terça-feira, julho 21, 2015

Registro Crônico IV

No quintal da casa de Pablo Neruda
Valparaíso, en cambio, abre sus puertas al infinito mar, a los gritos de las calles, a los ojos de los ninõs. 
Pablo Neruda

Um dos momentos mais especiais da viagem que realizei ao Chile foi a chance de visitar duas importantes cidades - Viña del Mar, a cidade jardim, e a velha e mítica Valparaíso, lugar que como diz Neruda na ode que escreveu para a cidade é um "puerto loco/ qué cabeza/ con cerros/ desgreñada". Viña del Mar é a moça jovem, formosa, povoada por prédios modernos e recantos para os ricos; lugar de flores, de praias convidativas durante o verão. Valparaíso, por sua vez, é uma senhora "louca", com suas encostas vestidas por casas; suas ladeiras íngremes escondem segredos e proporcionam uma visão indelével para "o infinito mar". 

A visita foi bastante prazerosa - e repleta de ensinamentos. A começar pelo divertido e competente guia: um senhor chileno que havia lido praticamente toda a obra em prosa de Machado de Assis; conhecia as literaturas inglesa, estadunidense e francesa; que conhecia o cinema produzido nas décadas de 30, 40 e 50 e citava com uma desenvoltura impressionável os nomes dos principais atores e atrizes que brilharam àquela época. Havia viajado por boa parte dos países da América do Sul e vivera quatro anos no Rio de Janeiro. Sabia falar francês e inglês, além de arranhar o português. Conversamos bastante. Seu nome era Alejandro. 

Conseguia narrar a história dos prédios públicos, dos espaços importantes e simbólicos, ligando-os à história social, militar e política do Chile. Acredito que o passeio tenha se tornado, em parte, repleto de encantos por sua presença. 

O Pacífico em Viña del Mar
Em Viña del Mar visitamos o famoso relógio de flores, que fica a poucos minutos da entrada da cidade. Fomos ao cassino, à praia e foi de lá que avistei o imenso Pacífico. Suas águas geladas a esconder mistérios. Os pássaros a voarem, os pelicanos com seus papos enfunados a delimitarem as superfícies pedregosas. Fiquei olhando a imensidão de um verde que oscilava para o escuro. Sua água gelada, influenciada pelas correntes glaciais vindas do extremo Sul do Planeta. 

Como afirmei acima, Viña del Mar é uma moça de corpo jovem a exalar as fragrâncias de mocidade moderna. Já Valparaíso, a cidade ao lado, é mais velha. Ao se chegar a Valparaíso é possível enxergar de longe as casas humildes e como dizia Neruda: "Valparaíso... en los cerros se derrama la pobretería como una escada". Sim! Debaixo é possível enxergar construções mais suburbanas. Valparaíso é uma cidade que foi se empoleirando pelas encostas para enxergar a distância do imenso mar. 

Ela é a porta de entrada para a vida econômica do Chile. Seu porto possui uma importância fundamental para o país. No passado, foi um dos locais por onde mais passavam riquezas no hemisfério sul. Os navios que vinham do Oriente ou do oeste americano, tinham que passar por lá para chegar ao Atlântico, passando pelo Estreito de Magalhães. É possível que o biólogo inglês Charles Darwin tenha passado por lá. Com a construção do Canal do Panamá, na primeira metade do século XX, sua importância foi empalidecendo. Todavia, ainda é o local por onde entram as mercadorias que abastecem todo Chile. Além desse aspecto econômico, Valparaíso é uma das primeiras cidades a serem fundadas no Chile. Estima-se que ela tenha surgido na década de 50 do século XVI. Suas lojas podem ser notadas próximas aos prédios antigos. Outra curiosidade sobre a cidade é o fato de o Legislativo do Chile funcionar lá, desde a Ditadura de Pinochet. O sádico ditador buscou descentralizar o poder, construindo a sede da casa que faz as leis no litoral do país. Por ser uma cidade muito importante para o país, a presença de militares é bastante satisfatória. É comum encontrar estátuas de militares pelas praças.
O porto de Valparaíso e suas casas esparramadas pelos cerros

Em Valparaíso tive a oportunidade de visitar uma das casas de Pablo Neruda. O poeta tinha cinco casas no território chileno. Quatro foram transformadas em museus e uma foi doada ao Partido Comunista do Chile. Fica em um local privilegiado. A casa tem uma vista privilegiada para o mar, para o porto e o restante da cidade que se derrama pelos cerros. Sobre isso, vou escrever depois.

Enquanto voltava para Santiago, que está situada a pouco mais de cento e dez quilômetros de Valparaíso, atravessava os vales frios e pedregosos e tinha a minha visão mesclada pela névoa que escondia a cabeça gelada da Cordilheira e  avistava as vinícolas, pensava nos elementos míticos que tornam Valparaíso uma cidade repleta de encantos e mistérios. Pensei como é importante conhecer e refletir sobre o feitiço que as novidades que se abrem para cada um nós no mundo. E aí pensei em Neruda e o tecido fino e transparente de sua poesia. E entendi aquilo que ele afirma sobre Valparaíso, dizendo que ela tem 'uma estrela' e que essa estrela 'possui um pulso magnético que nos atrai'. 

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