quinta-feira, agosto 22, 2013

"Hannah de Arendt", de Von Trotta

 Ontem, resolvi, a despeito do vendaval de trabalho que ultimamente perenizou-se em minha existência, ir ao cinema - e de lambuja ainda fui à Livraria Cultura e comprei dois livros: A maçã envenenada (Michel Laub) e "A crônica de Wapshot" (John Cheever). Queria assistir ao filme de Von Trota, Hannah Arendt. Por aqui está quase saindo de cartaz. Não é minha intenção fazer uma análise profunda do filme ou realizar um colóquio com a obra da ilustre pensadora alemã. Falar de Hannah Arendt é complexo, é difícil, pois ela não pode se "enquadrada" em uma escola de pensamento. Marxista? Existencialista? Ontologista? Acredito que ela seja tudo isso. Hannah é uma pluralista. Fugia aos epítetos academicistas. Preferia fazer um papel de debatedora lúcida dos problemas políticos contemporâneos e as implicações das políticas totalitárias perpetradas na psicologia do mundo. Diria que Hannah faz o papel de "uma Sócrates moderna", pelos questionamentos e reflexões suscitadas.

O filme de Trotta como todo filme biográfico é problemático. Acaba extirpando determinados aspectos da vida ou da personalidade da pessoa retratada, o que causa um prejuízo crítico. Hannah é maior e mais complexa do que a obra tentou mostrar. Sua perspicácia filosófica era aguda. Um exemplo disso é a visão que ela tem no filme sobre o julgamento do burocrata Adolf Eichmann cuja visão, para Hannah, destoava da crítica majoritária. Para ela, que cunhou o termo "banalidade do mal", o mal é uma força sedutora capaz de solapar o bom senso. A ideia de banalidade do mal surgiu no julgamento de Eichmann. Segundo o filme, ela se candidatou para fazer a cobertura jornalística do julgamento do arrivista alemão do partido de Hitler à revista The New Yorker

Barbara Sukowa no papel de Hannah
As autoridades secretas do estado judaico haviam prendido Eichmann em Buenos Aires e o transportado para Jerusalém. Uma corte foi montada para julgar os atos de Eichmann. O nazi era acusado de ser co-responsável pelo mortícinío de cerca de 6 milhões de judeus e crimes contra a humanidade; e por ser um dos mentores daquilo que ficou conhecido como "a solução final", que poria fim aos judeus. O primeiro impacto causado foi terem colocado Eichmann em uma jaula de vidro, como se este fosse um "animal peçonhento e repulsivo". Aquela imagem impactou Hannah. Após o início do julgamento, ficou claro para a filosófa que o réu não passava de um ventríloquo do partido nazista. Ele havia se desperonalizado. O voto que  havia feito ao partido nazista anulara a sua consciência. Suas ações eram maquinais. Ou seja, com isso Hannah entendeu que Eichmann era um idiota a serviço do mal; um burocrata; um fantasma teleguiado por uma força invisível que o admosteava para ações condenáveis. 

Hannah Arendt
Tal tese foi rechaçada pelos sionistas. A pensadora paga um alto preço por tal tese. Afinal, havia dois problemas estabelecidos: (1) até que ponto o sujeito histórico deve ser responsabilizado pelas suas ações. O entendimento dos judeus e de boa parte do mundo era de que Eichmann deveria ser julgado e penalizado pela participação infame no genocídio. (2) a tese de Hannah era, por sua vez, a de que o alemão era um zeloso e escrupuloso operador, um tecnocrata a serviço do Reich; não havia nele um desejo personalizado para o mal ou para o bem; suas iniciativas brotavam do desejo de ascensão; ele cedera ao mal, à banalidade, à infâmia, à mediocridade e esse era um perigo que qualquer sujeito poderia incorrer. O mal que despersonaliza, que idiotiza, que extrai a solidariedade, é o mal elevado ao grau máximo; e que quando essas pessoas são expostas à possibilidade de cometer qualquer ato contra outros seres humanos, não se atemorizam, nem sentem qualquer remorso. Foi assim que Hannah viu aquele homem de fala mansa, ponderada, certa e equilibrada naquela caixa, quando do outro lado, as autoridades judaicas buscavam jogar sobre ele o peso da culpa. Hannah entendia que até mesmo o tribunal, se não avaliasse as intenções do julgamento, poderia incorrer na prática do mal.

Estou com o livro "Eichmann em Jerusalém", de 1963, e que deu origem ao filme, há uns vinte dias. Infelizmente ainda não pude lê-lo. Consegui-o em uma biblioteca pública. Gostei do filme. Um dos pontos negativos é a visão que se dá à figura de Heidegger. O ilustre filósofo, um dos nomes mais importantes do século XX, que é mostrado como um velho tolo e capacho. Um senhor apaixonado e que não possui remorsos das escolhas que faz. Um grande inescrupuloso. Fazer filmes não é algo fácil. 


2 comentários:

charlles campos disse...

O tipo de filme que eu não faço a mínima questão de ver; aliás, fujo. Arendt é um dos meus autores preferidos, ela me enriqueceu muito, moldou parte de meu modo de pensar; daí que me mantenho em guarda a não encarar uma caricatura cinematográfica. Acho que, em um cinema independente, seria interessante que passassem a interpretar os grandes sujeitos biografados com atores que não tivessem nada a ver com a pessoa real (como o teatro masculino grego), por exemplo, em vez dessa atriz que fez a Arendt_ que me causa forte impressão de impostura, de boneca mal vestida_, quem interpretasse Arendt fosse uma negra obesa, ou um senhor de barbas e óculo_ Olá, senhora Arendt!_, ou um cachorro. Só assim, com uma contraposição absurda, a minha imagem pessoal e íntima de Arendt não ficaria incomodada.

Carlinus disse...

Isso seria imensamente original e desafiante. Entendi, Charlles, a sua posição. Mas o filme até que é bonzinho. Pelo menos, a impressão que passa é que Von Trotta e a Sukowa estudaram bastante a obra de Hannah Arendt.

A propósito: estou louco para ler o texto que escreveste sobre "Eichmann em Jerusalém".