“Minha resposta é devagar com o andor: a
vitória da esquerda na Bolívia e o referendo no Chile são acontecimentos
políticos pequenos diante da extrema-direita. Trump pode não ganhar, mas está
ganhando ainda assim: o fato de um monstro, fascista e racista, ter milhões de
votos nas eleições estadunidenses significa que a extrema-direita ainda é forte
e significa que a esquerda não está forte o bastante para realmente representar
interesses dos jovens, latinos e negros. Esta é a realidade”.
“Na década de 2000, com a ascensão de governos como [Michelle] Bachelet
no Chile, Lula no Brasil, [Evo] Morales na Bolívia, a América Latina estava
mudando. Fiquei feliz, obviamente – melhor um Lula do que um Bolsonaro. Mas,
sinceramente, não esperava muito da esquerda no poder, porque penso que estamos
partindo de conceitos datados de mais de 200 anos, esquerda, extrema esquerda,
social democratas… Na verdade, não acredito que um governo possa mudar
radicalmente as coisas, pois está debaixo das regras do mercado financeiro
internacional, uma ditadura global. Um governante pode mudar um pouco no nível
nacional, mas há tantas limitações que, cedo ou tarde, vai desapontar”.
“O que quero dizer é que não é a política tradicional que vai equilibrar
a relação entre tempo, trabalho e dinheiro a partir de regras arbitrárias de um
macroprojeto de totalidade, mas os milhões de corpos que têm necessidades
concretas para viver, respirar, comer, enfim, que essencialmente não deveriam
ter nada a ver com ter dinheiro ou não”.
“Precisamos de comida, carinho, prazer, sensibilidade, solidariedade,
tudo o que nos torna humanos. Precisamos sobreviver à pandemia para rever,
beijar e abraçar as pessoas. Foi a lição mais importante que aprendi nos
últimos tempos”.
Estes são alguns trechos
interessantes da entrevista realizada com o filósofo italiano Franco Berardi,
disponível no portal do The Intercept. Berardi que se classifica como um marxista não-dogmático,
propõe importantes reflexões sobre a atual condição do ser humano sob o
neoliberalismo – e os efeitos deletérios disso – e o desafio de pensar uma
outra proposta de mundo, caso a espécie humana não queira sucumbir diante da barbárie.
Essas ideias estão precisamente delineadas no livro “Extremo”, lançado por
ocasião da pandemia do novo coronavírus.
Berardi entende que o dramático cenário atual
permitiu a realização de importantes reflexões. O modo como a economia global é
conduzida, o modelo de sociedade que é construída a partir disso, cria
antagonismos que serão insolúveis e que levarão o planeta ao colapso. O
capitalismo está morto como modelo civilizatório, mas ainda produz efeitos
danosos. A sua ética é pensada e reproduzida, o que só gera desigualdade,
pobreza, dominação e o esgarçamento dos recursos naturais.
A alternativa seria a
refundação de uma nova proposta civilizatória. E, nesse sentido, nada mais
necessário do que o socialismo. Não aquele socialismo maquinal experimentado
pelo regime soviético. Um socialismo criativo, que repense o que é o consumo, o
que é a exploração da natureza; o que são as relações humanas; a administração
do tempo.
Dois outros livros do
filósofo são citados: “Asfixia” e “Depois do futuro”.
Excelente.
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