Num dia que não me lembro deste ano (2008), visitei descompromissadamente as Lojas Americanas – como faço em algumas ocasiões. Observava a pilha de filmes amontoados. Visualizava os títulos quando acabei achando o filme do cineasta mexicano Alexandro González Iñarritu. Fiquei excitadíssimo com aquele achado. Não titubeei. Corri para o caixa a fim de pagar R$ 12,99 pelo mesmo. Trouxe-o para casa, mas demorei a vê-lo. Até que esta semana eu consegui assisti-lo e me impressionei com as suas cenas densas e eletrizantes. Por que não dizer ainda, atordoantes e caóticas?
Fiquei por um longo tempo com as cenas na cabeça. O filme não permite qualquer respiração. São duas horas e meia de uma rede fragmentada de cenas. De idas e vindas; de digressões e supressões; de fatos que não são explicados e terminam sem uma resposta óbvia, deixando-nos pensar o que terá sucedido. Ficamos sem fôlego do início ao fim. O filme já inicia com Octávio (Gael Garcia Bernal) e seu amigo fugindo em alta velocidade pelas ruas movimentadas da Cidade do México. O seu cachorro Cofi baleado está no banco traseiro, perde muito sangue. No encalço de Octávio seguem dois indivíduos armados numa camionete. Esse artifício induz àquele que está vendo as cenas a se sentir dentro do automóvel com Octávio em plena fuga. Esta cena trará implicativos sérios para o desenlace da vida de três personagens distintos: Octávio, que fugia por ter esfaqueado um indivíduo numa rinha; Valeria (Goya Toledo), modelo espanhola famosa que tem a sua perna amputada em conseqüência da colisão; e Chivo (Emílio Echevárria), ex-guerrilheiro, que ganha a vida como matador de aluguel e é um espécie de mendigo nauseabundo que vive envolto pelos cachorros.
O filme é rico em temáticas para reflexão – aborda a marginalização nos centros urbanos, o drama dos lapsos familiares, a contraposição entre os proletários das periferias e a nababesca e despreocupada vida da burguesia ambiciosa, a violência contra a mulher, o mercado negro do desmanche de carros e das rinhas, dando a entender que a clandestinidade do crime está ao lado, a juventude transviada que encontra na violência e na extorsão o seu ganho fácil.
Encontrei na internet uma resenha muito boa sobre o filme e resolvi colocá-la logo abaixo.
Por Ricardo Carreiro[1]
Poucos cineastas estreantes têm estofo para lançar, como primeiro trabalho, um filme denso, pesado e profundamente ambicioso. Em Hollywood, sequer imaginar algo do gênero seria surreal. Por sorte, Alejandro Gonzáles Iñárritu nasceu no México. Trabalhando com atores desconhecidos e orçamentos apertados, ele teve a liberdade criativa para levar em frente o projeto de “Amores Brutos” (Amores Perros, México, 2000). O longa-metragem fez e continua a fazer enorme sucesso no meio dos cinéfilos jovens, por conta de alguns ingredientes que compõem a sua receita: violência, narrativa fragmentada, montagem acelerada e personagens jovens fascinantes.
”Amores Brutos” entrelaça as trajetórias de três pessoas a partir de um acidente automobilístico. Na primeira história, o protagonista é o jovem Octávio (Gael Garcia Bernal, antes da fama). Ele tem uma queda pela esposa do irmão mais velho, Susana (Vanessa Bauche). Octávio dá a ela o carinho que o primogênito da família lhe nega – o cara, um delinqüente envolvido com drogas, é bastante agressivo com a menina – e decide fugir de casa com Susana. Para levantar a grana necessária, ele usa o cachorro Cofi em brigas ilegais.
A segunda história narra a história de uma modelo famosa, Valeria (Goya Toledo). Ela vive um momento especial: acaba de assinar contrato com uma marca de perfumes, está de mudança para um flat luxuoso e o amante, Daniel (Álvaro Guerrero), finalmente decidiu largar a esposa e as duas filhas para ir viver com ela. A vida parece um paraíso, bem ao contrário do que é para Chivo (Emilio Echevarría), um ex-guerrilheiro que foi criado longe da filha, agora adulta, e sobrevive praticando assassinatos de aluguel.
O acidente de carro realiza a conexão entre esses três personagens, provocando mudanças radicais (e muitas vezes imprevisíveis) nas três vidas. Iñárritu dispara, a partir dessa narrativa fragmentada, reflexões sobre uma grande quantidade de temas. O principal deles é a vida na cidade grande. O cineasta contrapõe a vida dura e sem perspectivas no subúrbio de uma supermetrópole, como a Cidade do México, e o dia-a-dia dos burgueses do mesmo lugar. Os problemas de Octávio e Valeria não poderiam ser mais diferentes. Mesmo assim, a certa altura do filme, ambos se encontram sufocados pelas respectivas enrascadas em que se meteram, involuntariamente. Descontando a perspectiva, os dois sofrem da mesma maneira.
Talvez seja essa a principal mensagem do filme vigoroso de Alejandro Iñárritu. Mas o diretor novato não pára aqui. Sua ambição é muito maior. Cada um dos protagonistas vive uma complexa gama de emoções: paixão, arrependimento, desespero, saudade, ciúmes. O roteiro de Guillermo Arriaga é brilhante em dois extremos, tanto na criação de personagens multifacetados e profundamente ancorados na realidade (Octávio, Valeria e Chivo poderiam ser pessoas de carne e osso) quanto no desenvolvimento correto da ação dramática. Os diálogos ágeis, que equilibram humor e dor em proporções iguais, completam o cardápio. A fotografia nervosa, de câmera na mão e cores saturadas, ajuda a dar o clima de urgência que o enredo pede.
A rigor, “Amores Brutos” não tem falhas aparentes. Por isso, se mantém desde o lançamento na lista dos 150 melhores filmes de todos os tempos, segundo a prestigiosa lista do maior banco de dados de cinema da Internet, o Imdb. O único senão do filme de Iñárritu é, talvez, o excesso de pessimismo que sua visão juvenil ainda possui. As histórias que ele conta estão, todas, embebidas em um alto grau de desesperança diante da vida que se descortina para o futuro. Até mesmo na conclusão da terceira trama, que ensaia uma tentativa de redenção, Chivo recorre à violência e ao cinismo para conseguir a sua redenção. Não existe um personagem positivo, e a perspectiva do filme é inteiramente sombria. Mas isso não tira o brilho de uma estréia promissora e talentosa.
Em DVD, “Amores Brutos” está disponível em um pacote básico, que inclui apenas o filme (com imagens em formato widescreen original e trilha de áudio Dolby Digital 5.1), sem material extra.
-Amores Brutos (Amores Perros, México, 2000).
Direção: Alejandro Gonzáles Iñárritu.
Elenco: Gael Garcia Bernal, Emilio Echevarría, Goya Toledo, Álvaro Guerrero
Duração: 153 minutos
Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: sexta-feira, 26 de dezembro de 2008, 10:28:37.
[1] Disponível em http://www.cinereporter.com.br/dvd/amores-brutos/ .
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