sexta-feira, janeiro 10, 2025

 


                “O que ele tinha diante de si eram os campos infinitos da esperança”.

 

“Iaiá Garcia” é o quarto romance escrito por Machado de Assis. Pertence à fase conhecida como romântica. Ao longo desse período, além de “Iaiá Garcia”, Machado havia escrito “Ressurreição”, “A mão e luva” e “Helena”. O escritor conciliava a produção romanesca e a poética.  “Crisálidas” e “Americanas” são dois dos seus livros de poesia desse período. Além disso, o escritor buscava administrar uma vida bastante agitada, de muito trabalho; e enfrentava sensíveis problemas de saúde, que se complicavam por causa dos efeitos colaterais das incipientes medicações do século XIX. No final dos anos 70 daquele século, Machado completaria quarenta anos. Entraria na sua fase madura, ou seja, quando as grandes obras começariam a ser escritas.

Dos quatro romances iniciais do autor, “Iaiá Garcia”, certamente, é aquele em que já se percebe o grande escritor que surgiria a partir de 1881, quando da publicação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. O romance “Iaiá Garcia” foi escrito ao longo do ano de 1877; todavia, só foi publicado no início de 1878, na Revista Cruzeiro para a qual Machado passou a escrever. Ou seja, trata-se de um romance folhetinesco.

Sua recepção foi morna. O livro é bem construído, há boas análises psicológicas; há aquele rigor machadiano. Sua arquitetura é boa. Pode-se dizer que é perfeita. Machado havia dominado a escrita texto romanesco. Já havia ali cintilações do Machado maduro. O triângulo amoroso entre Iaiá, Jorge e Estela possui aquelas reviravoltas típicas do romantismo. Os textos eram publicados em porções – capítulo a capítulo. Tinham uma ampla constelação de leitores, principalmente do sexo feminino. As moças casadoiras ficavam enlevadas com as reviravoltas; com as intrigas oriundas dos conflitos entre as personagens. Os conflitos eram amorosos. Sobressaíam os vícios escondidos nas aparências sociais – ciúmes, ganância, interesse, orgulho etc. 

No Machado da segunda fase – também conhecida como fase realista -, nota-se um aprofundamento da caracterização das personagens. E como diz Daniel Piza, isso “significa maior rede de implicações aos assuntos, tanto sociais e econômicos como morais e filosóficas”.  Três anos pós a publicação de “Iaiá Garcia”, o escritor carioca publicaria o livro que seria o marco divisor da literatura brasileira – “Memórias Póstumas”. O livro tira o autor dos esquematismos e lança no terreno das grandes questões humanas. Machado passa a ser o senhor das sutis ironias. Cada um dos seus textos que saem após o lançamento de “Iaiá”, funcionam como estudos sobre a condição do psicológica e filosófica do ser humano, bem como assume uma postura crítica e sardônica às questões nacionais. Brás Cubas é o retrato da burguesia nacional. 

Machado aos 68 anos de idade

No livro de 1878, observa-se o quanto Machado estava preso aos esquemas edulcorados. Nesse mesmo ano, em Portugal, Eça de Queirós publicou o demolidor O primo Basílio, uma obra cuja contundência fez a burguesia urbana olhar para os próprios pecados, para as próprias feiuras. O realismo ganhava forma. Não seria possível, após três anos repetir a mesma fórmula dos quatro primeiros romances. As várias contribuições em periódicos com contos, crônicas, resenhas e outras publicações, funcionaram como exercício para aquilo que ele seria depois.

“Iaiá Garcia” é um bom livro. Os personagens são previsíveis. Há aquele movimento típico das moças sonhadoras com o casamento, que funciona como mecanismo de ascensão social. Há o indivíduo macho (o herói), que enfrenta vicissitudes e agruras impensáveis até ficar com a moça que se mostra como uma estrela distante e inatingível; e após as voltas que o mundo dá, ela acaba por encontrar aquele que a perseguia. Trata-se de movimento circular que acaba por criar certa indisposição à medida que se vai lendo.

Apesar de ser Machado de Assis, sabe-se aonde aquilo vai chegar. Na fase madura, o escritor passou a conduzir os textos romanescos de outra forma. Quase sempre, a condução leva a caminhos inopinados. O herói não possui mais o esquematismo previsível. O que passa a vigorar é o devir, pois, afinal, a vida é feita de movimentos incertos e contraditórios. Essa é a mais fina ironia; e Machado capturou como ninguém essa máxima do universo.

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