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Professor Carlos Mota |
Semana passada, descobri que Mário Bispo, um dos grandes professores que eu já tive, leva a sua filhinha à escola onde o meu filho estuda. Nesses encontros fortuitos, porém novidadeiros e que infundem na gente uma ponta de satisfeita felicidade, ele acabou me chamado lisonjeiramente de "meu poeta". Não me julguei digno do elogio. Desconversei. Chamou-me assim pelo fato de eu ter escrito um texto sobre o professor Carlos Mota.
Ele afirmou que haviam feito um documentário sobre a vida do professor Carlos Mota, assassinado em 2008, no Lago Oeste, local onde morava. A morte do professor Carlos Mota provocou grande comoção por tudo aquilo que ele representou para a educação de sua comunidade. Foi morto por fazer uma pequena revolução que progredia em um movimento ondulante e que começava a ganhar contornos no local em que vivia. Carlos Mota era diretor de uma escola no Lago Oeste. Seu trabalho estava impactando a comunidade e causando um sintomático incômodo ao mundo do crime. Resultado: foi alvejado covardemente por alguém da região que estava se sentindo incomodado pela sua entusiasmada atuação.
Fui aluno de Carlos Mota e ainda guardo boas memórias. Estudei com ele - caso não esteja enganado - nos idos de 2007 ou 2008. Durante um semestre no curso de Letras, tive o privilégio de escutá-lo. Era um grande orador. Falava de forma apaixonada sobre vários temas. Todavia, era visível a sua paixão pela educação, por uma educação emancipadora, que transformasse a realidade e nos fizesse compreendê-la.
Naquele semestre, tivemos o privilégio de ler coletivamente "Não espere pelo epitáfio", livro de reflexões instigantes do ótimo Mário Sérgio Cortela. Os textos curtos, mas com instigantes reflexões filosóficas, iniciavam os trabalhos pedagógicos. Era como se estivéssemos para iniciar um grande banquete e aquelas leituras eram as entradas que alargavam ainda mais a nossa fome. Carlos de um tablado que se elevava alguns centímetros do chão, gesticulava, liberava uma sintaxe afiada, cortante, inspirada. Dizem os estudiosos que o nosso cérebro retém apenas aquilo que nos marca sobremaneira. Eu não teria como apagar aquelas lembranças. Em sala de aula, tento repetir essa mesma prática: sempre começo as aulas da sexta-feira com uma leitura-reflexão a respeito de um poema - Fernando Pessoa, Carlos Drummond, Cecília Meireles, Adélia Prado, Manoel de Barros, João Cabral de Melo neto etc. É uma forma de aprender com a beleza, com a singeleza dos versos, da poesia que se encontra em algum apenas esperando ser apreciada. O fato de fazer isso é uma reminiscência involuntária daquilo que aprendi com Carlos Mota.
Lembro-me de que ele convidou os alunos para realizar uma visita ao local onde morava. Sua chácara ele chamava de "Brilho da Lua". Foi uma noite extraordinária. Imensamente generoso, ele abriu os portões de sua chácara para a turma inteira. Alguns levaram barracas para acampar. Era uma noite fria e brumosa. Naquele dia, teve música, dança, falas, risadas desmedidas, discursos, aprofundamento de ideias políticas. Recordo-me que, no outro dia, ele de sua casa e foi até onde os bravos alunos dormiam. Aproximou-se com um largo sorriso - uma das suas marcas. Franqueou-nos a sua cozinha. Não imagino que outro professor teria coragem de fazer isso. Pois Carlos Mota, alguém imensamente comprometido com a formação de cada uma nós foi capaz de fazê-lo.
Olhando, hoje, à distância, essa postura apaixonada, capaz de incentivar, de provocar afetos, recordo os versos de Erasmo Carlos: "Gente certa é gente aberta". Carlos viveu as implicações desses versos. Era a pessoa certa para os grandes gestos, para as grandes e largas aberturas. Sua vida deu certo, pois ele não se fechou; abriu-se generosamente para ser com as pessoas com as quais encontrou - principalmente, seus alunos e as pessoas humildes. Era alguém com um grande potencial. Estava sempre aberto para as grandes ideias. Suas reflexões sempre promoviam a boa política, a abertura para a generosidade, para as ideais humanizadores. Abriam portas para realidades novas; para mundos anteriormente inacessíveis aos olhos acostumados ao comum, ao banal. Era, por isso, que ele era tão atraente.
Mário Bispo disse que o filho do professor Carlos Mota produziu um documentário sobre o pai; que no processo de procurar informações sobre pai, leu o texto que escrevi lá em 2008. Fiquei um pouco atordoado por saber que havia muitas imperfeições de estilo e uma abundante imperícia gramatical naquilo que escrevi.
Revisitei o texto; realizei algumas modificações para que ficasse mais palatável.
Abaixo, o documentário produzido pelo jornalista Otávio Augusto Pereira Mota, filho de Carlos Mota.
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