domingo, outubro 19, 2014

Uma resposta à ignorância

O blog está abandonado ultimamente. Não é que me faltem ideias para novos textos magros - excessivamente magros. É que as coisas evoluem, passam, e eu acabo por postergar novas postagens. Nestes dias de eleições, tenho assistido a bastantes filmes e documentários, sempre voltados para uma temática mais política. Tal experiência tem sido positiva. Sem falar nos livros que tenho comprado. Há alguns dias atrás, vi uma afirmação medonhamente fascista plasmada com grande exultação pelo seu autor - como tantas que temos visto por brasileiros conservadores e cooptados pela mídia criminosa do nosso país. Aquilo encheu os meus olhos de sangue. Não pude deixar de dar uma resposta. É o texto que segue abaixo - claro, com algumas adaptações. Pretendo nos próximos dias tirar o blog da letargia, do silêncio

Em primeiro lugar, queria dizer que não tentei ser agressivo contra a sua pessoa, mas contra a ideia subjacente em sua fala. Que você é de direita dá para perceber pela objetividade da enunciação, completamente descontextualizada. É curioso notar que afirmar-se de direita no Brasil se tornou uma virtude. E mal sabem aqueles que supostamente se alegam como tal, que ser direita é afirmar está do outro lado da luta - é está do lado dos setores conservadores e atrasados da sociedade e, que a maioria das vezes, é contrário aos interesses dos debaixo. Quando leio os profetas, principalmente, Amós, Miquéias, Habacuque, Oséias, penso que esses homens não estavam na direita. Estavam na esquerda, lutando pela causa da viúva e do necessitado; enfrentado "as vacas de Basã", como disse Amós; lutando em favor dos desprezados pelas políticas mantenedoras do "status quo" das elites. 

Quando olho para Jesus, não penso que ele ficaria do lado da direita. Acredito que ele ficasse do lado dos oprimidos, dos enlutados, dos esfomeados, dos que não tinham emprego, das prostitutas, dos párias, dos estigmatizados, das minorias (Mt 9.10-13; 11.19;) ; daqueles que precisavam de uma palavra de transformação e esperança. A direita prega o preconceito, a desinformação, a não libertação. Acredito que o evangelho não seja da direita, mas o cristianismo dogmático que muitos defendem o seja. É, por isso, que o cristianismo prega a sua desimportância, por ser uma fé alienada, por não ser inserir nas lutas históricas. A suposta solidariedade pregada pelos cristãos é tacanha. Fica restrita ao ambiente eclesiástico. 

A igreja não olha para fora dos seus muros e, quando olha, vê apenas perdidos, desviados e pessoas que precisam ser "salvas". É por isso que vemos tanto obscurantismo e preconceito na igreja. Porque ela pensa na dicotomia "perdido" x "salvo". Esses são termos criados pelo dogma. O principal compromisso do evangelho é com a libertação do homem, com a sua dignidade. E eu penso que todo e qualquer processo que sirva para dá mais dignidade, esperança ao homem, é revolucionário. 

Uma segunda questão fica por conta do processo histórico do Nordeste. A região já foi um dos redutos econômicos mais viçosos do Brasil. Isso nos dois primeiros séculos de nossa história, quando do ciclo da cana-de-açúcar. Nesse momento da história, o Nordeste era farto. Os engenhos, que mantinham uma mão de obra escrava, enriqueciam a metrópole e geravam privilégios para a casa-grande. Após a derrocada do produto, por causa da intervenção dos holandeses, o comércio do açúcar definhou e a região amargou uma crise profunda. Com a descoberta do ouro na região Sudeste, o ciclo econômico muda-se para o centro sul. Vale ressaltar ainda que quando do ciclo do açúcar, os estados privilegiados pela produção eram Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Estados como Piauí e Maranhão estavam afastados. Não havia atividade econômica relevante nesses estados. O homem comum tinha que submeter aos favores de algum oligarca e vender a sua força de trabalho. É, por isso, por exemplo, que no Piauí, as famílias Gurguéia, Martins e, atualmente, a família Portella, são tão fortes; ou os Sarneys no Maranhão, que se instalaram com tanta força. São famílias que desde tempos imemoriais fazem parte da oligarquia política da região. 

Esse cenário se estabeleceu pelos séculos seguintes. O Nordeste sempre foi visto como uma região de migrantes,  uma região de pessoas que saem para procurar melhores condições em outras locais. Mas isso se deu por conta da decadência econômica da região.  Esse ciclo tem permanecido ao longo da história.  Se deu assim no início do século XX , por exemplo, com o ciclo da borracha na Região Norte. O estado do Acre possui uma população cearense grandiosa, justamente, por causa do grande fluxo migratório. Ao longo do século XX, a leva grossa de migração continuou a sua marcha. Dessa vez para o Sudeste. E, quando se deu a construção de Brasília, para a nova capital. Mas o problema da pobreza não foi resolvido, pois como dizia Euclides da Cunha: "O que separa o interior do Nordeste do seu litoral não são cem quilômetros. São cem anos". Observe que a pobreza do Nordeste é uma questão histórica. O desemprego sempre foi algo sério. Muito gente sai de lá por entender que, lá, as chances são pequenas e inexpressivas. Eu, como você, somos um exemplo disso! É, por isso, que os nordestinos apoiam o governo do PT, pois foi a partir das políticas sociais de Lula e Dilma que os homens e mulheres daquela região viram as coisas mudar. Portanto, falar que o Bolsa Família está gerando uma leva de "não trabalhadores" é incorrer numa falácia histórica. 

E terceiro lugar, as políticas sociais do governo melhoraram a vida de milhões de pessoas. Meus familiares que estão em Pernambuco, boa parte deles, recebe Bolsa Família. Mas, nem por isso, são não trabalhadores ou "vagabundos" como se quer fazer crer. O Bolsa Família é uma política contingente. O instrumento que regula a política é a manutenção do filho estudando.  Se o menino deixa de ir para a escola, o programa é cortado. Falo isso, pois minha mãe já recebeu Bolsa Família. Meu pai havia morrido. Ficamos eu e mais dois irmãos e a minha mãe numa situação difícil. Naquela ocasião, meu irmão mais novo estava no ensino fundamental e não podia faltar a escola. E minha família era contemplada com R$ 70,00 que ajudava a engrossar o salário mínimo que minha mãe ganhava. O dinheiro ajudava bastante. Tínhamos que pagar aluguel, comprar comida e tudo aquilo que fosse necessário. Hoje, minha mãe não ganha mais o Bolsa Família – e continua a trabalhar como sempre fez. Muitas famílias passaram a comer mais depois do Bolsa Família. Quem disse isso foi a ONU. Pela primeira vez em 500 quinhentos anos, o Brasil não está mais no mapa mundial da fome. Penso que isso fosse motivo para a igreja ficar feliz. Claro, uma igreja coerente e comprometida com o necessitado. A fome não precisa de palavras soltas, vazias de conteúdos, precisa de substância material. Agostinho disse certa vez que toda verdade é verdade de Deus. Parafraseando Agostinho, podemos dizer que toda ação de solidariedade que venha trazer bem-estar, dignidade, é uma ação afirmativa em favor daquilo que prega o coração do evangelho. 

Em quatro lugar, termino com uma pergunta: onde estaríamos se tivéssemos continuado - você no Piauí e, eu, no Pernambuco? Não quis ser deseducado com você. Nunca mais tive oportunidade de conversar com você. Seria interessante fazê-lo. Um abraço!

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