sábado, agosto 03, 2013

Brasil, um país que precisa ser amado por todos nós

O Brasil é um país múltiplo - de cultura, de identidade e de sentidos próprios. Darcy Ribeiro em seu fabuloso livro O Povo Brasileiro, que deveria ser de leitura obrigatória em toda escola do nosso país, sabendo dessa complexidade, dividiu a obra em "brasis": "o Brasil Caipira", "o Brasil Crioulo", "o Brasil Caboclo" etc. Claro, deve ser levando em conta que o livro analisa, também, a gestação histórica do Brasil e o processo de formação sociocultural da terra brasileira antes de se deter nessas especificidades.

Mas, o nosso país é identitariamente variado. Sua história é trágica. Dolorosa. De opressão. Exploração. Espertezas prevaleceram. Em suma: seu processo de formação se deu por meio de reveses. Quando escuto determinadas afirmações que são resultado de nossa "síndrome de vira-latas" (a capacidade que temos de não nos levarmos a sério), entendo o quanto fomos vitimados pela violência colonizadora de Portugal. Quando viajo pelo Brasil vejo o quanto o país é lindo e negligenciado, entendo o quanto precisamos mudar nossa consciência sobre nós mesmos. Um exemplo disso foi a viagem que fiz no início do mês passado à Santa Catarina. Lá tive a oportunidade de visitar a cidade de Pomerode, de matriz alemã. As casas, a culinária, as vestimentas, a cor dos olhos, dos cabelos, as marcas linguísticas são bem singulares. Uma semana depois, após ter voltado de Santa Catarina, fui ao interior do Goiás e ouvi uma pergunta feita a mim por um adolescente.

Eu estava sobre a mesa assistindo a documentário na casa da avó da minha esposa em meu computador. O rapaz, que é morador de uma sítio próximo à cidade de Pontalina, perguntou-me: "Seu Windows é 8?". Eu disse: "Não! É 7" Mas a pergunta do jovem saiu com uma musicalidade muita peculiar, muito própria. O "r" retroflexo criou uma canção agradável. Naquela fala estava a ontologia da minha terra. Aquilo era um pedaço da história, aquilo era um pedaço do meu país. Ou seja, uma semana antes eu ouvira a fala marcadamente singular dos sulistas. E uma semana depois eu ouvi um jovem goiano falando "um português" completamente diferente daquele que eu ouvira. Dei uma boa gargalhada interna. Não de mofa do rapaz. A risada estava cheia de felicidade. Pensei comigo: "Esse é o meu país!"

Essas variações ocorrerão, por exemplo, se eu for para o Nordeste ou para a região Norte; ou para o interior de Minas Gerais ou do Mato Grosso. Muitos bons escritores brasileiros entenderam isso. Guimarães Rosa com sua prosa de marca essencialmente popular, universalizou determinado sentido de nossa cultura. A ideia de que "o sertão está em toda parte, o sertão está dentro da gente". Na semana que se passou estive em Pirenopólis, município goiano situado a 150 quilômetros de Brasília, e fiquei impressionado com a cidade. Fiquei refletindo como somos tão propensos a cultuarmos tudo aquilo que diga respeito ao que é dos outros - novamente a síndrome de vira-latas. Nós brasileiros não aprendemos a valorizar o nosso país. Não damos importância às nossas belezas naturais; à nossa música que é riquíssima; à nossa literatura popular; à nossa religiosidade, marca tão característica de nossa identidade; à nossa história que é tão marcante. Quando vamos fazer comparações sempre as fazemos com os países desenvolvidos do Norte. Todavia, esses países tiveram processos de formação completamente diferentes. Em sua maioria, foram países que colonizaram outros países e extraíram a riqueza de outras nações, sejam elas latino-americanas, africanas ou asiáticas. O imperialismo opressivo europeu e americano criou o atual sistema de coisas. Essas comparações estão fundadas em falácias, posto que nossa história é outra. Nunca dominamos ou oprimimos nenhuma outra nação como se deu historicamente com os países europeus ou com os Estados Unidos. Em nossas escolas a história sempre contada na perspectiva do dominador.Nunca chamaram os índios, por exemplo, para contar a sua história.

Um exemplo disso é a cultura nordestina e aquilo que nos acostumamos a chamar de cultura sertaneja. Quando falamos em Nordeste, já existe em nossa mente uma percepção da miséria e do atraso. O homem nordestino é resultado de uma complexa miscelânea cultural. Vive em um dos espaços mais hostis do território brasileiro. O tom agreste da paisagem, as dificuldades naturais, ligada a um forte instilamento sincretista moldaram o homem nordestino. É possível encontrar no Nordeste elementos medievais em meio da cultura popular. O cordel é um desses casos; a visão religiosa e que se amalgama com as mais variadas crenças, produziu um sujeito amedrontado. O medo é forjado em sociedades nas quais existe um imaginário carregado do senso da morte. Jean Delumeau em "História do Medo no Ocidente", vai dizer que a insegurança acerca da vida leva ao medo. Ou seja, o medo é resultado de uma ambiguidade. Enquanto os homens acham que são fortes, o medo torna-se um elemento desconhecido. O contrário não é possível. É, por isso, que em momentos de guerra ou de grandes catástrofes, o medo se torna palpável em sua ação.

Assim, o que existe em mim é um desejo enorme de conhecer o Brasil em sua inteireza. De ouvir os sons da nossa fauna e as belezas coloridas da nossa flora; a voz que emana dos subúrbios e dos interiores. A cultura produzida pelo homem simples. As construções importantes que resgatam a nossa história. As palavras que surgiram de situações particulares e que revelam em seu sentido mais primitivo o processo de dominação a que fomos submetidos. Amo as paisagens do Brasil. Gosto de viajar de ônibus para poder observar nossas florestas, nossas campinas; nossos rios, nossas chapadas; as flores das nossas matas. O "jeito" alegre e festeiro do povo brasileiro. 

Afinal tudo aquilo que gosto está no trecho daquela música "Estrada de Canindé", de Luiz Gonzaga, que pode ser lida abaixo: 

(...) "Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié
Quem é rico anda em burrico
Quem é pobre anda a pé
Mas o pobre vê nas estrada
O orvaio beijando as flô
Vê de perto o galo campina
Que quando canta muda de cor
Vai moiando os pés no riacho
Que água fresca, nosso Senhor
Vai oiando coisa a grané
Coisas qui, pra mode vê
O cristão tem que andá a pé""

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