quinta-feira, julho 10, 2014

Um país de nomes e fatos contraditórios

"O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido"
Darcy Ribeiro, in O povo brasileiro.

No início do ano, quando fui ao Nordeste, tive a oportunidade de atravessar o estado do Piauí. Foi algo premeditado e prazeroso. Queria ver o Brasil por dentro; enxergar as vísceras de um país esquecido e que está separado do outro do litoral por séculos - evocando Euclides da Cunha. O que me chamou a atenção foi como muitas cidades e monumentos públicos foram "batizados" com nomes de políticos ou antigos oligarcas que dominaram o estado e que passaram o cetro para familiares conservadores, que se beneficiam do amasiamento com a coisa pública, um caso de "fornicação" descarada.

Mas esse não é um problema unicamente do Piauí. Há no Brasil inteiro casos de como os figurões da política deixaram os seus nomes estampados em ruas, construções, cidades, escolas, etc. Em São Paulo, por exemplo, existe a Rua Dr. Sérgio Fleury, um dos delegados mais emperdenidos dos tempos da Ditadura e chefe do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), responsável por torturar e matar uma quantidade enorme de pessoas. Há ainda a Avenida Castelo Branco, um dos generais-presidentes da Ditadura e responsável por um dos momentos de maior repressão do governo militar. Ou ainda, a Escola Dr. Garrastazu Médici, no Rio de Janeiro. Em Brasília, existe a Ponte Costa e Silva. Fico a me perguntar como é admissível tais casos. Em meu simplismo, pergunto: "Por que não se faz uma lei a fim de modificar tais nomes ou então se proibir de colocar nomes de políticos em algo público?" Ainda mais quando tais pessoas estão ligadas ao crime, à tortura e ao genocídio.

Esses casos ilustram um dos grandes e gritantes problemas do Brasil, que é falta de conhecimento da sua própria história. Ontem, por exemplo, foi feriado em São Paulo, que comemorou a chamada Revolução Paulista ou Revolução Constitucionalista, de 1932. O que não se conta é que a data de 9 julho marca a tentativa das oligarquias paulistas da República Velha voltar ao poder, após a sua derrocada em 1930. O início da Era Vargas pôs fim a certo tipo de liberalismo conveniente, que dava a São Paulo e Minas Gerais o comando do país. Para isso, as elites mobilizaram a população, que iniciou um movimento contra o restante do país. Havia uma imagem criada e repetida, que dizia que São Paulo era uma locomotiva que puxava vinte trens vazios. Ou seja, os demais estados do país e muitos intelectuais conservadores como Monteiro Lobato também encabeçaram o movimento. Segundo Boris Fausto: "Muitas pessoas doaram joias e outros bens de família, atendendo ao apelo da campanha "Ouro para o bem de São Paulo"".

A finalidade do movimento orquestrado pelo grupo conservador paulista era retomar o poder e lançar, refundar, a hegemonia que tivera. Hoje, os nomes utilizados representam uma contradição de termos. E isso explica, talvez, o conservadorismo tão visível no estado mais rico do Brasil e como certos grupos políticos (vide o PSDB, o sucessor direto dessa burguesia ressentida) permanecem vivos e encabeçam um movimento pelo atraso. 


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