segunda-feira, julho 18, 2016

"A felicidade só é plena quando compartilhada" - Christopher McCandlles

Pintura do artista realista estadunidense Tom Sierak
Minha esposa viajou para Goiânia. Foi visitar os familiares. Fiquei sozinho, desfrutando minha semana sabática de recesso. Por isso, ontem, domingo à tarde, assisti ao filme Na natureza selvagem pela segunda vez. Não pude deixar de me emocionar como da primeira vez. Nas cenas finais do filme, o jovem Christopher McCandlles chega a uma conclusão bela e emblemática ao mesmo tempo: "A felicidade só é plena quando compartilhada". Ele que passara boa parte da vida em um conflito com os pais que desejavam domesticá-lo para as convenções do mundo capitalista, entendeu na solidão gelada do Extremo Norte, que é no encontro com o outro, que a vida se torna plena e existencialmente ensolarada. 

A felicidade não é determinada por aquilo que tenho em sentido financeiro. Ela está ligada ao encontro. Faz-se nova e satisfatória quando enxergo ao final dos meus passos a dádiva que é o outro. O mundo moderno espicaçou esse valor. Nossa sociedade assentada no individualismo esconde-se do outro. Queremos cada vez mais o individualismo, pois temos medo do encontro. O outro é sempre uma incógnita. Um mundo enorme de possibilidades. Exige diálogo, energia, desprendimento, um mergulho existencial para que eu possa desvelá-lo. 

Atomizados em nossos mundos. Encerrados em uma rede social. De cabeça baixa, flertando um espelho que reflete nós mesmos, as telas coloridas dos celulares ou computadores, somos narcisos sem faces. Não usamos mais a palavra falada, verbalizada. Ao emitirmos sons, balbuciamos um "kkkkkkk", que denuncia o lado primitivo e vazio de nossas conversas, de nossas relações. Se o assunto é sério, fazemos silêncio. Mas se é uma piada, uma imagem que existe no grotesco cotidiano, soltamos o gutural "kkkkkkk", a finalidade última de nossas "conversações epiteliais". 

Toda essa crise apenas revela o quanto estamos mais distantes de nós mesmos e dos outros. Nós "nunca nos comunicamos tanto" como ultimamente, mas nunca dissemos tão pouco. E é nesse fluxo paradoxal que assentamos o nosso individualismo meticuloso, casmurro, grávido de inalteridade. 

Escrevo essas coisas, pois a frase de McCandlles, fez-me pensar na relação que tive com o meu pai, morto há quinze anos; e no medo que tenho da paternidade. Sobre o primeiro fato é importante mencionar que minha relação com meu pai foi estranha e alicerçada em um receio que surgia da indiferença. Até hoje tenho a imagem dele como um sujeito irresponsável. Não me relacionei bem com ele. Geralmente cercado por amigos dissipadores, meu pai fazia o papel de um sujeito dado aos rompentes de alegrias gratuitas. Embriagava-se com frequência. Para mim, sua presença consistia em um fator negativo. Quando estávamos sozinhos e, ele não se encontrava enfronhado nas emanações etílicas, o silêncio era um sacerdote que sacramentava nossa relação. A fala embargava quando me dirigia a ele. Escorria como um fio fino e intermitente, equilibrando-se a custo no trilho delgado das emoções. Morreu cedo - aos 46 anos de idade. 

Muitas foram as vezes em que pensei: "Se um dia eu constituir uma família, não serei como meu pai". Essa relação kafkafiana (não escrevi nenhuma carta a ele), tornou-me um sujeito introspectivo. Tímido. Não afeito às relações. Talvez, tenha sido isso que me levou a procurar no mundo da leitura o apoio das palavras. Elas criavam estruturas sólidas. Nelas eu me sustentava. Agarrava-me. Protegia-me dos ventos fortes das instabilidades relacionais. Até hoje tenho dificuldades de conversar com pessoas com quais estabeleço relação pela primeira vez.

Necessariamente, isso afeta minha disposição para a paternidade. Eu minha esposa temos conversado bastante sobre isso. Ela que chega ao limite da idade fértil, preocupa-se - e preocupa-me. Eu, por meu lado, cercado por receios variados, isolo-me numa planície de pessimismo. Olho para trás e compreendo o significado de tudo. Há casais que optam por não terem filhos. Vivem bem com isso. Conseguem separar as coisas. Não existe um mandamento universal para a paternidade ou para maternidade. Nascemos e, ao virmos ao mundo, é dado o dispositivo biológico para a reprodução. É a cultura que constrói significados para isso. 

Todavia, pensando sob a perspectiva do filme, de quê é feita a vida senão de encontros? Tudo flui. Vai. Evola-se. Dissipa-se. Mas, a felicidade contida no encontro e no compartilhamento não se pode medir. Há uma outra cena muito bonita e significativa na obra de Sean Penn. O jovem McCandlles encontra um senhor chamado Ron Franz. A personagem vive sozinha. É um militar aposentado. Não constituiu família. Ele diz uma das frases mais bonitas do filme: "Quando você perdoa, você ama; e quando você ama, a luz divina brilha em você". No momento em que as duas personagens se despedem, Ron faz um pedido a McCandlles: queria adotar este como seu neto. Ele não tinha pai, mãe, nem filhos. Quando ele morresse, a história de sua família teria fim. McCandlles estava tão firme em seu propósito de chegar ao Alaska, que apenas diz: "Quando eu voltar, conversaremos sobre isso, Ron". 

O que é certo é que a vida, em alguns momentos, não espera pelas nossas decisões. O silêncio de suas ações se mostra maior do que nossas vaidades. Assim, há duas frentes: aquela que estabelecemos, como resultado da nossa vontade, e um devir convergente, que atua como fluxo. É justamente essa dialética que faz vida. Quem souber tirar proveito desse encontro ao lado das pessoas que ama, certamente encontrará a felicidade. É o outro que me revela. Nele encontro os meus limites. Em sua face está estampado o meu orgulho e minha capacidade de não amar. As pontes que me separaram do outro, também impedem que eu me conheça. Mas, no encontro, também, está capacidade de me tornar mais solidário, mais manso, mais sábio, desde que eu saiba compartilhar a minha existência.

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