segunda-feira, fevereiro 23, 2009

200 anos de Darwin

Escrevi este texto em julho do ano de 2008. Uma exposição bem organizada e com uma estrutura excelente revelou muitos dos aspectos da vida do inglês Charles Darwin. A exposição foi bastante concorrida. Muito material da época e objetos pessoais - livros e outros badulaques; o texto abaixo descreve com mais propiedade - estavam presentes na exposição. Não deixei de sair da exposição animado e com um senso profundo de que havia absorvido muito das impressões do inglês na sua expedição pelo mundo com o barco Beagle. No último dia 12 de fevereiro de 2009, completaram-se 200 anos do nascimento de um dos homens mais polêmicos e suscitadores de controvérsias dos últimos 500 anos. A teoria desenvolvida por ele até hoje provoca discussões calorosas. Os religiosos não aceitam suas teses de que o mundo ( a natureza como um todo) seria objeto de sucessivas evoluções; de que tudo é resultado do acaso. Em homenagem ao nascimento e às ideias do cientista é que o texto abaixo vai ser postado.


Há idéias que nascem para o futuro. Elas não são acatadas, bem compreendidas na época em que surgem. Nascem perigosas por que têm o poder de martelos e bigornas destruidoras. Outras levam os seus progenitores ao ostracismo. Nietzsche disse certa vez que há homens que já nascem póstumos. Ele se propôs a fazer filosofia com um martelo. Tinha por alvo a destruição das crenças e dos valores infundados, irrefletidos. Sua apreciação tinha uma força explosiva. Poderíamos estender essa construção de Nietzsche e dizer também que há ideias que já nascem para anunciar um outro tempo, pois ao nascerem são abafadas. Todavia, as cinzas das ideias permanecem acesas esperando que alguém as alimente. Isso se deu, por exemplo, com as ideias de Giordano Bruno que foi queimado pela Igreja em plena efervescência do Renascimento. O seu pensamento complexo era por demais perigoso para as convicções defendidas pela Igreja. Resultado: Bruno defendeu até à morte as suas ideias.

Outro pensador que teve que reformular suas opiniões, suas teses, suas convicções foi Galileu Galilei. Brecht entendeu isso quando escreveu sua peça teatral Galileu Galilei. O dramaturgo alemão sabia que o pensador italiano, bem como a sua vida era um grande modelo de resistência do homem que têm ideias. Conforme certa perspectiva, o texto de Brecht estuda a responsabilidade do homem para consigo mesmo, para com sua obra e para com a sociedade. Coloca em xeque o herói, seu significado social, a discutível necessidade de sua existência numa sociedade sem liberdade. Defende o conhecimento crítico científico, acredita na razão como instrumento de luta contra a repressão, possui uma estrutura dialética e é fundamentado nos princípios marxistas. Galileu tinha uma arma poderosa: a ideia. As ideias engendram guerras. A Igreja sabia que o pensamento heliocêntrico de Galilei faria desmoronar o geocentrismo. Mais do que isso, tal pressuposto derrubaria um entendimento que havia se tornado em crença religiosa, que estabilizava e dava segurança para as convicções da fé. Era o entendimento da religião contra a construção da ciência. Por mais que se tratasse de algo empiricamente provado pelas observações de Galileu, as formulações a que ele havia chegado eram inadmissíveis para a religião. Tratava-se de uma ideia nova, perigosa, que punha em xeque as crenças fundadas. Abalava o convencionalismo. Imobilizava a segurança psicológica que habitava os costumes e trazia para comento algo novo, caoticamente original e isso suplantaria o modo de ensinar, de pregar, de se reportar à divindade e à explicação do mundo. A terra perderia sua nobreza e passaria a ser apenas mais um astro entre os outros milhões que pervagam pelo Universo. Isso abalou as convicções com certeza. A Igreja mostrou o seu poder. Fez com que Galileu abdicasse de suas ideias, seus pensamentos livres, cientificamente coerentes. Os símbolos da ausência venceram os sentidos pragmáticos e objetivos da razão.

É necessário fazer essa reflexão inicial quando tenho por objetivo falar de Charles Darwin que também pensou à sua frente e estabeleceu um novo modo de entender a história e a natureza. E por que não dizer a religião? Decidi escrever sobre Darwin, pois fui à exposição que passou aqui por Brasília. Uma lona enorme montada em pleno gramado castigado pela secura do cerrado ao lado da Esplanada dos Ministérios. Lá dentro, instrumentos, objetos, imagens, animais, textos e outros badulaques relacionados com o pensador inglês. Analisando aqueles oito espaços ou compartimentos que buscavam explicar a saga desse cientista fantástico, busquei de certa forma entrar no universo da aventura lenta, gradual, da construção das idéias que revolucionariam não somente a biologia, mas também as ciências sociais. A teoria darwinista do surgimento da natureza e dos seres vivos é uma hipótese necessária.

Darwin desde pequeno sempre mostrou uma propensão para o agrupamento. Quando criança colecionava besouros, dissecava borboletas e caminhava pelos bosques em busca de seres que atiçavam a sua curiosidade. Estudou medicina e mais tarde teologia. Entrou em contato com a ciência. Aos 22 anos inicia uma viagem que tinha o projeto para demorar 2 anos, mas que ao fim durou 5 longos anos. É permitido a Darwin conhecer outros países, outros povos; observar a rica variedade geológica do planeta, estabelecer contato com material fóssil. Paisagens diferentes, nichos complexos. Passa inclusive pelo Brasil – Recife, Salvador, Rio de Janeiro. Viajava num navio pequeno (O Beagle), pouco confortável. Levava mais de 200 livros na proa do navio. Dormia numa rede que ficava a 60 centímetros do teto. Nesse local pouco propício ao pensamento, Darwin lia e refletia sobre as descobertas que mais tarde iriam ser redigidas no seu livro de 1.859, A Origem das Espécies. Esses contatos, essas relações cristalizou em Darwin o germe da observação. Escrevia, anotava em cadernos as suas conclusões. E verificava as características dos seres vivos de cada região do planeta.

Ao cabo de sua viagem, sir Charles volta para Londres a fim de reunir numa tese as suas verificações. Demoraria anos. Havia em Darwin o medo do resultado de seu pensamento. As suas conclusões sobre a seleção ou a transmutação dos seres vivos era, no seu [Darwin] entendimento uma blasfêmia, uma heresia. Uma idéia que poderia gerar uma avalanche negativa e enlamear a sua reputação pública. Tudo isso construía em Darwin uma cautela que fez com que ele adiasse ao máximo a divulgação da sua tese. Afirmar em plena Inglaterra vitoriana que os seres evoluem e que o princípio motor da vida não tinha uma relação com o divino era algo por demais “perigoso” e revolucionário. Darwin sabia disso. Quando o seu livro foi lançado saiu com o título “Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural”. O naturalista não quis usar o termo evolução por causa da repercussão e eclosão restritiva que isso provocaria. Mas até que enfim acabou divulgando as suas idéias, pressionado pelas circunstâncias.

Inicialmente não houve muito alarde sobre o conteúdo do livro. Todavia, com o tempo rapidamente as edições de seu livro se esgotaram e os debates se sucederam acalorados. O pensador foi parodiado, criticado, demonizado, caricaturado; tornou-se motivo para piadas e ultrajes. A Igreja foi implacável em tornar sacrílega as suas teses. Construiu uma imagem negativa do pensador. Os religiosos decidiram fazer uma cruzada para restabelecer a ordem e o lugar da religião na explicação do mundo.
Para Darwin, o princípio cristão de que Deus que criou o homem à Sua imagem e semelhança não condizia com a realidade da natureza. A Bíblia diz que Deus criou o homem e o colocou num jardim a fim de que este dominasse sobre todas as coisas. Para o cristianismo, o homem é o ser mais extraordinário da criação, pois seria a coroação do ato criativo de Deus. Darwin concluiu que não existe qualquer privilégio para o homem. O ser humano seria apenas uma entre as milhões de espécies que evoluíram e aprenderam (evolução dos mais aptos) a se adaptar para continuar a existir. Outras espécies deixaram de existir, pois não se adaptaram plenamente a determinados ambientes. Darwin em suas observações verificou que a natureza está num estado constante de beligerância. A harmonia da natureza é apenas aparente. Para o naturalista, a simples visão de uma vespa paralisando uma borboleta para que esta sirva de alimento desdizia os ensinamentos da religião. Charles aos poucos foi perdendo a sua credulidade nas explicações religiosas. A morte de sua filha, fez com que ele perdesse de vez a fé. Aos domingos, enquanto a sua família ia ao culto, Darwin fazia caminhadas para melhor refletir a sua existência.

Enquanto passeava pelo espaço da exposição fui sendo tomado por um sentimento de prazer. A cadência lógica dos espaços permitia que se entendesse como se deu a fomentação e a maturação das idéias do inglês Charles Darwin. Fiquei excitado com as descobertas e como essas se infundiram na mente e no pensamento do naturalista. Senti-me estando no Beagle na América do Sul, nas ilhas Galápagos, na Ásia, na Oceania. A contemplação das diversas paisagens devem ter proporcionado uma sensação inebriadora. As orquídeas, por exemplo, constituíam uma grande paixão para Charles. Certa vez, ele se admirou de como essas plantas tão belas, tão delicadas, possuíam uma estrutura que parecia feita por mãos intencionais. Uma abertura, como um convite, fazia com que os animais que entrassem ali em busca de alimento saíssem cheios de pólen. O cientista colocou um lápis dentro do pavilhão da flor e o lápis foi impregnado pela substância amarela da planta - a matéria reprodutora. Isso não é gratuito. As trocas simbióticas se dão em todo tempo na natureza. Durante milhões de anos a planta desenvolveu a capacidade de produzir um líquido segregado que alimenta pássaros e insetos, mas ao passo que os animais vão até à planta em busca de alimento, saem portadores da semente que fará gerar outras orquídeas. Ou seja, a finalidade da planta não é oferecer alimentos, mas reproduzir-se. O alimento é apenas um chamariz, um convite falso, pois a finalidade é outra. Essa lógica se dá em todos os espaços da natureza de acordo com o ambiente. É a evolução que criou mecanismo de adaptabilidades. Somente os que se adaptam e conseguem desenvolver esses mecanismos têm condições de seguir no decorrer das eras.

Na natureza existe apenas duas palavras que determinam e são o alvo dos seres vivos: sobrevivência e reprodução. Luta-se em todo tempo pela sobrevida e uma vez que isso se efetive, busca-se em seguida gerar indivíduos sadios e férteis para que esse ciclo tenha continuidade. A natureza é simples e complexa; harmônica e beligerante. A viagem de 5 anos fez amadurecer a alma de Darwin. Solidificou os seus pensamentos. Forjou as suas convicções. As suas idéias se tornaram numa respeitada e convincente teoria sobre o surgimento do homem e dos demais seres vivos.

Saí da exposição habitado por algumas conclusões. O ser humano é insignificante. Não há vantagens para o homo sapiens. As convicções são construções. São explicações forjadas para dá sentido ao mundo humano. Se as moscas pensassem como os homens teriam religiões, senso moral e explicações limitadas ao entendimento do mundo das moscas. Se os cavalos tivessem um cérebro desenvolvido pelo processo de transmutação como o homem, certamente que as explicações sobre a existência, a espiritualidade e as outras realidades estariam subjugadas ao senso eqüino dessa explicação. A evolução dos mais aptos, como diz Darwin, fez com que o homem chegasse à condição atual. Isso proporcionou a criação e a explicação de todas coisas como as entendemos. Pensamos e logo fazemos existir tudo isso que entendemos como realidade. Como se trata de um processo constante de mutabilidade, não significa que o homem domine sempre. Algum outro ser pode evoluir e chegar à condição semelhante ou superior à do homem daqui a alguns milhões de anos. Isso afronta as mentes estáticas e conservadoras.

Para encerrar, penso na frase poderosa de Victor Hugo: “Aquilo que guia e arrasta o mundo não são as máquinas, mas as idéias”. Essa é uma condição transmitida e maturada pelo processo de transmutação e nada é mais verdadeiro que essa idéia tão revolucionária. Os pensamentos revelam a força dos mais aptos e isso doma a natureza a favor do homem – por enquanto.


Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: quinta-feira, 17 de julho de 2008, 22:24:09.

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