terça-feira, janeiro 26, 2021

Franco Berardi - uma entrevista

 


“Minha resposta é devagar com o andor: a vitória da esquerda na Bolívia e o referendo no Chile são acontecimentos políticos pequenos diante da extrema-direita. Trump pode não ganhar, mas está ganhando ainda assim: o fato de um monstro, fascista e racista, ter milhões de votos nas eleições estadunidenses significa que a extrema-direita ainda é forte e significa que a esquerda não está forte o bastante para realmente representar interesses dos jovens, latinos e negros. Esta é a realidade”.

 

“Na década de 2000, com a ascensão de governos como [Michelle] Bachelet no Chile, Lula no Brasil, [Evo] Morales na Bolívia, a América Latina estava mudando. Fiquei feliz, obviamente – melhor um Lula do que um Bolsonaro. Mas, sinceramente, não esperava muito da esquerda no poder, porque penso que estamos partindo de conceitos datados de mais de 200 anos, esquerda, extrema esquerda, social democratas… Na verdade, não acredito que um governo possa mudar radicalmente as coisas, pois está debaixo das regras do mercado financeiro internacional, uma ditadura global. Um governante pode mudar um pouco no nível nacional, mas há tantas limitações que, cedo ou tarde, vai desapontar”.

“O que quero dizer é que não é a política tradicional que vai equilibrar a relação entre tempo, trabalho e dinheiro a partir de regras arbitrárias de um macroprojeto de totalidade, mas os milhões de corpos que têm necessidades concretas para viver, respirar, comer, enfim, que essencialmente não deveriam ter nada a ver com ter dinheiro ou não”.

“Precisamos de comida, carinho, prazer, sensibilidade, solidariedade, tudo o que nos torna humanos. Precisamos sobreviver à pandemia para rever, beijar e abraçar as pessoas. Foi a lição mais importante que aprendi nos últimos tempos”.

 

Estes são alguns trechos interessantes da entrevista realizada com o filósofo italiano Franco Berardi, disponível no portal do The Intercept. Berardi que se classifica como um marxista não-dogmático, propõe importantes reflexões sobre a atual condição do ser humano sob o neoliberalismo – e os efeitos deletérios disso – e o desafio de pensar uma outra proposta de mundo, caso a espécie humana não queira sucumbir diante da barbárie. Essas ideias estão precisamente delineadas no livro “Extremo”, lançado por ocasião da pandemia do novo coronavírus.

             Berardi entende que o dramático cenário atual permitiu a realização de importantes reflexões. O modo como a economia global é conduzida, o modelo de sociedade que é construída a partir disso, cria antagonismos que serão insolúveis e que levarão o planeta ao colapso. O capitalismo está morto como modelo civilizatório, mas ainda produz efeitos danosos. A sua ética é pensada e reproduzida, o que só gera desigualdade, pobreza, dominação e o esgarçamento dos recursos naturais. 

            A alternativa seria a refundação de uma nova proposta civilizatória. E, nesse sentido, nada mais necessário do que o socialismo. Não aquele socialismo maquinal experimentado pelo regime soviético. Um socialismo criativo, que repense o que é o consumo, o que é a exploração da natureza; o que são as relações humanas; a administração do tempo.

            Dois outros livros do filósofo são citados: “Asfixia” e “Depois do futuro”.

            Excelente.

 

 

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