quarta-feira, novembro 02, 2011

Dia dos Mortos, 7 bilhões de humanos, Bach e o BWV 232

Aproveitando o ensejo da data, estou ouvindo algo profundamente "santificante" - o BWV 232 do "grande pai". Esta semana tive a oportunidade de conversar com um professor, colega de trabalho, sobre a informação veiculada pela mídia acerca dos 7 bilhões de humanos que agora habitam a terra. Falamos sobre Malthus e ele me explicou sobre as deficiências da teoria do inglês. Mas não deixamos comentar sobre o estágio avançado de agonia da civilização ocidental, gestora de um modo de vida que nos leva inevitavelmente para o buraco. A sociedade capitalista com toda a sua parafernália tecnológica possui uma finalidade - nos conduzir ao prazer. Mas à medida em que somos conduzidos ao prazer, recai sobre nós a maldição do niilismo.

A terra já não é um lugar que promove espantos contemplativos. O que regala os olhos do homem do nosso tempo são as superfícies vítreas. Nelas o indivíduo do nosso tempo encontra a redenção narcísica de que tanto a sua alma vazia precisa. O capitalismo e o estilo de vida acabou criando aquilo que os especialistas vão chamar de "não-lugar". Ou seja, não há um lugar que promove encantos, novidade, fascinação, pois o que há são as mesmas lojas, as mesmas lanchonetes, as mesmas marcas, as mesmas fragrâncias, como se as nossas percepções tivessem sido uniformizadas.

O meu colega contou uma experiência curiosa. Disse ele que uma amiga fora fazer um cruzeiro marítimo, mas ficou decepcionada. Ela queria novidades. Todavia, no navio em que estava, as lojas, os pubs, os cafés, eram os mesmos que ela estava acostumada a frequentar em terra firme. Ou seja, ela teve mais do mesmo, pois não existe um lugar de novidade. Existe um "não lugar" que está em toda parte. É por isso que o homem do nosso tempo viaja tanto. Ele está atrás de novidades. Ele quer encontrar um regalo para a sua fome insaciável. Perdemos o encantamento pela "nossa casa", pela mãe sábia, a natureza.

Mas o que tudo isso tem a ver com a missa de Bach? Muita coisa. É que o meu colega disse a certa a altura de nossa conversa que a única forma de brecar o calapso de nossa civilização está na formação de valores sadios, num processo a qual poderíamos dizer que se dá de dentro para fora. E para ele, um dos resposáveis para que isso ocorra é a religião. Não deixei de pensar na afirmação dele. Possuo uma visão crítica em relação a religião. Afinal, a religião é tão antiga quanto a própria humanidade. Se a religião fosse capaz de redimir, ela já teria redimido, transformado o nosso mundo num local de paz. Pois o que não falta é religião.

Gostaria de mudar a afirmação do meu colega e dizer que o que pode salvar o homem é a metafísica, a espiritualidade que se encontra na beleza. E para se chegar à capacidade de apreciação e percepção dessa beleza é preciso educar os sentidos. É preciso direcionar os olhos para aquilo que nos torna maiores do que somos, deixando de lado os anseios vis da materialidade, que promete felicidade, mas não é capaz de gerar beleza, de fazer brotar um jardim no coração. Lembro aqui as palavras de Cristo: "O que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?" Ou seja, a capacidade de ser humano, de sensibizar-se com a natureza, com a simplicidade dos elementos silenciosos que foram gerados pelo silêncio do universo.

Olhando do ponto de vista da objetividade, penso não haver chances para o homem. Em pouco mais de cem anos, as condições para a vida na terra tornar-se-ão insustentáveis. Para reverter isso é preciso de espiritualidade, da metafísica, que habita a obra de arte, os sonhos, a inocência, os silêncios gravitacionais das palavras, do rio que corre e não se cansa, nas amizades, na música, em Bach... Afinal, a natureza é um instrumento tocado pelo universo onde estão adormecidas as mais belas canções. Enquanto escuto essa extraordinária missa de Bach, vou pensando nisso tudo - e fico estarrecido e beatificado no dia dos mortos.

Abaixo um pequeno trecho do BWV 232 de Bach - regência de Herbert Blomstedt.

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