
Gosto de ler os comentários dos fóruns em vários sites. E fico impressionado com o niilismo político que tomou conta do Brasil. As opiniões geralmente tendem para o obscurantismo fascista. Após entrar em contato com as opiniões de jovens atomizados, escondidos na fria indiferença da rede, tento associar esse fato ao prezado momento eleitoral; e não deixo de pensar na candidata do PSB, Marina Silva. Tentar entender o fenômeno Marina Silva é um exercício complexo. Até o início do mês passado, ela era uma coadjuvante no processo eleitoral. Estava à sombra de Eduardo Campos, ex-governador do estado de Pernambuco, e que estava estacionado em crônicos 8% nas intenções de votos. A sua morte prematura e trágica permitiu a configuração de um cenário curioso. Aquela que era apenas um nome periférico, uma sombra inexpressiva, ganhou vulto e subiu de forma inexplicável nas intenções de voto. Parece tirar o tucano Aécio Neves do segundo turno e ameaça Dilma Rousseff, candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), que busca a reeleição. Mas surgem algumas perguntas: como explicar o fenômeno Marina? Quem é ela e o que representa? Quem são os seus eleitores?
Não é fácil achar uma resposta para essas perguntas. É possível indicar algumas pistas, que estão relacionadas a fatos políticos bem recentes da história social do nosso país e do mundo:
(1) Segundo os institutos de pesquisa, a maior parte dos eleitores de Marina Silva são jovens desiludidos com a política. É gente que tem entre vinte e menos de quarenta anos. Que foi adolescente nos anos noventa e possui uma memória seletiva para os fatos; que não viveu e não percebeu posteriormente os dramas do neoliberalismo, introduzidos pelo Governo Collor e, mais tarde, levado a paroxismos com FHC e o desmonte do estado; que desconhecem completamente o drama histórico vivenciado pela estagnação econômica, vivida nos anos 80 e início dos anos 90.
(2) É uma gente que possui um processo mental altamente pragmático e utilitarista. É o pensamento que entende que se algo não funciona, deve ser trocado, mesmo que as consequências sejam danosas para o processo. Não se questiona as implicações da troca. Não se entende a conjuntura. Não se quer saber a qualidade e a essência dos elementos trocados. Apenas se troca. Assim, como se dar com uma roupa com problema que se compra numa loja de departamento; ou ainda um celular que não funciona muito bem.
(3) Um público que passa a maior parte do tempo experimentando os efeitos da virtualidade; que se especializou em colóquios monossilábicos nas redes sociais; que não consegue se desconectar do mundo dos simulacros e prestar atenção na realidade com suas implicações. E que confunde os efeitos das imagens virtuais com aquilo que acontece no mundo material. Entre o virtual com sua capacidade enfeitiçante e o mundo material com sua "feiura", prefere-se o primeiro ao segundo.
(4) Trata-se de um contingente que se diz cansado com a política. É como se a política não tivesse nada de bom; como se a vida política e os políticos encerrassem em si aspectos de uma densidade negativa de profunda contundência. Para quê se envolver com aquilo que não presta? Some-se a isso, o fato de que a vida social está assentada no individualismo. O homem do nosso tempo é treinado para viver preocupado apenas consigo mesmo. A única instituição capaz de frear esse instinto individualista e gerar coesão é a família. Fora do eixo familiar e jogado no seio das grandes cidades, o homem burguês do nosso tempo, entende que ele é único e deve sobreviver em meio a essa selva. Agora, potencialize esse pensamento em todos os seres das cidades e teremos uma rede de caos. O sentido de coletividade é completamente perdido.
(5) O homem burguês é um consumidor voraz de imagens e informações. Ele é bombardeado pelo rádio, pelos jornais e revistas, pelo cinema, pela televisão, pelos livros, pelos outdoors, que vendem de macarrão a corpos de mulheres; pela rede mundial de computadores, pelos celulares. A babel de informações que se mostra pelos mais variados canais não chega sistematizada, organizada. Ela chega de forma caótica, revoluteante; de forma confusa e vertiginosa. Os sujeitos não conseguem distinguir as informações de maior credibilidade, daquelas que possuem intenções subjacentes atreladas à propaganda mercenária. E aí surge um problema de intenção de discurso: quem exerce o poder de fazer a inevitável seleção das informações que serão direcionadas ao homem comum? Como construir uma compatibilidade com um programa democrático de sociedade e o exercício desse poder de escolha, quando poucas empresas possuem o poder de influenciar a opinião pública? Inevitalmente, esse sujeito acaba se acostumando com "o dito". As imagens trabalhadas acabam legitimando um determinado enquadramento da realidade. Já não há o que se questionar, pois as notícias descrevem aquilo que acontece com o mundo real. Não há tempo para perscrutar as intenções secundárias. A imagem diz tudo em sua força propositiva.
(6) O sujeito do nosso tempo possui uma completa desconexão com o conceito de história. O capitalismo no século XX, deu à luz a um tentáculo - o neoliberalismo. E o neoliberalismo potencializa o privado em detrimento do público, do coletivo. Ora, segundo Leandro Konder: "A história é a ação do homem no tempo, é o que eles fazem, é o desdobramento da práxis, isto é, da aitvidade pela qual os seres humanos se realizam". É mais ou menos a seguinte relação: o Planeta Terra viaja pelo universo a mil e seiscentos quilômetros por segundo e, ao mesmo tempo, gira em torno do sol. Isso acontece a bilhões de anos. Todavia, nós que estamos na Terra não sentimos esse movimento. Percebemos os efeitos dele pela sucessão dia-noite, noite-dia. Da mesma forma, o homem burguês perdeu completamente a noção de história. Ele percebe que os anos passam, apenas isso; assim como percebe o dia e a noite. Essa distorção do conceito de história impede que os homens olhem para trás para entender o que já fizeram e de onde vieram; o presente como sucessão dialética do passado; e o futuro como possibilidade do trabalho e da práxis transformadora. O capitalismo "desumanizou" a história, pois extraiu a noção de relação coletiva. Ele consagra apenas a privatização dessa relação. Não me vejo como parte de uma comunidade que luta por melhorias; que possui ideais; que luta por transformação e que se alinha em torno de causas comuns. Assim, a história passa a ser vista como ilusão, como algo pela qual não se deve lutar, pois trata-se de batalha inexoravelmente sem sentido; ou se cria a noção de que tudo caminha para um destino em que a realidade pode se autorregular a um estágio de progresso consequente.
Acredito que esse conjunto de cinco elementos se unam para formar aquilo que vimos o ano passado nas manifestações de junho. Naquela ocasião, jovens das mais variadas origens saíram às ruas para protestar. Organizaram-se pelas redes sociais. As armas não eram ideias, uma pauta clara com reivindicações precisas, mas celulares. O barulho aconteceu, mas logo arrefeceu, pois as marchas não devem parar de "caminhar". O movimento se dizia contrário à política, sem perceber que estava fazendo um tipo de política niilista, sem substrato, um caudal de orientações desencontradas que não levariam a resultados precisos. Outro fato que fortaleceu a possibilidade das manifestações foi a incapacidade do Partido dos Trabalhadores (PT) de dialogar com a sociedade de forma clara. As alianças do PT acabaram por acorrentá-lo no campo da indiferença. Não houve um debate político preciso. Os erros do governo, somado à forma como a mídia deu visibilidade a isso, fez aumentar a "a patologia da representação". Quando penso nas manifestações de junho, surge uma surpresa inevitável, mas que se pode visualizar ali a explosão ou o sintoma de um modelo de civilização que chegou ao seu colapso. Ou seja, o capital não gera a humanização da história; não promove um espírito altruísta em favor do próprio homem. Entrementes, mata por asfixia aquilo que de mais necessário o homem criou. Assim, entendo que aquelas jornadas de junho, representam "o suspirar", o reclamo contra algo. Mas o que seria esse algo? O resultado de um estilo de vida fincado numa melancolização do conceito de história e um enfeiamento das estruturas políticas por parte da mídia que desenha, por meio de seu monopólio, a desnecessidade dos movimentos sociais - sindicatos, agremiações dos trabalhadores e os movimentos mais variados da sociedade; e a inabilidade do governo petista de dialogar com os jovens e os mais variados setores da sociedade. O governo abriu as portas para que se comprasse celulares e badulaques variados, mas não se preocupou politizar e construir cidadania. O governo gerou consumidores e não sujeitos políticos.
Ora, some todos esse fatores e você terá um eleitor da Marina. O que mais atrai os eleitores da Marina é o discurso da candidata. Poucos têm consciência ou conhecimento de sua política econômica. Quais são os pactos que ela está estabelecendo para governar. A agenda neoliberal com a qual ela se municiou. A conveniência dos abraços. A casca das convenções. As alianças com os dragões do capitalismos. A negação de um projeto para o povo, pois a única coisa que ela quer é governar para os banqueiros, o deus mercado e o capital especulativo. O que a torna um fenômeno é justamente o fato de que ela fala que representa "um novo modo de fazer política". Se os seus supostos eleitores descobrissem como ela faz política, com certeza se desiludiriam. Marina é uma voz contraditória soprando no deserto do niilismo político. Sua oratória "da boa vontade" é insuficiente para trazer as modificações que o país precisa. Política não se faz apenas com retórica. Em um país complexo e que sempre esteve nas mãos das elites, Marina desconsiderou a sua história (porque talvez a veja como algo superado, de um tempo distante e que não diz mais respeito a ela), para se estabelecer vínculos com as elites desse país, que negam justamente o povo e suas necessidades.