Graciliano Ramos é um mundo vasto, mas
medido pelas palavras. Da afirmação encontrada em Infância, autobiografia mesclada com elementos fictícios, de que o
autor percebeu "o valor enorme das palavras", resta uma explicação para a
sua obra tão ajustada, tão arrojada, como aquelas prensas utilizadas
pelos nordestinos para tirar o veneno da mandioca e preparar farinha.
Graça, como era conhecido pelos mais íntimos, coseu cada vócabulo como
estivesse produzindo um tecido raro, medido, para o baile perfeito da
literatura. Cada palavra é um tijolo de sustenção, capaz de estruturar
magicamente cada um dos seus livros. Se uma palavra for extraída dessa
grande estrutura, todo o restante vem abaixo. Nada se torna
prescindível. Tudo está lá, posto. A argamassa de Graciliano é a literatura.
Descobri Graciliano Ramos quando
estava no final do ensino médio. Ainda lembro do primeiro livro que li:
São Bernardo, para mim, a sua obra mais visceral. A introspecção-reflexão de Paulo Honório no último capítulo, não perde para nenhum autor de qualquer lugar do mundo. Aquilo é de fazer chorar. Logo em seguida veio
Vidas Secas, o popular tornado em elegante e erudito; e, Memórias do
Cárcere, livro que me abriu olhos, deixou-me com uma impressão de que
precisava daquele mundo. Em Memórias do Cárcere, percebi o peso de
cada uma das palavras. Se em Vidas Secas e São Bernardo houve a
preocupação com o sentido da leveza de cada uma das palavras que,
juntas, constroem o peso de uma literatura capaz de aturdir, em Memórias
do Cárcere a crueza e o ceticismo-realista úmido de cada palavra,
lança-nos num mundo de injustiças, caos e na bárbarie dos bichos
acossados pela insânia do governo getulista. Em logo em seguida, ainda
no ensino médio, li Angústia. O romance me fisgou por completo. O retrato
do mofino Luis da Silva dá a Graciliano, o epíteto de "dostoiévski do sertão". Crime e Castigo à brasileira.
A despeito de não ter lido apenas
Viagem, conheço o restante das obras do escritor alagoano. Graciliano é
uma paixão. Na minha humilde concepção, um dos maiores escritores do
século XX aqui no Brasil. Citaria ainda Clarice Lispector e Guimarães
Rosa para formular a tríade perfeita da literatura brasileira. O homem
do sertão e de alma com impressões agrestes; de fala parca; de gestos sóbrios. Ateu. Indiferente à música. Fumante inveterado marcou a literatura. O
filho biógrafo Ricardo Ramos uso o termo "rompante" para descrever esse
fenômeno. Ou "diapsão alagoano". O filho privilegiado, que conviveu com o
escritor durante pouco mais de vinte anos, afirma que viu o pai chorar
apenas em dois episódios: (1) quando do suicídio do filho Márcio; e (2) e
a outra foi na ocasião da morte de Stálin, no ano de 1953.
Este ano, o mundo comemora 120 anos
dos nascimento de Graciliano Ramos. Um dos escritores brasileiros mais
respeitados do mundo.
Depois comentarei o livro Graciliano - Retrato Fragmentado, de Ricardo Ramos, que chegou à sua nova edição.
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