sábado, abril 03, 2010

O julgamento dos Nardoni e a vontade do povo

Fato que me chamou a atenção foi o julgamento do casal Nardoni realizado na penúltima semana de março passado. Segundo a mídia nativa, que se aproveita das tragédias sociais e do caos para se vender e se promover, era um dos julgamentos mais importantes da História do Judiciário brasileiro. Houve um engradecimento do caso. Não escusamos aqui a fatalidade. Mas o que me deixou silencioso em meus pensamentos foi a reação da massa que cercou o fórum na cidade de São Paulo. Pessoas dos mais distintos lugares foram ao local para apreciar o caso num acesso de "justiçamento". Todos acompanhavam o caso com muita atenção. Não quero entrar em pormenores quanto a quem matou a menina de cinco anos, filha do casal Nardoni. Fato interessante é que antes do julgamento o casal já estava condenado. A mídia já havia condenado os dois. Nem o princípio constitucional de que a culpa só se efetiva com o trânsito em julgado da sentença - no juridiquês do Direito - foi levado em conta. Quando o juiz leu a sentença, resultado da apreciação do tribunal do júri, que tem competência para julgar os crimes contra a vida, houve "um salva de vivas". Havia uma lascísvia de contentamento nos olhos daqueles que estavam lá acompanhando o caso desde o primeiro dia. Era como se aqueles que acompanhavam o caso quisessem fazer justiça a toda força. Estranhos são os homens. Pensei que fosse uma final de campeonato. A psicologia do caso me aponta que havia um senso de raiva e ira represado no coração de cada um daqueles que estavam ali - e de tantos outros que estavam pelo Brasil afora. torcendo para que, se possível, o casal fosse estripado. A massa dispersa ganhou forma e a vontade individual tornou-se uma no que diz respeito ao desejo de solução pela força, nem que fosse pelo "esfolamento" ou pela morte. Fico a imaginar se os jurados tivessem absolvido das acusações de que era objeto o casal. O povo teria invadido o tribunal. Uma confusão generalizada poderia grassar. O Brasil é um país violento, que tem a sua guerrilha particular. A violência urbana mata mais do que a guerra histórica travada entre judeus e palestinos. A televisão "espetaculariza" todos os dias os casos de violência e isso faz brotar na paiquê da coletividade um medo mesclado de ódio e auto-justiçamento. Com relação a este fato (o julgamento dos Nardoni), achei uma extraordinário texto do filósofo Paulo Ghiraldelli sobre o caso.

Leia o texto na íntegra logo abaixo:

Isabela Nardoni enterra os seus mortos


Terminado o julgamento do casal Nardoni e passada a gritaria e rojões dos desocupados que ficaram em frente ao Fórum ou que, em suas casas, não faziam mais nada senão se alimentar do noticiário bestializado do caso, veio o inexorável silêncio. Mais uma vez a vida dessas pessoas que gritaram e comemoraram voltou a encher-se de nada. Todas elas caminharam para a mediocridade de onde saíram. Cada vida ali, cheia de nada, talvez tenha menos a fazer no mundo do que os Nardoni, que irão envelhecer na cadeia. Cada uma daquelas pessoas, até chegar ao ouvido delas a morte de mais uma Isabela qualquer, estará tão morta quanto a própria Isabella. Nada dentro de casa, nada no horizonte.

Uma vida cheia de nada.
As vidas dessas pessoas que se dispõem a se engajar em alguma causa que não é causa nenhuma, quando não há nenhum Hitler para recrutá-las para “fazer justiça”, é uma vida intermitente. Na falta de mais uma causa que não é causa nenhuma, tudo é um grande e eterno vazio. Nenhum emprego interessante, nenhum casamento gostoso, nenhum lar sadio, nenhum objetivo político; somente um horizonte social totalmente transparente – é tudo o que possuem. Quando William Bonner anunciará algo novo, possível de ser assimilado pelos cérebros simplórios, para que seus proprietários se levantem de seus túmulos? Essa é a pergunta que paira no ar na casa de cada um que soltou rojão ou que ficou no Fórum gritando “por Isabela”. “Uma vida cheia de nada” é o tema do ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, a belíssima película argentina “O segredo dos seus olhos” (José Campanella, 2009). Vale a pena ver. Há ali uma história. Mas “a vida cheia de nada” dos que gritaram por Isabela não dá um filme. Tudo ali é tão realmente cheio de nada que nem mesmo a narrativa sobre a pobreza de espírito é possível nesse caso. É o deserto avassalador que cresce dentro de cada alma que nem mesmo é uma alma, apenas uma cavidade encurtada capaz de fazer eco a um distante som metálico de noticiários de TV voltado para questões policiais. Hitler não vem. Mussolini não chega. Hiroíto não passa. Franco não dá bola. Pinochet não é ninguém. Castelo Branco é um desconhecido.

Todos os ditadores, dos maiores aos menores, capazes de poder fazer viver a turba que deseja vingança – vingança contra algo que a turba não sabe o que é e que, por conta da pouca educação social, diz que é “justiça” – não estão disponíveis. Resta então implorar por Datena. Talvez ele ponha alguma adrenalina em uma vida ressentida e cheio de nada. Mas Datena não vai adiante, ele é o Afanásio Jazadi dos novos tempos, da época “pós-politicamente correto”. Ele quase lança o ódio, mas recua. Ele não dá o que a turba pede. Por sua vez, Serra, que canaliza a direita hoje, é um candidato com um gosto tão entusiasmante quanto Alckmin. Picolé d xuxu era seu parceiro, ele próprio, Serra, é picolé de nabo. A turba almeja mesmo é por Hitler. Mas, eu garanto, ele não vem. Então, que Deus se apiede de todos e jogue alguma Isabela de outro edifício, caso contrário, cada uma dessas pessoas terá que ficar mais tempo no seu cemitério. Não poderá ganhar a luz do dia.
Uma vida cheio de nada. Quando uma vida é cheia de nada, nos cartazes dos manifestantes (como uma parte de nossa população está ficando igual aos setores conservadores americanos!) sempre aparece uma palavra suficiente mente vazia para dar razão ao vingadores: “Deus”. Deus não aparece para apaziguar, diminuir ódio ou promover a paz. Ele aparece para que exista vingança, não a respeito de Isabela, mas de qualquer outra coisa, talvez seja a vingança contra a própria vida cheio de nada. “Deus” surge para promover o ressentimento que ganha o nome , no caso, de “justiça”. Que sorte que Collor deu no que deu, pois, caso tivesse continuado, ele poderia aproveitar essa gente. Sendo ele agora apenas um senador marcado, tudo fica mesmo por conta de Bonner falar de outra desgraça. Enquanto as coisas ficarem só nisso, não há perigo.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo.

DAQUI

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: Sábado, 03 de abril de 2010.

Nenhum comentário: