Um desgosto melancólico se apoderou de meu interior. O dia inoculou em mim o veneno do desengano. Ouvi sentenças agravosas. O capitalista é um ente sem escrúpulos. Seja ele cristão, mulçumano ou budista, quando o que está em questão é o lucro, o potencial da mais-valia transforma-lhe o semblante. O valor de um proletário está na sua força de trabalho. A única coisa que possui é esta capacidade para a ação. Seja ela braçal ou intelectual. O capitalista não se preocupa com a dignidade, com a sua saúde ou com a vida do trabalhador, mas o quanto o infeliz lhe pode produzir de riquezas.
O trabalhador não tem importância. Ele é uma mercadoria substituível. O mercado potencializa a especulação, daí a incerteza do trabalhador pelo dia de amanhã. Amanhã será outro dia que trará outros eventos, e com ele, novos humores. Pelas sucessivas crises que o capitalismo atravessa, o mercado pode se resfriar e isso pode transformar conseqüentemente a situação do assalariado. Assim existe um sentido paradoxal. O trabalho exercido pelo trabalhador é importante. Por sua vez, o trabalhador, não.
Para o capitalista “o trabalho morto, isto é, o trabalho já realizado e cristalizado no produto, nas máquinas etc., [é mais importante] do que o trabalho vivo, a pessoa do trabalhador”. Este absoluto é trágico, pois transforma os homens em produtos, objetos, coisas.
Vinha no trem, hora do rush. O réptil de lata se arrastava em cima de trilhos, apinhado desses indigentes, alienados. O semblante cansado, as fisionomias rotas. Entabulados numa furna. Eram animais confinados num espaço limitado. Jazigo de povoamento disputado palmo a palmo. Apinhavam-se à semelhança de bichos num curral. Trata-se de um rebanho marcado, crivado, tatuado pelos sinais do tempo. Criaturas emergentes a alimentar o americam way of life.
Enxerguei no rosto de cada um deles um orgulho individualista. Moços de gravatas. Trabalham nos agentes financeiros (bancos) deste país ou num escritório. Recebem um emolumento ordinário. Os bancos lucram anualmente cifras bilionárias. Pagam um salário magro ao infeliz que se sente um superstar. Moças vestidas com esmero. Ocupam cargos que há 50 anos o mundo machista ocidental não permitia. E eu como eles, alienado. O eco da infâmia a reverberar na minha interioridade. Ouvira e sentira indignidades. A sensação de estupidez na face. Talvez em meio ao surto de consciência eu me assemelhe ao Operário em Construção de Vinicius de Morais. Ao homem que um dia descobriu quem era. A visão que teve de si mesmo foi a de uma engrenagem que alimenta o sistema. Uma peça, um joguete, mero objeto inqualificado, mas que com a sua força alimentava o mundo.
Refleti que a melhor forma de desmobilizar os homens, de frear os ajuntamentos ou inibir qualquer iniciativa coletiva é promover o individualismo em detrimento da ação solidária. Deve ser por isso que a luta por movimentos sociais está tão fragilizada. Talvez seja por isso que os homens já não gritem. Não saiam às ruas lutando por melhorias. Deve ser por isso que as greves viraram seções esquecidas em livros didáticos. O indivíduo (aqui chamo “indíviduo” e não proletário apenas para reforçar a tese do individualismo) por trás da repartição não tirará a sua gravata de seda comprada com cartão de crédito numa loja de repartição para sair à rua, empunhando uma bandeira por uma causa. Afinal, o sistema diz que os que assim procedem são desocupados. O senso comum vulgariza as causas políticas e apregoa: “política é lixo. É sujeira”. Mas recordo aqui de Bertolt Brecht que no auge de sua serenidade proferiu: “Sabe mal o infeliz( o analfabeto político) que o preço do pão, do óleo, do café advém justamente de causas políticas”. Se o sujeito político não está interessado em política, o político está interessado no ser alheio à política. Porque o político sabe que a indiferença do cidadão para com a política alimenta a possibilidade de ação desenfreada, sem regras.
Althusser tinha razão quando afirmou de forma contundente que os aparelhos ideológicos se disseminam a fim de amarrar os indivíduos a uma teia forte onde o modo de produção se reproduz de forma eficaz. A ideologia se materializa por meio de múltiplos canais, que reforçam a tese do grupo dominante. O sistema se espraia por todos os lados. A mídia imprime os conceitos, o direito instila os conceitos, a igreja apregoa os conceitos, o Estado coordena a assessora os conceitos por está a serviço de uma minoria. A tese do marxista francês serve para avaliar com total e plena visibilidade as estruturas de dominação. Para Althusser ‘a ideologia é a relação imaginária que os homens mantém com as suas condições reais de existência, conservando os indivíduos prisioneiros de uma ilusão vital. Contribui também decisivamente para a reprodução da sua força de trabalho e das relações de produção que lhes são próprias’.
O trabalhador nunca foi tão crivado de exigências. O seu depauperamento se configura dia a dia. A sua situação se agrava. Penso que possa retroceder até aos dias da Primeira Revolução Industrial, quando se trabalhava de 14 a 18 horas por dia sem direitos trabalhistas. Um estado de embrutecimento e selvageria se apodera das mentalidades. Um desejo no meu peito de gritar para o mundo inteiro. Marx verbalizou no Manifesto do Partido Comunista de 1848: “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. E eu: “Homens de todo mundo, acordai do sono letárgico que vos envolve. Temei por vossas almas. A barbárie se aproxima de vós com um desejo voraz”.
Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
O trabalhador não tem importância. Ele é uma mercadoria substituível. O mercado potencializa a especulação, daí a incerteza do trabalhador pelo dia de amanhã. Amanhã será outro dia que trará outros eventos, e com ele, novos humores. Pelas sucessivas crises que o capitalismo atravessa, o mercado pode se resfriar e isso pode transformar conseqüentemente a situação do assalariado. Assim existe um sentido paradoxal. O trabalho exercido pelo trabalhador é importante. Por sua vez, o trabalhador, não.
Para o capitalista “o trabalho morto, isto é, o trabalho já realizado e cristalizado no produto, nas máquinas etc., [é mais importante] do que o trabalho vivo, a pessoa do trabalhador”. Este absoluto é trágico, pois transforma os homens em produtos, objetos, coisas.
Vinha no trem, hora do rush. O réptil de lata se arrastava em cima de trilhos, apinhado desses indigentes, alienados. O semblante cansado, as fisionomias rotas. Entabulados numa furna. Eram animais confinados num espaço limitado. Jazigo de povoamento disputado palmo a palmo. Apinhavam-se à semelhança de bichos num curral. Trata-se de um rebanho marcado, crivado, tatuado pelos sinais do tempo. Criaturas emergentes a alimentar o americam way of life.
Enxerguei no rosto de cada um deles um orgulho individualista. Moços de gravatas. Trabalham nos agentes financeiros (bancos) deste país ou num escritório. Recebem um emolumento ordinário. Os bancos lucram anualmente cifras bilionárias. Pagam um salário magro ao infeliz que se sente um superstar. Moças vestidas com esmero. Ocupam cargos que há 50 anos o mundo machista ocidental não permitia. E eu como eles, alienado. O eco da infâmia a reverberar na minha interioridade. Ouvira e sentira indignidades. A sensação de estupidez na face. Talvez em meio ao surto de consciência eu me assemelhe ao Operário em Construção de Vinicius de Morais. Ao homem que um dia descobriu quem era. A visão que teve de si mesmo foi a de uma engrenagem que alimenta o sistema. Uma peça, um joguete, mero objeto inqualificado, mas que com a sua força alimentava o mundo.
Refleti que a melhor forma de desmobilizar os homens, de frear os ajuntamentos ou inibir qualquer iniciativa coletiva é promover o individualismo em detrimento da ação solidária. Deve ser por isso que a luta por movimentos sociais está tão fragilizada. Talvez seja por isso que os homens já não gritem. Não saiam às ruas lutando por melhorias. Deve ser por isso que as greves viraram seções esquecidas em livros didáticos. O indivíduo (aqui chamo “indíviduo” e não proletário apenas para reforçar a tese do individualismo) por trás da repartição não tirará a sua gravata de seda comprada com cartão de crédito numa loja de repartição para sair à rua, empunhando uma bandeira por uma causa. Afinal, o sistema diz que os que assim procedem são desocupados. O senso comum vulgariza as causas políticas e apregoa: “política é lixo. É sujeira”. Mas recordo aqui de Bertolt Brecht que no auge de sua serenidade proferiu: “Sabe mal o infeliz( o analfabeto político) que o preço do pão, do óleo, do café advém justamente de causas políticas”. Se o sujeito político não está interessado em política, o político está interessado no ser alheio à política. Porque o político sabe que a indiferença do cidadão para com a política alimenta a possibilidade de ação desenfreada, sem regras.
Althusser tinha razão quando afirmou de forma contundente que os aparelhos ideológicos se disseminam a fim de amarrar os indivíduos a uma teia forte onde o modo de produção se reproduz de forma eficaz. A ideologia se materializa por meio de múltiplos canais, que reforçam a tese do grupo dominante. O sistema se espraia por todos os lados. A mídia imprime os conceitos, o direito instila os conceitos, a igreja apregoa os conceitos, o Estado coordena a assessora os conceitos por está a serviço de uma minoria. A tese do marxista francês serve para avaliar com total e plena visibilidade as estruturas de dominação. Para Althusser ‘a ideologia é a relação imaginária que os homens mantém com as suas condições reais de existência, conservando os indivíduos prisioneiros de uma ilusão vital. Contribui também decisivamente para a reprodução da sua força de trabalho e das relações de produção que lhes são próprias’.
O trabalhador nunca foi tão crivado de exigências. O seu depauperamento se configura dia a dia. A sua situação se agrava. Penso que possa retroceder até aos dias da Primeira Revolução Industrial, quando se trabalhava de 14 a 18 horas por dia sem direitos trabalhistas. Um estado de embrutecimento e selvageria se apodera das mentalidades. Um desejo no meu peito de gritar para o mundo inteiro. Marx verbalizou no Manifesto do Partido Comunista de 1848: “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. E eu: “Homens de todo mundo, acordai do sono letárgico que vos envolve. Temei por vossas almas. A barbárie se aproxima de vós com um desejo voraz”.
Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
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