O blog está abandonado ultimamente. Não é que me faltem ideias para novos textos magros - excessivamente magros. É que as coisas evoluem, passam, e eu acabo por postergar novas postagens. Nestes dias de eleições, tenho assistido a bastantes filmes e documentários, sempre voltados para uma temática mais política. Tal experiência tem sido positiva. Sem falar nos livros que tenho comprado. Há alguns dias atrás, vi uma afirmação medonhamente fascista plasmada com grande exultação pelo seu autor - como tantas que temos visto por brasileiros conservadores e cooptados pela mídia criminosa do nosso país. Aquilo encheu os meus olhos de sangue. Não pude deixar de dar uma resposta. É o texto que segue abaixo - claro, com algumas adaptações. Pretendo nos próximos dias tirar o blog da letargia, do silêncio.
Em primeiro lugar, queria dizer
que não tentei ser agressivo contra a sua pessoa, mas contra a ideia subjacente
em sua fala. Que você é de direita dá para perceber pela objetividade da
enunciação, completamente descontextualizada. É curioso notar que afirmar-se de
direita no Brasil se tornou uma virtude. E mal sabem aqueles que supostamente
se alegam como tal, que ser direita é afirmar está do outro lado da luta - é
está do lado dos setores conservadores e atrasados da sociedade e, que a
maioria das vezes, é contrário aos interesses dos debaixo. Quando leio os
profetas, principalmente, Amós, Miquéias, Habacuque, Oséias, penso que esses
homens não estavam na direita. Estavam na esquerda, lutando pela causa da viúva
e do necessitado; enfrentado "as vacas de Basã", como disse Amós;
lutando em favor dos desprezados pelas políticas mantenedoras do "status
quo" das elites.
Quando olho para Jesus, não penso que ele ficaria do lado
da direita. Acredito que ele ficasse do lado dos oprimidos, dos enlutados, dos
esfomeados, dos que não tinham emprego, das prostitutas, dos párias, dos
estigmatizados, das minorias (Mt 9.10-13; 11.19;) ; daqueles que precisavam de
uma palavra de transformação e esperança. A direita prega o preconceito, a
desinformação, a não libertação. Acredito que o evangelho não seja da direita,
mas o cristianismo dogmático que muitos defendem o seja. É, por isso, que o
cristianismo prega a sua desimportância, por ser uma fé alienada, por não ser
inserir nas lutas históricas. A suposta solidariedade pregada pelos cristãos é
tacanha. Fica restrita ao ambiente eclesiástico.
A igreja não olha para fora
dos seus muros e, quando olha, vê apenas perdidos, desviados e pessoas que
precisam ser "salvas". É por isso que vemos tanto obscurantismo e
preconceito na igreja. Porque ela pensa na dicotomia "perdido" x
"salvo". Esses são termos criados pelo dogma. O principal compromisso
do evangelho é com a libertação do homem, com a sua dignidade. E eu penso que
todo e qualquer processo que sirva para dá mais dignidade, esperança ao homem,
é revolucionário.
Uma segunda questão fica por conta do processo histórico do
Nordeste. A região já foi um dos redutos econômicos mais viçosos do Brasil.
Isso nos dois primeiros séculos de nossa história, quando do ciclo da
cana-de-açúcar. Nesse momento da história, o Nordeste era farto. Os engenhos,
que mantinham uma mão de obra escrava, enriqueciam a metrópole e geravam
privilégios para a casa-grande. Após a derrocada do produto, por causa da
intervenção dos holandeses, o comércio do açúcar definhou e a região amargou
uma crise profunda. Com a descoberta do ouro na região Sudeste, o ciclo
econômico muda-se para o centro sul. Vale ressaltar ainda que quando do ciclo
do açúcar, os estados privilegiados pela produção eram Pernambuco, Paraíba e
Alagoas. Estados como Piauí e Maranhão estavam afastados. Não havia atividade
econômica relevante nesses estados. O homem comum tinha que submeter aos
favores de algum oligarca e vender a sua força de trabalho. É, por isso, por
exemplo, que no Piauí, as famílias Gurguéia, Martins e, atualmente, a família Portella, são tão fortes; ou os
Sarneys no Maranhão, que se instalaram com tanta força. São famílias que desde
tempos imemoriais fazem parte da oligarquia política da região.
Esse cenário se
estabeleceu pelos séculos seguintes. O Nordeste sempre foi visto como uma
região de migrantes, uma região de
pessoas que saem para procurar melhores condições em outras locais. Mas isso se
deu por conta da decadência econômica da região. Esse ciclo tem permanecido ao longo da
história. Se deu assim no início do
século XX , por exemplo, com o ciclo da borracha na Região Norte. O estado do
Acre possui uma população cearense grandiosa, justamente, por causa do grande
fluxo migratório. Ao longo do século XX, a leva grossa de migração continuou a
sua marcha. Dessa vez para o Sudeste. E, quando se deu a construção de
Brasília, para a nova capital. Mas o problema da pobreza não foi resolvido,
pois como dizia Euclides da Cunha: "O que separa o interior do Nordeste do
seu litoral não são cem quilômetros. São cem anos". Observe que a pobreza
do Nordeste é uma questão histórica. O desemprego sempre foi algo sério. Muito
gente sai de lá por entender que, lá, as chances são pequenas e inexpressivas. Eu, como você, somos um exemplo disso! É, por isso, que os nordestinos apoiam o
governo do PT, pois foi a partir das políticas sociais de Lula e Dilma que os
homens e mulheres daquela região viram as coisas mudar. Portanto, falar que o
Bolsa Família está gerando uma leva de "não trabalhadores" é incorrer
numa falácia histórica.
E terceiro lugar, as políticas sociais do governo
melhoraram a vida de milhões de pessoas. Meus familiares que estão em
Pernambuco, boa parte deles, recebe Bolsa Família. Mas, nem por isso, são não
trabalhadores ou "vagabundos" como se quer fazer crer. O Bolsa
Família é uma política contingente. O instrumento que regula a política é a
manutenção do filho estudando. Se o
menino deixa de ir para a escola, o programa é cortado. Falo isso, pois minha
mãe já recebeu Bolsa Família. Meu pai havia morrido. Ficamos eu e mais dois
irmãos e a minha mãe numa situação difícil. Naquela ocasião, meu irmão mais
novo estava no ensino fundamental e não podia faltar a escola. E minha família
era contemplada com R$ 70,00 que ajudava a engrossar o salário mínimo que minha
mãe ganhava. O dinheiro ajudava bastante. Tínhamos que pagar aluguel, comprar
comida e tudo aquilo que fosse necessário. Hoje, minha mãe não ganha mais o
Bolsa Família – e continua a trabalhar como sempre fez. Muitas famílias
passaram a comer mais depois do Bolsa Família. Quem disse isso foi a ONU. Pela
primeira vez em 500 quinhentos anos, o Brasil não está mais no mapa mundial da
fome. Penso que isso fosse motivo para a igreja ficar feliz.
Claro, uma igreja coerente e comprometida com o necessitado. A fome não precisa
de palavras soltas, vazias de conteúdos, precisa de substância material.
Agostinho disse certa vez que toda verdade é verdade de Deus. Parafraseando
Agostinho, podemos dizer que toda ação de solidariedade que venha trazer
bem-estar, dignidade, é uma ação afirmativa em favor daquilo que prega o
coração do evangelho.
Em quatro lugar, termino com uma pergunta: onde
estaríamos se tivéssemos continuado - você no Piauí e, eu, no Pernambuco? Não
quis ser deseducado com você. Nunca mais tive oportunidade de conversar com
você. Seria interessante fazê-lo. Um abraço!
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