fica em evidência. As mortes aconteciam com requintes de profunda impiedade. Cortar a cabeça era a mera consequência de outros fatos antes praticados. Cortes de orelhas, de línguas; castrações com facas; bailes nus, como eram chamadas as festas em que os cangaceiros obrigavam os participantes a se despirem e dançarem a noite toda. Um exemplo típico de violência aconteceu quando da morte de Maria Bonita. Segundo Adriana Negreiros, Maria ainda estava viva. Fazia pedidos aos soldados da volante. Fazia referências à filha que tinha para criar. Os soldados sem qualquer gesto de comiseração, deceparam-lhe a cabeça com um golpe de facão. O corpo ficou inerme, derreado para deleite dos urubus que visitariam mais tarde a Grota de Anjico, lugar onde os cangaceiros foram surpreendidos e mortos. Como se não bastasse tamanha truculência, enfiaram um pedaço de pau na vagina de Maria. 
Adriana Negreiros

Após a morte, as cabeças foram expostas na prefeitura de Piranhas, município de Alagoas. As cabeças tumefatas, com sorrisos sombrios e deformados, alimentaram a curiosidade de moradores e visitantes. Era uma exposição macabra, fruto do estado brasileiro. As cabeças de Lampião e Maria foram enviadas para Salvador a fim de serem estudadas no Instituto Nina Rodrigues, o famoso estudioso dos caracteres raciais e físicos como determinantes do comportamento criminoso. A suposta área do conhecimento praticado no Instituto era chamada de frenologia, que buscava o caráter e as funções intelectuais humanas, baseando-se na conformação do crânio. 

A obra é imensamente agradável. Não traz informações novas. O cangaço tem sido estudado por vários historiadores. Todavia, o livro de Adriana possui uma perspectiva nova, que é colocar em evidência a situação da mulher em um movimento dominado pelo patriarcado. Uma das boas leituras do ano!

Um trecho do livro pode ser encontrado aqui

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