quarta-feira, abril 04, 2018

Um excerto sobre Graciliano

Durval Muniz de Albuquerque Jr
"O burguês é, para Graciliano, o homem que desperdiça a vida sem saber por quê, que não tem ideias. É um simples explorador feroz, egoísta e cruel, desconfiado de todos. Um homem submetido a uma miséria existencial. Um homem que só concebe as relações sociais como relações de apropriação, apossando-se de terras, homens e mulheres. O ciúme de Paulo Honório é apenas um modo de manifestação do sentimento de propriedade, que procura transformar Madalena numa coisa, num objeto, ao que ela recusa, afirmando sua condição humana. A luta entre a ética da coisificação burguesa e a ética humanista se revela pela própria incompreensão de Paulo Honório em relação à sua esposa. Ele não consegue compreendê-la, também não consegue entender o humanismo, porque este é a sua própria negação. Sua amabilidade com as pessoas é apenas de casca, visto que ele é também a negação do sertanejo pobre; enquanto este é pura autenticidade, ele é tração. Se adquire a "docilidade" do antigo coronel, é apenas para melhor explorar, não está verdadeiramente preocupado em proteger ninguém. Era um novo senhor de escravos, que não oferece aos seus trabalhadores sequer o que se dava antigamente aos negros das senzalas.

Nesta sociedade, o homem pobre continuava sendo uma coisa, quase um animal, tendo de meter a cabeça para dentro do corpo, como cágado, ao ouvir as ordens do patrão. Era como animais tristes, bichos domésticos, que só eram capazes de fúrias boçais, só eram capazes de destilar veneno aprendido na senzala, indo da subserviência à brutalidade. Graciliano parece, continuamente, estar dividido entre a beleza da teoria de mudança do mundo e a feiúra dos homens concretos que teriam de colocá-lo em prática. Esse certo desprezo pelos homens concretos parece só ser aplacado quando estes são levados para o papel, quando são transformados em estética; então ele demonstra a sua vontade de participar dos sofrimentos alheios, de tornar vísivel um mundo de desigualdades que aprendeu a perceber desde a infância, quando uns sentavam nas redes e outros permaneciam de cócoras no alpendre, solidarizando-se com as pessoas, como ele, vítimas de violência e da prepotência dos mais poderosos. (...)"

A invenção do Nordeste. Durval Muniz de Albuquerque Jr., pp. 268 e 269


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