Antonio Candido (atualmente com 97 anos) é um intelectual formidável. No texto abaixo, há uma pequena resenha sobre o seu artigo Direitos Humanos e Literatura. No texto comenta-se sobre a defesa da literatura. Nele, o sociólogo e crítico erudito explicita que a literatura é uma força humanizadora; que assim com existem os direitos sociais (moradia, transporte, saúde, vestuário, instrução etc), por quê a literatura não faz parte desse nicho?
Em seu texto Direitos humanos e Literatura, Antonio Candido
defende que a literatura é, ou ao menos deveria ser, um direito básico
do ser humano, pois a ficção/fabulação atua no caráter e na formação dos
sujeitos.
Primeiramente, ele destaca o que são os direitos humanos, aqueles
ligados a alimentação, moradia, vestuário, instrução, saúde, a liberdade
individual, o amparo da justiça pública, a resistência a opressão, bem
como o direito à crença, à opinião, ao lazer. Este são bens que
asseguram a sobrevivência física e também a integridade espiritual.
Neste gancho, Candido indaga: e por que não o direito à arte e à
literatura também?
Segundo o crítico, a literatura se manifesta universalmente através
do ser humano, e em todos os tempos, tem função e papel humanizador. Mas
como essa humanização se dá?
De início, A. Candido destaca que chama de literatura, nesse texto,
tudo aquilo que tem toque poético, ficcional ou dramático nos mais
distintos níveis de uma sociedade, em todas as culturas, desde o
folclore, a lenda, as anedotas e até as formas complexas de produção
escritas das grandes civilizações. E defende a ideia de que não há um
ser humano sequer que viva sem alguma espécie de fabulação/ficção, pois
ninguém é capaz de ficar as vinte quatro horas de um dia sem momentos de
entrega ao “universo fabulado”.
Se ninguém passa o dia todo sem mergulhar no universo da ficção e da
poesia, a literatura (no sentido amplo dado nesse texto) “parece
corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e
cuja satisfação constitui um direito” (CANDIDO, 1989, p. 112). A
literatura é, para ele, “o sonho acordado da civilização” (p. 112), e
assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem sonho durante o
sono, “talvez não haja equilíbrio social sem a literatura” (p. 112). É
por esta razão que a literatura é fator indispensável de humanização e
confirma o ser humano na sua humanidade, por atuar tanto no consciente
quanto no inconsciente.
A literatura tem importância equivalente às formas evidentes de
inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar.
Por isso, as sociedades criam suas manifestações literárias (ficcionais,
poéticas e dramáticas) em decorrência de suas crenças, seus sentimentos
e suas normas, e assim fortalecem a sua existência e atuação na
sociedade. Antonio Candido salienta ainda:
[…] a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (p. 113).
O crítico ainda chama atenção para a questão do papel formador de
personalidade que a literatura tem. Não podemos vê-la como uma
experiência inofensiva, mas como uma aventura que pode causar problemas
psíquicos e morais, ou seja, a literatura tem papel formador de
personalidade, sim, mas não segundo as convenções tradicionalistas; ela
seria, na verdade, “a força indiscriminada e poderosa da própria
realidade” (p. 113).
A literatura, então, não corrompe e nem edifica, mas humaniza ao
trazer livremente em si o que denominamos de bem e de mal. E humaniza
porque nos faz vivenciar diferentes realidades e situações. Ela atua em
nós como uma espécie de conhecimento porque resulta de um aprendizado,
como se fosse uma espécie de instrução. A humanização, de acordo com A.
Candido, é:
“[…] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante” (p. 117).
Além disso, assevera que “[…] a
literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser
satisfeita sob a pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de
dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos
liberta do caos e portanto nos humaniza” (p. 122). E defende o fato de
que “a literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento,
pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de
negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual.” (p.
122), e por estas razões, a literatura está relacionada com a luta pelos
direitos humanos.
Em suma, o que o renomado sociólogo e crítico literário brasileiro
defende é que a luta por direitos humanos abrange um estado de coisas em
que todos possam ter acesso aos diferentes níveis de cultura. É por
isso, portanto, que uma sociedade que seja de fato justa “pressupõe o
respeito pelos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em
todas modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável” (p.
126).
Abracemos Antonio Candido!
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