quinta-feira, janeiro 03, 2013

Uma afirmação de Chesterton sobre Nieztsche

Influenciado pelo meu colega de espaço virtual Charlles Campos comecei a ler Ortodoxia, de G.K Chesterton. Curioso nisso tudo é que percebo que existe uma plaga bastante diversa de blogs. Os sujeitos não se conhecem pessoalmente, mas acabam se relacionando de tal modo, que dá uma ideia de que a amizade é antiga.

O inglês é um argumentador habilidoso. Impressiona como ele é capaz de analisar um objeto sob os mais variados ângulos.  Não avancei muito com a leitura. Mas o suficiente para perceber o quanto Chesterton labora a questão do fundamentalismo dos mais diversos matizes. Tanto o ateu, o materialista , o cristão ou como qualquer indivíduo arraigado em seu sistema filósofico torna-se um religioso. É a atitude de arrogância intolerante que conta nesse caso. Seus argumentos são sólidos. Fogem do jargão convencional. 

Chesterton era cristão. O nome do livro já nos aponta algo absoluto (ortodoxia - palavra formada por dois termos gregos: (1) ortho - "correto", daí vem a palavra ortografia, que é "a escrita correta"; o segundo vócabulo é doxxa - "adoração". Ou seja, a palavra ortodoxia faz pressupor "a adoração correta" ou os "princípios que validam a fé de certa forma".

Todavia, não concordei com o trecho na qual Chesterton raciocina como um verdadeiro cristão falando de Nietzsche. O filósofo alemão é um enigma. Como a esfinge, diante dele, ou o deciframos ou acabamos sendo devorados por ele. Suas provocações não nos deixam sem posionamentos. Diante dele assumimos duas atitudes: "(1) ou de repulsa completa, classificando-o como intragável e um sátiro, um cínico; (2) ou nos aliamos a ele, admirando-o, rindo dos outros; abrindo os olhos; refletindo o que senso comum não nos permite refletir. Nietzsche não era um filósofo de planícies. Era um filósofo de montanhas. Se ele descia para o mundo dos homens, era para rir dos desatinos da humanidade. Não dá para ficarmos insensíveis diante dele. Jamais.

Todavia, Nietzsche não fazia a crítica pela crística. Havia uma finalidade em sua filosofia. Uma proponência. Quando Chesterton afirma que Nietzsche não sabia rir, penso que haja um equívoco nessa frase. Não havia um sátiro maior do que Nietzsche. Em Zaratustra, o alter ego do filósofo, achamos o riso largo e despudorado do alemão. Ou ainda em A Gaia Ciência encontramos aquela famosa epígrafe:

"Moro na minha própria casa,
Nunca imitei ninguém,
Rio-me de todos os mestres
Que nunca se riram de si".
(Inscrição sobre minha porta)

Talvez Chesterton se inscreva naquela classe de cristãos que amaldiçoam Nietzsche e ficam tentado achar explicações "espirituais" para a paralisia que acometeu o filósofo nos seus dez últimos anos de vida. Certa vez ouvi alguém dizer que Nietzsche havia ficado naquela situação por causa do pecado. Era um castigo de Deus. Ou como já vi em algumas camisetas: "Deus está morto! Assinado: Nietzsche" e "Nietzsche está morto! Assinado: Deus", o que não deixa de fazer parte de um instinto de fraqueza, uma espécie de revanchismo ressentido. Uma tentativa de resposta. Um escárnio daqueles que nunca entenderam aquilo que Nietzsche tentou dizer com essa frase que faz parte do "lugar comum".Virou moda e faz parte de um comércio especulativo.

Mas acredito que Chesterton era muito inteligente  para pensar assim.

"Nietzsche tinha algum talento natural para o sarcasmo: ele sabia escarnecer, embora não soubesse rir; mas há sempre algo incorpóreo e sem peso na sua sátira, simplesmente porque ela não tem nenhum peso de moralidade comum em que se apoiar. O próprio Nietzsche é mais absurdo que qualquer coisa por ele denunciada. Mas, de fato, ele se sustenta muito bem como exemplo típico de todo esse fracasso da violência abstrata. O amolecimento do cérebro que no fim o atingiu não foi um acidente físico. Se Nietzsche não houvesse acabado na imbecilidade, o nietzscheanismo o teria feito. Pensar no isolamento e com orgulho acaba na idiotice. Todos os homens que não passam por um amolecimento do coração devem no mínimo passar pelo amolecimento do cérebro". (Chesterton, in Ortodoxia).


2 comentários:

charlles campos disse...

Essa concepção do pensamento de Niet como não tendo nada de pragmático para ser aplicado à realidade é uso em vários pensadores. Lembro a parte dedicada ao filósofo na História da Filosofia de Bertrand Russel, em que ele confirma isso, dizendo que Niet era válido pela energia e beleza de sua escrita, mas não como doutrinador ou conselheiro de qualquer coisa para a humanidade. Eu também penso assim: adoro ler Niet, ontem mesmo relia Além do Bem e do Mal, mas não o considero uma vírgula como promotor da verdade. Ás vezes me ponho a imaginar o que seria do cara se não tivesse morrido prematuramente; ele foi sim a vítima de sua filosofia, e julgo, não por decorrência de pecados ou punição divina, mas como feedback patológico à sua energia mau direcionada, que seu amolecimento cerebral se deu por sua casa. Algo como o câncer a propensos suicidas sem coragens imediatas que vão desistindo paulatinamente da vida. Aliás Niet foi um hipócrita: pregava a castidade, o acúmulo de esperma como fonte termal do espirito, e morreu de sífilis. Acho bem bacana esse despudor em dizer o que realmente pensa do Chesterton.

Carlinus disse...

Obrigado, Charlles, pelo comentário.

Passei a admirar Chesterton assim como já admirava o C.S. Lewis - outro apologeta inglês. Eles pertecem a uma categoria de cristãos que souberam dialogar com outras formas de conhecimento.

Sobre Nietzsche: também sou um admirador de Nietzsche. Há alguns dias eu terminei de reler o Anticristo. É sempre bom bebericar aquele estilo de quem anda como cabra montanhesa - aos pulos. Há escritores que andam como lesmas, com grande pachorra e metodismo linguístico. Com Nieztsche não é assim: ele é um cervo. Anda aos saltos. O resultado dessa experiência é fantástico. Tornamo-nos mais ágeis e desenvolvemos uma maior resistência.

Já levei Nietzsche mais a ério em meu radicalismo. Mas penso, hoje, um pouco mais velho, que ele seja necessário para que não percamos de vista determinadas reflexões. Nieztsche era um romântico na melhor das expressões. E como tu bem disseste, Charlles, teve o cérebro afetado por causa da grande energia que dispendeu para conceber o seu pensamento. Mas, esses profetas do caos são necessários para que notemos determinadas cores as quais não estamos acostumados a ver.

Abraços!