quarta-feira, dezembro 26, 2007

Sobre a religião

Andei refletindo sobre a religião este final de semana. O final de ano se apresenta como um momento para reflexões, análises, promessas, eminentemente. Como não poderia deixar de ser, a religião se mostra como uma prática que une o indivíduo aos seus desejos mais íntimos. Afinal as promessas, desejos, fantasias, expectativas são gestadas e alimentadas por uma profunda unidade mística do ser com o mundo empírico. A religião é a força que impulsiona o ser na direção das suas conquistas.


Falar sobre minha preferência religiosa é algo complexo, pois a crença em algo é um universal humano. Pelas nomenclaturas identificáveis posso ser denominado como cristão protestante. O ser humano não se contenta apenas com a explicação da matéria em si (materialismo). Ele busca uma explicação para aquilo que está além dela (metafísicameta do grego: além, para além; físico(phisys) do grego: matéria física. Ou seja, aquilo que está para além da matéria). A religião ordena o caos da matéria. Ela é um dique que represa nossas inquietações nos dando uma sensação de conforto e segurança. O caos seria insuportável. Seriamos destruídos pela anomia e pela rudeza da vida. O sagrado é a dimensão valorativa da perfeição, da pureza, do absoluto. Daí o absoluto da crença. Se não estou equivocado foi Rudolfo Otto que afirmou que a religião está em todas as coisas da vida humana; que as realizações humanas são religiosas. Mas penso como C.S. Lewis. Num sentido não muito distinto, as mesmas inquietações de C. S. Lewis, são as minhas inquietações no que diz respeito à fé. Ele escreveu em seu livro Surpreendido pela Alegria: “A maneira mais segura de estragar um prazer era[é] começar examinar a sua satisfação”. Porque

“Ninguém jamais tentou mostrar em que sentido o cristianismo cumpriu
o paganismo, ou como o paganismo prefigurou o cristianismo.
A posição aceita parecia ser a de que as religiões eram normalmente uma
Mera miscelânea de absurdos, embora a nossa – feliz exceção – fosse
Perfeitamente verdadeira. As outras religiões não eram sequer explicadas,
Segundo o primitivo modo cristão, como obra de demônios. Nisso,
Possivelmente, eu podia ser levado a crer. Mas a impressão que tive foi de que
A religião, em geral, embora totalmente, era um desenvolvimento natural,
Uma espécie de absurdo endêmico no qual a humanidade tendia a tropeçar.
Em meio a um milhar dessas religiões, lá estava a nossa, a milésima
Primeira, rotulada Verdadeira. Mas com base em que eu poderia crer nessa
Exceção? Ela obviamente era, num sentido geral, o mesmo que todas as
Outras. Por que então era tratada de modo tão diferente? Será, afinal,
que eu precisava continuar tratando-a de forma diferente?
Desejava ardentemente não ter de fazê-lo.”

Como poderemos justificar o injustificável? Exercemos fé naquilo que não vemos. E regozijamos com isto. Cremos no absurdo. Adoramos sem ter certeza táctil com relação àquilo que cremos. Fechamos os olhos e descerramos os lábios em preces quentes. Gestos ou soluços da alma. Instituições se organizam com o objetivo de defender a devoção. Pessoas matam, explodem por causa da religião. Entendem que todo sacrifício é necessário e valido para justificar a fé. Quanto maior é a dor, o dispêndio de energia, maior é a devoção. Fico aturdido com este pensamento. Imagino que esta tendência tão extremada seja apenas resultado da inventividade humana. Penso que a singularidade humana é responsável por criar todas as realidades relativas àquilo que justifica e dá sentido à existência humana. Ou seja, é o próprio homem que classifica o mundo e extrai dele os significados que deseja empregar para tornar a vida cheia de respostas eloqüentes. O mundo existe como vontade e representação, pois o homem é a medida que dá forma a todas as coisas. Assim, vou pensando enquanto entendo que estou sendo trepidado por este fato que me abraça e sufoca como uma grande serpente. A religião é um sonho que mente humana alimenta para colorir os seus pesadelos existenciais. Dar-se expressão ao injustificável. Assim, não abraço a fé com adesismos externos. Fé para mim é fé para morrer e viver. É categoria máxima, filosófica, que abarca as categorias da vida. Não identifico a religião apenas com o fato de se ir a igreja ou a qualquer lugar que se queira ir para exercer a fé. Sören Kierkegaard afirma em seus escritos que há três estágios geralmente vivencialmente vinculados ao ser humano. (1) O modo estético. Ligado ao indivíduo que se envereda pelo caminho externo dos vícios, da matéria; pela diversidade a que conduz o desejo. Esse estágio não realiza o ser humano (2) O modo ético ou moral é aquele governado essencialmente pelas normais morais. Mas a vida ética não possui um potencial de realizar os desejos humanos. E (3) o modo religioso que ela afirma como o estágio sublime. Não a religião parasitária, instrumentalizada pelos dogmas e ritos externos. Isso aparece com total evidência na sua obra Temor e Tremor onde trabalha filosoficamente sobre o significado do sacrifício de Abraão no monte Moriá. “Seu objetivo é mostrar através do sacrifício de Abraão que o estágio ético não é absoluto, pelo contrário fica até ofuscado diante de exigências superiores do estágio religioso. Como apelo à subjetividade profunda, o estágio religioso pratica uma devoção ao Deus que não aparece e comunica-se através do silêncio que provem desta relação. Isto nos faz perceber que os dois primeiros estágios são mais populares do que o terceiro. Kierkegaard entendia que os estágios estéticos e éticos não podiam existir sem o estágio religioso. Em outras palavras, o religioso estava presente tanto no estético quanto no ético. O religioso é um estágio conseqüente, pois é a partir da desordem dos estágios inferiores que se tem a possibilidade de encontrar a realidade superior da vida religiosa”. Para mim a religião só tem significado se entendida e compreendida em sua radicalidade. A fé é em si uma decisão. Uma realidade que tem que ser experienciada existencialmente. Termino com uma frase de Kierkegaard dita na sua obra O Desespero Humano: “Varia o escândalo segundo a paixão que o homem põe na admiração”.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

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