Em 2024, o mundo e o Universo
comemorarão os duzentos anos do nascimento do compositor austríaco Anton
Bruckner. Falar o nome de Bruckner por si só já é um grande acontecimento. A vida
do compositor foi repleta de curiosas ocorrências. Há relatos que o
descrevem como uma pessoa ingênua e insegura; dono de uma personalidade com
aspectos infantilizados. Oriundo do interior da Áustria, Bruckner era o que
convencionamos chamar de caipira, de homem provinciano. Possuía hábitos incomuns.
Alimentava superstições. Quem o observava – e muitos foram os seus detratores –
não conseguia ligar as suas densas reflexões em forma de música, ao homem simples, de aspectos bonachões.
Embora com uma personalidade tão
excêntrica, Bruckner compôs obras que traduzem o infinito. Foi um compositor
eminentemente religioso. Compôs sinfonias, missas, motetos, etc. Suas missas
estão entre as obras mais bonitas para o gênero. O Seu Te Deum impressiona pelo
rigor e pela grandiloquência barroca de sua estrutura. Suas obras possuem um forte aroma espiritual.
Bruckner era um católico devoto. Alguém que levava a sério as exigências
de seu credo. Como era um homem inseguro, precisava ter convicções firmes e
orientadas. O compositor pode ser colocado na tradição de Bach, de Palestrina,
de Victória, de Ockhegem, de Lassus ou de Josquim des Près, no que diz respeito
à forte evocação religiosa de sua obra. Nota-se que Bruckner elevou o conceito
de sinfonia e, por isso, é considerado um dos maiores compositores desse gênero
de todos os tempos.
A sinfonia em Bruckner é uma forma de acessar a eternidade ou de trazer o transcendente à Terra. Ela passa a expressar grandes reflexões como já havia feito Beethoven, ou como, em sua época, fazia Brahms; e, mais tarde, faria Mahler ou Shostakovich, reputados como grandes sinfonistas. A força de suas reflexões suscita os mais elevados sentimentos, as mais ideais reflexões. Alguém afirmou que as sinfonias do compositor são enormes catedrais barrocas. São ricas em detalhes, repletas de minudências; de delicados pormenores que impressionam o observador atento. Nunca se apreende todos os detalhes numa primeira observação. É preciso parar, ouvir mais de uma vez; observar os contrastes; a força simbólica das evocações; as metáforas transcendentes que provocam uma sensação de pequenez diante do imenso, do grandioso. Esse aspecto de suas sinfonias provocou muitas incompreensões no período em que foram escritas. Seus críticos eram implacáveis, pois não entendiam os efeitos estéticos do compositor. Afirmavam que os trabalhos eram longos, cansativos e sem intencionalidade.
Em certo momento da minha vida, já tive dificuldades com a música do compositor austríaco. Todavia, entendo que não estava à altura dos efeitos caudalosos de suas reflexões. Se hoje consigo fruir a beleza de suas composições é por que passei por um processo de evolução. Hoje, eu percebo o quão prodigioso é ter a oportunidade de ouvir uma das suas sinfonias. Para o ouvinte pouco afeito à linguagem do compositor, não é fácil apreender numa só audição os intricados detalhes de suas galáxias em forma de sinfonia. Bruckner só se torna prazeroso a partir do momento que ouvimos outros compositores e, a partir daí, procuramo-lo. O compositor não é admitido na primeira audição para ouvintes iniciantes.
Todavia, quando se descobre a beleza de sua música, é como se todos os mistérios da vida fossem explicados,
simplificados, exatificados; como se todas as feiuras e misérias morais fossem
abolidas; todas as injustiças e ignorâncias fossem justificadas.
Nietzsche disse certa vez que
Bizet o tornava em “um melhor filósofo”. O filósofo alemão mencionava isso
quando escutava a ópera “Carmen” do compositor francês. Eu, seguindo a mesma
lógica, a mesma percepção de Nietzsche, posso afirmar (sem nenhuma pretensão,
claro) que Bruckner me torna um melhor ser humano. O compositor consegue abrir
para mim dimensões intraduzíveis da beleza que abarca a existência como um
todo. Bruckner é capaz de beatificar a vida; de torná-la mais suscetível ao
espírito, à transcendência, ao senso do que é sublime.
Abaixo, um vídeo em espanhol, que fala sobre o aspecto sublime e metafísico da música de Bruckner:
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