quarta-feira, julho 09, 2014

Futebol e rasteira - de ontem, hoje e sempre

"A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência!"
 Graciliano Ramos

Não sou um especialista em futebol. Acompanho alguns jogos. Dou os meus pitacos. E costumo me entusiasmar quando o São Paulo ganha. Claro, nos últimos anos o time tem amargado uma série de insucessos desastrosos. Sou da opinião de que isto é resultado da má gestão que vem lá da presidência do clube. Um time bem acertado em campo é sinal de que possui uma boa administração interna; que há planejamento; a parte financeira traduz transparência, lisura e o resultado pode ser visto em campo. Resgato aquela máxima vulgar de Aristóteles: "O homem é um animal político". E como não poderia deixar de ter uma certa resplandecência nessa frase, o futebol por ser uma produção do engenho humano, também, passa pela política. 

Não entendo nada de esquema tático. Sou um crítico acintoso. Às vezes, dou minhas cabeçadas em opiniões desajustados. Todavia, vez ou outra, me pego vendo uma daquelas partidas de meio ou de final de semana. É assim. Mas, curiosamente, desde que havia começado a Copa, eu me vi metido em um ceticismo colossal. Não senti entusiasmo algum por tudo aquilo que foi desenhado com garranchos à guisa de se transformar em algo grandioso, valoroso, pelos homens sabidos de nossa terra.

O futebol é um esporte que contagia pela sua própria natureza. Ele contraria a lógica do corpo e da razão humana. É praticado com os pés. Sendo que os pés são utilizados para manter o equilíbrio corporal e, com o auxílio das pernas, nos levar aos mais variados lugares. Por que não o praticamos com as mãos? Elas são mais nobres. Sem elas, não teríamos chegado ao nível de civilização a que desfrutamos. Contudo, talvez, se o fizéssemos não teria a mesma graça. As mesmas pernas que somente "servem" para conduzir, para levar, são capazes de promover danças mágicas, bailes desnorteadores no adversário como fazia um Garrincha, por exemplo.

O futebol chegou por aqui no final do século XIX, trazido pelos engenheiros ingleses e durante as primeiras décadas do século XX foi esporte das elites. Dizia Graciliano Ramos em uma crônica de época, vociferando com sua pena irônica contra o esporte: "Não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo?" Lima Barreto por não ser branco foi um dos mais destacados detratores do novo esporte.

Com o passar do tempo, o futebol se tornou uma unanimidade nacional. Existe até uma sociologia do povo brasileiro a partir do futebol, como o fez Roberto da Matta. Há no brasileiro uma capacidade para o improviso, para a dança, para o gingado, herança vinda da África. Tais prerrogativas foram úteis ao novo esporte que por aqui chegou. É um esporte que se adaptou bem ao jeitinho do brasileiro. Acostumamo-nos a isso. Nosso sucesso reside nesta plasticidade do brasileiro e que também é parte inviolável do esporte.

O Brasil é uma das pátrias mais apaixonadas por este esporte. Todavia, uma fragilidade estrutural, que se relaciona com a política, colocou os apaixonados pelo esporte de sobreaviso. Ou seja, o futebol brasileiro enfrenta uma crise séria - da seleção, passando pelos clubes da série A, à última série. Ontem, foi um dos dias mais amargos para a história do futebol brasileiro. Não existe registro histórico de tão grande derrota. O Brasil havia perdido por 6X0 para o Uruguai, mas isso havia se dado ainda no início do século XX. Existem alguns fatores a serem colocados:

(1) aquele que diz respeito a um contexto mais imediato, ou seja, o do próprio jogo. A mídia, talvez, seja a responsável por um trabalho psicológico negativo, já que ela vende produtos e com isso se conecta ao interesse das grandes empresas. Vendeu-se desde o início da Copa a mensagem de que esta seria a competição do Neymar. Ela, nesse sentido, trabalhou contra o time criando especulações; fazendo um movimento negativo; gerando um entusiasmo que não deveria existir, pois o time era ruim. Os jogadores cantaram o hino nacional segurando a camisa de Neymar, como se ele estivesse morto ou fosse a taça da competição. Jogo é estratégia e concentração. E nesse sentido, o time brasileiro estava com os pensamentos em outro espaço. Ao tomar os gols, como se pôde ver, houve uma desestabilização, uma desarticulação psicológica. Questões psicológicas foram determinantes para a derrota brasileira e para a vitória alemã.

(2) apesar de o Brasil ser uma país onde se joga o futebol mais bonito do mundo, a administração do esporte por aqui precisa passar por uma mudança. Ainda existe o mito de que se tem o herói, o messias redentor, capaz de decidir a partida a qualquer momento, como se trabalhou o tempo todo em torno de Neymar. A Alemanha provou que essa tese é ultrapassada. Já caducou. Hoje, quem manda no futebol joga coletivamente. É o espírito de equipe. A mídia precisa de heróis para criar marketing. O futebol brasileiro deve refletir a sua condição. Olhar para o desenvolvimento que as outras equipes conquistaram. Afinal, foi uma Copa em que o equilíbrio foi reinante em boa parte das partidas. Simplesmente, porque houve o entendimento de que "esquema tático também ganha jogo". 

(3)  em texto amplamente divulgado pela mídia pela internet, o ex-jogador Romário fez críticas contundentes ao modo como o futebol tem sido conduzido no Brasil nas últimas décadas. Ao ler o texto, fiquei com a impressão de que os gestores do futebol brasileiros são mafiosos, que vivem dos saldos gordos que o nome Seleção Brasileira gera. Imagino as centenas de milhões que são rolados com patrocínios e direitos. Trata-se, com certeza, de uma agremiação que precisa de toda a atenção por parte dos torcedores. Boa gestão repercute no campo; e má gestão, idem. 

Os brasileiros sentiram uma melancolia nunca antes imaginada. Amargaram no dia seguinte ao jogo uma verdadeira ressaca moral. A Copa pode ensinar uma lição: teremos um segundo semestre árduo. As eleições começam a avultar no horizonte. Em poucas semanas será o assunto do momento. Esqueceremos o fiasco futebolístico. Outras torcidas vão se armar. Alguém terá que pagar o resultado dos gastos. Vislumbro um resto de ano bastante enigmático. E daqui a dois anos as Olimpíadas serão por aqui. Ou seja, mais gastos e novas euforias. Somos um país estranho. Termino esse texto bambo com uma citação completa da epígrafe, que serve de metáfora para o momento atual: 

A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência!"
Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros. Logo na aula primária habituamo-nos a apelar para as pernas quando nos falta a confiança no cérebro - e a rasteira nos salva. Na vida prática, é claro que aumenta a natural tendência que possuímos para utilizarmos eficientemente a canela. No comércio, na indústria, nas letras e nas artes, no jornalismo, no teatro, nas cavações, a rasteira triunfa.
Cultivem a rasteira, amigos!
E se algum de vocês tiver vocação para a política, então, sim, é a certeza plena de vencer com auxílio dela. É aí que ela culmina. Não há político que a não pratique. Desde S. Exa. o Senhor Presidente da República até o mais pançudo e béocio coronel da roça, desses que usam sapatos de trança, bochechas moles e espadagão da Guarda Ncional, todos os salvadores da pátria têm a habilidade de arrastar o pé no momento oportuno.
Muito útil, sim senhor.
Dediquem-se á rasteira, rapazes.

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