segunda-feira, junho 14, 2021

"Escolha o seu sonho", de Cecília Meireles



“Ir pensando em coisas cada vez mais distantes: a rua, a cidade, a estrada, o país, o mundo, o espaço, a eternidade...”
Cecília Meireles in “Escolha o seu sonho”, p. 95.


Em meu processo de leitor amador e incipiente, sempre que imagino a poetisa Cecília Meireles, me vem à mente uma delicada imagem de uma fada a fazer arranjos suaves com as palavras. Mas, deixemos de lado essa construção banal e piegas. Essa impressão ganhou contornos mais sólidos, pois terminei a leitura de um dos textos da autora do “Romanceiro da Inconfidência”.

A leitura realizada não é de uma das dezenas de livros poéticos que escreveu. Trata-se de uma compilação de crônicas escritas sobre os mais variados assuntos, denominado apropriadamente de “Escolha o seu sonho”. “Sonho” é uma palavra com poderes intrínsecos nos textos de Cecília. Considerada uma das grandes poetisas da Língua Portuguesa, a escritora carioca recebeu inúmeros prêmios nos países os quais visitou.

Cecília é considerada uma autora modernista. Todavia, o seu modernismo não se preocupa com os jogos herméticos de sintaxe; com a manipulação de estruturas vernáculas para criar efeitos mirabolantes de linguagem, como característico em certos escritores modernistas. Não. O texto de Clarice é límpido como um riacho alpino. É singelo. É claro. Seus textos são considerados, do ponto de vista do enquadramento técnico, como neossimbolistas. Clarice transcende a realidade com poucas imagens. De repente, mergulhamos em um sonho e nos vemos desnudos diante de um espelho, abraçados pelas delicadezas e sublimidades da Via-Láctea. Quase sempre somos impelidos à contemplação; a eflúvios brandos; com a textura de nuvens brancas, brandas, macias.

“Escolha o seu sonho”, mesmo sendo um conjunto de textos em prosa, não deixa passar desapercebido essa delicadeza repleta de simplicidade da escritora. Os textos curtos partem de situações banais do dia a dia e que, de repente, são transcendidas por uma linguagem singela como uma pincelada certeira que colore um quadro. Quando menos se percebe somos impelidos a uma paisagem que se descola do corriqueiro. O olhar privilegiado e sensível de Cecília é capaz de transformar qualquer fato cotidiano em uma joia para uma reflexão irresistível. 




O livro reúne 45 crônicas. Busquei ler uma por dia; às vezes, duas ou três. A ideia era refletir, meditar, ruminar as ideias expressas em cada texto. Apesar de serem textos simples, são densos de conteúdo. Como por exemplo, a crônica que descreve uma ida à feira numa tarde de sábado. Ou ainda, sobre quando a escritora se encontrou com nobelino escritor americano William Faulkner. O texto límpido como um regato, o qual conseguimos enxergar o fundo, deixou-me impressionado. Li-o duas vezes seguidas para me deixar encharcar pela sua prosa superior. Em certo momento do texto ela diz, referindo-se às falas enunciadas por Faulkner: “Foi um breve discurso em que afirmava a fé no espírito humano. Sua voz ainda parecia mais desaparecida ao estrugir dos aplausos. Lera, com simplicidade, pareceu-me que sem nenhuma ênfase. Pareceu-me que até com displicência. Mas o que dissera tinha eternidade” (destaque intencional). p. 56

Em suas deliciosas crônicas como se fosse uma manhã ensolarada, de vento fresco e céu azul, Cecília foge dos hermetismos. Ela possui uma fórmula capaz de transformar qualquer coisa em sagrado. Impressiona o quanto ela conseguia descomplicar o mundo. Parecia possuir uma chave que escancarava uma realidade elevada, alta, sem as peias do medíocre, do afetado, do banal.

Como o mundo precisa da singeleza, da delicadeza e da simplicidade do texto ceciliano!

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