terça-feira, agosto 19, 2008

Notas avulsas.

Uma vaidade besta se apoderou de mim esta manhã.
Julguei-me sabido.
Adquiri uma consciência bem maior do que a dos outros dias?
Os outros dias já passaram.
O presente é grande porque já não temos o passado,
Que é apenas fato morto, diluído na memória.
À medida que os dias passam os fatos amarelecem.
Adquirem um poder morredouro.
Entram num definhamento.
Penso satisfeito nessa ilação.
É um artifício besta, com certeza.
Não havia claras disposições para isso.
Li alguns fragmentos de Vidas Secas, mais precisamente
O capítulo denominado “Baleia”.
Incrível o que Graciliano faz com o animal coberto
De escaras sanguinolentas.
Animal sabido.
Habitado por sentimentos cristãos.
Um animal obediente que encerrava em si sentimentos
Humanos, maiores do que os dos humanos propriamente
Ditos – Fabiano, Sinhá Vitória e os meninos.
Assustei-me com tamanha habilidade para narrar os
Sentimentos de um cachorro.
A sensibilidade áspera de Graciliano inseriu em meu interior
Uma matéria fofa, que avaliei como sendo de humanitarismo.
Tratava-se de uma vontade represada.
Não consegui divisá-la.
Todavia, sabia que ela estava aqui comigo.
Um esmorecimento tão grande quanto o de Baleia
Se apoderou de mim.
Sentimentos tão grandes quanto os de Baleia.
Teria eu me animalizado?
Ou pensando como Baleia eu seria realmente humano?Confundo-me nesta irresolução imprecisa que põe
Grandes e famigerados sentimentos em minha órbita interior.
O cheiro dos objetos abandonados estão distantes
De minha percepção mais elementar.
Ausento-me da paisagem distante da memória.
Enxergo coisas grandes.
Os preás dos meus desejos são corpos sem matéria.
Sinto vontade de morder os homens.
Não posso.
Fui ensinado a sentir como eles.
Mais que isso: a natureza me muniu de um aparato semelhante
Aos deles.
Minhas mãos estão abandonadas, imóveis.
O corpo magro esparrama-se no sofá e se torna
Um sinal de interrogação.
Muitas perguntas habitam o meu crânio nessas horas em que a
Pedaços de pensamentos esparsos se desprendem e voam
Imprecisos como nuvens agitadas pelo vento.
Penso na paisagem agreste do sertão.
Aquilo que Graciliano botou no papel era mais que uma
Caracterização geográfica.
Tratava-se com certeza de uma representação interior
Da alma dos homens.
O mundo era o mesmo tanto dentro quanto fora dos homens.
Paisagem geográfica e paisagem interior se confundiam
Na empresa literária do sr. Ramos.
Baleia possuía, apesar do esqueleto e do corpo canino,
Uma das paisagens humanas mais belas que já foram
Postas no papel da literatura.
Comovido penso que todos os homens deveriam se nutrir
Como Baleia de uma sensibilidade de tão grande beleza.
A vida se encheria de amizades.
Haveriam gestos de fidelidade escancarada.
De certezas firmes e brandas.
Tal faculdade também me é leviana.
Insisto nesta disposição.
A consciência sussurra outras vozes.
Alimento outras disposições
E me abandono num átimo de imperturbabilidade.
Escuto rumores estranhos.
Pareço ouvir meu coração.
Meus pensamentos cintilam num ocaso irresoluto.
A claridade do dia será substituída por cores surreais.
Um réquiem diferente se faz num momento de aura mística.
Toda a paisagem amarela, torna-se alaranjada, quase vermelha.
O dia briga com a noite neste ponto distante da existência.
Os raios vermelhos são os fios molestos da decadência.
Encosto a cabeça fatigada no vão do sofá.
Todo o meu interior é uma exclamação desencontrada.
Meu corpo quente denuncia a vida.
O sangue comburente corre como um rio de magmas substanciais.
Desejo dormir.
Acordar também num mundo cheio de realidades grandes.
De verdades com mãos enormes.
Onde a esperança não resseque.
Onde os sonhos se tornassem gordos, enormes.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: sexta-feira, 30 de maio de 2008, 09:36:32.

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