sábado, junho 11, 2022

Algumas palavras sobre "O encontro marcado", de Fernando Sabino

 
“De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro."  
                                                                                   Fernando Sabino, em "O encontro marcado".

Durante certo tempo, eu alimentei o desejo de realizar a leitura de “O encontro Marcado”, considerada a obra máxima do escritor mineiro Fernando Sabino. Cheguei, certa vez, a iniciá-la. Abandonei-a em seguida. Nascido em 1923, Sabino faz parte de uma geração de intelectuais e escritores brilhantes de Belo Horizonte. Junto com Hélio Pellegrino, Otto Lara Rezende e Paulo Mendes Campos – os quatro ficaram conhecidos extravagantemente como ‘os quatro cavaleiros do apocalipse’ - foram responsáveis por representar os anseios, o vigor, o dinamismo intelectual e a inquietação de espírito de uma geração.

Bem articulado e habilidoso socializador, Sabino desfechou amizades com os principais nomes da literatura brasileira de sua geração. Além do famoso círculo belo-horizontino, ao mudar para o Rio de Janeiro, passou a ter um séquito de respeitáveis relações. É o caso de Vinícius de Morais, Clarice Lispector, Marques Rêbelo entre outros importantes nomes. Além dessas amizades, ainda estabeleceu contatos com outros nomes como o do pernambucano Manuel Bandeira e do paulista Mário de Andrade.

Sabino desde cedo se mostrou detentor de uma capacidade incomum de manipular a palavra – fosse escrevendo ou falando. Quando assistimos a alguma das suas entrevistas (disponíveis no Youtube), fica mais que evidente a fluência fácil das palavras. Seus textos escritos também são marcados por esse estilo incomum. Sabino não era um escritor difícil. Já embebido do mais puro modernismo, seu texto possui o ritmo do jornalismo. Talvez, essa característica seja oriunda da sua carreira anterior à de escritor. Cronista por excelência, antes de ser romancista já possuía dois livros escritos: um de conto e outro de crônicas. O mineiro somente estreou como romancista quando já se encontrava com mais de trinta anos. E foi justamente com “O Encontro Marcado” que isso aconteceu.

Antes de ler o famoso livro de 1956, eu já havia lido outros três livros escritos pelo autor. O primeiro deles foi o divertido “O homem nu”, uma curta novela repleta de nuances cinematográficas. Depois, eu li “O grande mentecapto”, obra que possui uma forte ressonância religiosa. E – para mim – o seu melhor texto: “O menino no espelho”, obra cuja força memorialística nos coloca diante de um problema: ficamos sem saber se aquilo que está descrito é ficção ou puro registro autobiográfico.

Confesso que “O encontro marcado” não imprimiu em mim os mesmos sinais das obras citadas acima. Nota-se, inconfundivelmente, na produção romanesca, uma preocupação com a reflexão filosófica e de funda inquietação existencial. Todavia, não deixei de me sentir incomodado com a tentativa de deixar transparecer certa sofisticação esquemática, talvez, num esforço por imitar os existencialistas franceses. Quero estar enganado sobre isso. Talvez, seja a evidência do lado mais universal daquilo que é abordado na obra.

Nota-se, ainda, na figura da personagem principal – Eduardo Marciano – uma espécie de alter ego do escritor mineiro. O romance é aquilo que se pode chamar de “romance de formação”, porquanto procura descrever os eventos da vida da personagem até a fase adulta. Ou seja, romance de formação é aquele que se preocupa em narrar os eventos que levam ao amadurecimento da personagem principal, seja do ponto de vista biológico, psíquico, emocional, filosófico etc.

No caso em questão, o narrador em terceira pessoa descreve eventos que vão da infância, passando pela adolescência até a fase adulta da vida da personagem. Cada uma dessas fases é marcada por características que, querendo ou não, vão formar aquilo que Eduardo Marciano tornar-se-ia.

Na infância, notamos seu comportamento impulsivo, melindroso; repleto de vontades. Os pais não conseguem dobrar a vontade do garoto. Na adolescência surgem episódios de indisciplina na escola; e com a religião. Na juventude, o namoro repleto de altos e baixos com a filha de um diplomata. A ida para o Rio de Janeiro. O casamento que acabaria em frustração e leva ao adultério por parte dele. Os vícios e a irreprimível boêmia.

Todos esses eventos são construídos com uma prosa ágil, fluídica, dinâmica, como se tivesse a preocupação de contar os fatos como se eles fossem uma representação da passagem do tempo e do acúmulo de experiências e dramas da vida da personagem.




A década de 50 do século XX, apontava uma série de inquietações tanto no Brasil como no mundo. Em 1945, terminara a Segunda Grande Guerra. O mundo havia sido fracionado em duas partes, sendo que um lado ficaria sob influência ideológica dos Estados Unidos (capitalismo) e a outra parte sobre influência da União Soviética (socialismo). Teve início da Guerra Fria, que sempre deixava um receio no ar: a próxima guerra mundial seria nuclear. As duas potências vitoriosas detinham poderosos arsenais nucleares. Como decorrência desse cenário, começou uma aguerrida corrida espacial. Em 1957, a União Soviética enviaria o seu primeiro satélite ao espaço, sendo que, no mesmo ano, a cadela Laika alçaria voo em torno da Terra. Os Estados Unidos, por sua vez, enviariam o seu primeiro artefato espacial no ano de 1958. No Brasil, a década de 50 foi marcada por eventos políticos turbulentos. Primeiro se deu o retorno de Getúlio Vargas ao poder em 1951. Em 1954, houve o seu emblemático suicídio, após uma difamadora campanha contra o seu governo. Em 1955, houve uma tentativa de golpe militar. Em 1956, Juscelino Kubitschek iniciou o seu governo, que buscava modernizar o país e cujo bordão era: “50 anos em 5”.

Era mais que natural que isso gerasse ebulições internas e questionamentos a respeito da própria condição do país e da vida. O livro foi considerado, por conta disso, como “o retrato de uma geração”, porque apontava para os conflitos e o questionamento de certos valores estabelecidos e que pareciam caducar. O mundo estava em mudança. Havia a configuração de uma nova estrutura econômica, com novos atores políticos, o que acabava por gerar consequentes mudanças psíquicas e filosóficas, fazendo-se sentir nos mais jovens.

Além disso, é importante apontar para o fato de “O encontro marcado” problematiza aquilo que é mais caro para os jovens, que é lidar com os próprios desejos diante de cenários incertos. A questão mais séria colocada no livro diz respeito a sobre como amadurecer em um mundo desorientado, caótico, incerto, em rota de mudança.

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