Eça não é original. É possível observar que há forte influência do romance francês. Flaubert dita-lhe o esquema. Zola também é uma outra força que usa para criar os seus personagens. Não poderia ser diferente. Essas forças estéticas estão presentes em boa parte das produções romanescas do final do século XIX. Com Eça não poderia ser diferente. Ele procura ser um crítico, um dissecador dos costumes morais. Procura desnudar os vícios ocultos da burguesia e da pequena burguesia lisboeta. Nesse sentido, pode-se afirmar que ele senta à mesa e olha a paisagem como um observador cientificamente atento. O romance traz um narrador onisciente e em terceira pessoa.
A história possui um esquema. E isso pode ser observado no primeiro capítulo. Ele procura apresentar ao leitor quem são as personagens, os ideais, os vícios e os maneirismos. De alguma forma, a tese se desenha ali. Como em outros escritores realistas, Eça aborda o adultério e com isso procura colocar em destaque o papel da mulher. Flaubert já fizera isso – em 1856 – com Madame Bovary, um dos casos de adultério mais famosos da literatura. Nesse sentido, não há originalidade no romance eciano. Ele transporta para Portugal a estética realista a fim de expor provincianismo lisboeta, bem como suas doces contradições. O realismo propunha-se a isso.
O escritor realista é objetivo. Era sua intenção retratar da maneira mais fiel os vícios de determinada sociedade. Ele pode fazer isso de maneira sutil, realizando insinuações, como bem fez Machado de Assis aqui no Brasil. Dom Casmurro é um exemplo disso. Não há descrições de adultério, mas há a tese do adultério, há a rebaixada condição da mulher. O realismo de Eça segue para outra direção. Ele se apropria de elementos naturalistas para descrever certas passagens do romance. O objetivo dessa estratégia é inserir o leitor em uma atmosfera crua, em que a realidade se mostra da maneira mais eficaz. Com o realismo, escuta-se que, quando se está doente, é necessário que se faça uma cirurgia. Com o naturalismo, o interlocutor é levado ao próprio local da cirurgia a fim de que ela seja explicitamente constatada. Assim, O primo Basílio é um romance realista, mas repleto de passagens de crueza naturalista.
A história aborda a traição de Luísa. Bonita, ingênua, Luísa é o protótipo da personagem romântica. Ela acredita na paixão, nos arroubos, nas promessas feitas pelo indivíduo apaixonado, no caso, seu primo denominado Basílio. Jorge, esposo de Luísa, engenheiro bem-sucedido, viaja a trabalho. Passa largos meses fora de casa. Nesse ínterim, Luísa recebe a visita de seu primo recém-chegado do Brasil, onde enriquecera. Voltava luzidio. É evidente o seu desejo de possuir Luísa com quem já tivera um namorico em tempos passados. O reencontro fê-los reavivar o estampido da paixão. Luísa entrega-se completamente a ele. Trocam cartas apaixonadas.
Algumas dessas cartas são interceptadas por Juliana, uma das personagens que melhor demonstram um aprofundamento psicológico por parte do autor. O narrador procura nesse ponto torná-la uma opositora. Sua posição é de firme contraste, de ódio e ressentimento contra a patroa. Juliana representa os pequenos humilhados. Sua intenção com a perpetrada chantagem contra a patroa é conseguir valores financeiros que pudessem dar a ela uma certa tranquilidade na velhice. Inicia-se um jogo complicado entre as duas personagens.
Basílio, por sua vez, é o dândi vazio, oportunista. Assume o papel do canalha, do embusteiro. Ele responsabiliza Luísa pelo fato de a empregada ter furtado as correspondências. Sua preocupação é em poder usufruir das belezas do corpo de Luísa. Não seguirei com desfecho da relação entre os dois para que não sejam entregues os desfechos da obra.
Há outros personagens relevantes e marcantes que aparecem como fatos sociais. Um deles é conselheiro Acácio. Vale mencionar que conselheiro era um título ofertado pela nobreza portuguesa. Ele recebeu tal encômio pelos serviços prestados ao Estado. Acácio é a representação do banal, do inexpressivo. Veste-se de uma pompa sem conteúdo. Gosta das frases eloquentes, mas de pouco valor. É hipócrita em seu moralismo exemplar. Julião, o estudante de medicina, que procurava um lugar ao sol. É invejoso e interesseiro. Leopoldina é a adúltera assumida e, por isso, recriminada; possui uma má reputação.
Além disso, é importante refletir sobre a condição da mulher no século XIX a partir das lentes do autor português. O romance faz-nos refletir sobre como o casamento funcionava como um excelente negócio para os homens. Observe-se que, na obra, Jorge empreende uma relação extraconjugal, no período em que se encontrava fora de casa, a trabalhar no Alentejo. Todavia, ele passa desapercebido. Não faz parte do debate. O homem possui quase que um direito natural quando realiza essa incursão fora do casamento. Ele é compreensivelmente justificado. Luísa, por sua vez, é a figura que sofre as agruras da prisão psicológica. Recai sobre ela todo o peso das cobranças sociais.
Luísa é uma personagem frágil, sonhadora, sentimental; ela encarna o padrão feminino da mulher que esperava, quando jovem, juntar-se ao seu homem e experimentar os idílios somente encontrados nos romances de cavalaria. Percebe-se no romance que Luísa é uma grande leitora do escritor Walter Scott. O escritor inglês ficou famoso pelos romances ambientados na Idade Média, repletos de ideais heroicos. Afastadas da vida pública, da vida produtiva, do comércio, da cultura, da vida política, as mulheres eram ensinadas – desde cedo – a esperarem pelo “príncipe encantado”; ou seja, pela figura imarcescível que a conduziria ao ideal paraíso da felicidade.
Basílio desperta a paixão em Luísa pelo fato de ter acendido esses sentimentos de que ela era a mulher mais perfeita. O ludibrio a abocanhou por tudo de doce que ouviu do primo mau-caráter. Assim, Eça constrói personagens femininas repletas das estereotipias típicas do século XIX. As personagens femininas – no geral – carregam consigo uma disposição moral questionável e mobilizada a partir daquilo que esperavam dela e do papel social que passam a ocupar – Luísa é a adúltera; Juliana é a figura magra, feia, ossuda, chantagista, ambiciosa e que nunca se casara; Leopoldina é a adúltera e pervertida; D. Felicidade vive à cata de um casamento aos cinquenta anos, o que demonstra, do ponto de vista moral e social, uma perversão digna de ser reprovada.
O romance demonstra, na pessoa de Luísa, alguém que não se rebela. Eça mirou para os costumes da burguesia lisboeta, mas quem pagou um altíssimo preço foi Luísa. Ela morre de uma “febre mental”. A personagem é atravessa pelo remorso. Em “O primo Basílio”, os costumes de uma sociedade caduca e contraditória são expostos. Todos os personagens padecem; mas, as personagens femininas padecem mais que os outros.
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