terça-feira, julho 31, 2007


Um breve esclarecimento

Os poemas que seguem abaixo foram escritos pelo camarada Luiz Fernando, alguém que encontrei no caminho da vida. Ele se tornou um caminhante ao meu lado. Temos discutido idéias; elucubrado acerca da realidade; nos inquietado com a boca voraz da mediocridade que assola as mentalidades. O camarada Luiz é mineiro e poeta – lá de Inhapim. Insiste em afirmar com muito orgulho que é mineiro e, por isso, o ser “esquerdado”de Drummond. Muitos mineiros, inquestionavelmente, possuem uma licença poética. São figuras que enxergam o mundo e suas serras e flores de modo diferente. Estas figuras acabam escrevendo coisas bonitas que balança a nossa interioridade. É o exemplo de Carlos Drummond de Andrade e Rubem Alves.
Tive oportunidade de receber alguns dos textos poéticos do camarada e decidi colocá-los aqui neste espaço. Os textos estão cheios de nostalgia, de um cheiro doce de tarde na janela; de vento que cisma em desarrumar o cabelo do observador; cheiro de laranjeira florida. Por exemplo, o poema “Chegada Rio Doce” me faz lembrar o poema de Sete Faces do Carlos Drummond. O seu início é eloqüentemente sentimental: “Inhapim está mais perto e mais intenso”/ “Nas ruas de Pedras de Ferro Circula/ Na imensa tarde de setembro”. Drummond diz de forma bem parecida no seu famoso poema: “As casas espiam os homens/ que correm atrás de mulheres/ A tarde talvez fosse azul,/ não houvesse tantos desejos”. É inegável o cheiro de aturdimento, de lembrança insinuante. Como no poema “Um sábado na Coronel Guilherme”, que remete a um passado à margem da BR 116; o encontro que se reencontra 20 anos depois; as manhãs de olhos inchados; a música que se mistura à poeira dos fatos; as portas azuis que se perdem na encruzilhada da memória e que são como escombros no túnel do tempo.
No poema de Carlos Drummond, “Confidências de um Itabirano” há um flerte nas impressões intimas, de um alheamento da vida que é apenas porosidade e comunicação:

Confidências de um Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

O poema “Na laje” deixa exposto todo o lirismo que é devido a uma alma que sente, farta, completa pelas inspirações daquilo que foi, mas que ainda é enquanto presença para o ser. Não posso negar que ainda é presença para o eu lírico aquilo que é descrito com suavidade pela pena saudosa e trágica do prazer que se tornou num sonho espectral, num ente fantasmagórico; em algo que no presente é uma mistura de doçura distante e ruptura indesejada. Faz-me lembrar da frase de Kierkegaard: “A vida é vivida para frente, mas entendida quando olhada para trás”. Este é um dos aspectos mais vivos destes poemas aqui reunidos. “Plano Piloto” é uma balada sentimental, que com certeza daria uma ótima letra para fazer um blues. Seguem os poemas de amor, de saudade, de emoção, de presenças que já foram, mas que ainda são como espectros que voejam e trazem consigo o cheiro do passado – lembranças agridoces.


Plano Piloto

A mendinga experimenta todas as roupas que ganhara
Nas tardes quentes de março,
Tardes de painéis retangulares de cima para baixo,
E os raios de sol que embaraçam a minha visão,
É mais uma tarde é mais uma noite,
Duzentos açoites em meu coração,
Orquestras de motores
Fumaças ardores e uma grande amplidão.

Janelas devassas do oscar,
Isso tudo pra mim soa forte
E o não temor da morte,
Pois ainda sou do norte,

Mulheres vestidas
Mulheres desnudas,
Mulheres já mudas,
Em kabul
Iraque e nepal
Na segunda feira de março
Contando o fim dos meus passos.

LF em 2001.


Na laje

Seus olhos mostravam-me outras coisas,
Além das lembranças das casas, das salas,
Das camas, dos cheiros todos,
Seus olhos mostravam outra cidade,
Seus olhos muita novidade.
Seus olhos meu devir ]
Retornar,
onde ir
A montanha que alcançávamos,
Está nua vermelha, casinhas aqui e ali,
De você veio um sorriso de dentro,
imenso
Um beijo intenso,]
Mensagens eletrônicas,
Sinais gráficos, coração atônito,
A viagem longa o retorno
Toda noite e nenhum adeus
Perdi parte do era meu.

II

Ao teu lado na laje,
No alpendre,
Por sobre a cidade,
Podemos ver todas as coisas e casas lá em baixo,
Seu sorriso contido,
A franja a reta o cabelo preto
Escorridos nos ombros,
Quinze anos depois contemplamos
Os dois, a cidade,
Dali vinte anos atrás
Fomos convidados a sair
Ela criança nem percebia.
Aonde eu ia
O Adro a igreja, estão no mesmo aspecto
Circunspectos
Apenas nossos sonhos ainda rondam como espectros.


Um sábado na Coronel Guilherme


Quero voltar pro meu lugar
Contigo ficar
Bonito foi ver
Nossa amizade crescer,
Florescer,
Vinte anos depois te rever,
Aquelas dúvidas já não tenho mais
Já sei,você amou e sonhou
E hoje tem paz,
Mas quero te ver assim mesmo,
Na ponte,
Na rua, no beco
Seu presença insular,
Seu mar,
Soberana está.
A joyce que você ouviu cantou,
Os sorrisos, o túnel do tempo,
Vinte anos,
Quê tempos!
Os ventos na BR 116,
Voam as saias os cabelos,
As manhãs de olhos inchados,
Os livros,
O violão e a poeira dos fatos,
Relatos,
As músicas contidas nos quartos,
Sussurros noturnos,
As altas portas azuis,
Ruínas do tempo,
Os escombros do túnel do tempo.


20 Anos na BR 116

Túnel do tempo,
Sobrado iluminado
Afastado
Na rua de pedras de ferro.
Na exata reta dos anos oitenta
Revejo o zé.
A moça branca segura o álbum do beto
No mês de outono,
Sem querer me desperta
No túnel do tempo.
Minha cara inchada,
As mãos que tremem
A vizinha expõe seu corpo laje
Como uma serpente
Move o seu rosto
Reto ao meu posto

Manhã de domingo,
Beto guedes o primeiro de uns,
Inhapim, belo horizonte
Suores,
Igarapé, tarumirim,
São João asfaltos,
Lugares,
Na reta dos anos oitenta
Não posso mais ver o Zé

Aponta na curva o fim
O fim de mais um decênio,]
O antes redentor milênio,
O astuto nos avisa,
Não tem mais nada
Nem precisa
Sonhos que ele demoniza.


Chegada Rio Doce1
( Exata Nostalgia)

Inhapim está mais perto e mais intenso
As Fronteiras do Gato2 estão limitadas
São Sebastião, São Domingos, nos deixou sós.
Saudades daqueles que ficavam nas esquinas ouvindo canções,
Muitas canções,
Muitas inquietações.
Os zaias, periquitos, eucaliptos,
Morro que tantas vezes alcancei,
Descansei,
Casa do Povo,
Branca Caixa de basculantes estreitos,
Bela casa: de coisas, afetos, mistérios e desejos.

Mercador Barbudo
Está mudo,
Nas ruas de Pedras de Ferro Circula
Na imensa tarde de setembro,
Na imensa tarde de setembro
Na Intensa tarde de setembro,
Os tempos são outros
E as chuvas nos enganam

Porém as grandes narrações voltaram,
E com elas a ferocidade do grande senhor do norte,
E o mercador barbudo que sabe das coisas, que sabe de tudo,
Ficou mudo,
Circula agora pelas ruas de pedras de ferro,
A rua nova, a biblioteca,
O morro do tatu, tudo está presente tão quieto e nu.

Na imensa tarde de setembro
Na intensa tarde de setembro,
O leite tomado,
O leite derramado,
A moça branca estende o disco e me dá um beijo
Intensa a tarde de setembro
Imensa é a tarde de setembro

Um comentário:

Juninho disse...

Saldações Carlinas a voces!!!
Que bom ver que o camarda Luiz Fernando tambem abrilhanta esse espaço com seus versos mineiros.
Salve, Salve os poetas que mesmo distantes de sua realidade, nos agraciam com suas palavras...

abraços!