quinta-feira, abril 14, 2022

"Sargento Getúlio", de João Ubaldo Ribeiro

 

                “Eu sou Getúlio Santos Bezerra e meu nome é um verso e meu avô era brabo e todo mundo na minha raça era brabo e minha mãe se chamava Justa e era braba e no sertão daqui não tem ninguém mais brabo do que eu, todas as coisas eu sou melhor”.

João Ubaldo Ribeiro, em “O Sargento Getúlio”

 

                O livro “O Sargento Getúlio” é uma obra moderna, escrita no ano de 1971, pelo baiano com espírito sergipano, João Ubaldo Ribeiro. O livro foi reconhecido imediatamente como uma obra de fôlego, recebendo encômios de grandes autoridades literárias como, por exemplo, Jorge Amado. Morto em 2014, João Ubaldo Ribeiro é uma das grandes figuras literárias da literatura brasileira contemporânea. Ao longo de sua trajetória, atuou em diversas áreas – foi advogado, jornalista, professor. Em 2008, ganhou o Prêmio Camões, o maior para um escritor em língua portuguesa.

                Ubaldo era um escritor que procurava fugir dos rituais. Era possível encontrá-lo na Ilha de Itaparica, na Bahia. Caminhava pela rua despretensiosamente. Conversar com ele era sempre um evento prazeroso. Assistindo à entrevista ao Roda Viva, gravada em 2012, é possível perceber o despojamento de sua linguagem e as idiossincrasias que o tornaram uma pessoa sempre de conversa agradável.   

                Ubaldo era uma figura, no mínimo, engraçada. Dono de uma voz grave, de um sotaque delicioso, ouvir João Ubaldo falando sobre qualquer tema gerava uma enorme satisfação.  Sua fala estava repleta por uma baianidade graciosa. Tenho buscado assistir aos vídeos disponíveis no Youtube que trazem palestras, entrevistas etc.

                “Sargento Getúlio” é um livro curto, aparentemente sucinto, que não impressiona em um primeiro olhar. Todavia, trata-se de um livro com enormes sutilezas e de leitura difícil. A dificuldade se expressa pelo fluxo de consciência de como a história é contada. Outro aspecto de bastante importância no livro são alguns termos regionalistas empregados pela personagem principal do romance. Alguns desses termos são de criação do próprio João Ubaldo.  Dessa forma, a leitura do pequeno livro não se torna fácil. Somos acertados por certo estranhamento no início. Mas, à medida que a leitura toma fôlego, realizamos um movimento para dentro da cabeça do personagem. Assimilamos os seus trejeitos; os aspectos mais cruentos e primitivos de sua personalidade agreste. Ele é um Paulo Honório acentuado pelo rigor moral.

                O romance é grandioso. Repleto de significados. Do ponto de vista do regionalismo, aproxima-se da linguagem de Guimarães Rosa. Do ponto de vista do enredo, aproxima-se do realismo mágico praticado por grandes escritores latino-americanos. 

                O livro inicia com uma epígrafe estranha – “Essa é uma história de aretê”. De início julguei, que fosse um termo indígena. Mais tarde, descobri que “aretê” é uma palavra grega, que designa a “excelência”, qualidade daquilo que se liga à honra. Liga-se essencialmente “a “virtude moral”, de cumprimento de um objetivo, de um propósito ou da função a que o indivíduo se destina. A epígrafe não poderia ter sido melhor escolhida, pois é ela que vai nortear todos os eventos da vida da personagem Getúlio.

                O enredo da história é bastante simples. Getúlio deve conduzir um prisioneiro de Paulo Afonso, na Bahia, a Aracaju, capital do estado de Sergipe. Ele vai acompanhada por um chofer, que dirige um Hudson, carro produzido na década de 1950, pela Hudson Motor Car Company, uma empresa automobilística estadunidense. Ao longo dessa jornada do interior para o litoral, a personagem se faz conhecer. Notamos o seu rígido código moral. Getúlio é um homem primitivo. Ele é um símbolo de um tipo de Brasil violento, desumano, afeito apenas a uma forma de existir; Getúlio é cruel. Ostenta a quantidade de pessoas que matou. Arranca alguns dos dentes do prisioneiro com um alicate. Não chama o prisioneiro pelo nome. Emprega nomes que buscam desumanizá-lo – “traste”, “coisa”, “peste”, além de outros termos.

                Um outro aspecto que deve ser pensado é a relação com “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Na obra que descreve o conflito ocorrido, na Bahia, no final do século XIX, nota-se que o Brasil do litoral entranha o Brasil profundo do interior. No caso em questão, o Estado brasileiro leva a morte, a violência, aquilo que se convencionava chamar de modernidade para o interior do país, aniquilando os rudes sertanejos do interior. Já em “Sargento Getúlio”, a personagem leva a violência do interior para o litoral. Getúlio não se desvencilha da missão. Ele é a força indômita e bravia que revela o lado mais hostil de um país atrasado e que encontra na violência sua única linguagem e força de expressão, mesmo diante da ordem de não mais levar o prisioneiro a Aracaju.

                O romance é considerado o maior do ponto de vista da densidade entre aqueles escritos por Ubaldo. Há ressonâncias variadas que vão do campo estético, histórico e político. O autor não inova, não é criador de nada. De certa forma, tudo o que há de mais sensacional no romance, já estava disseminado na literatura brasileira. A paisagem romanesca é pintada por cores encontradas em uma Clarice, em um Graciliano ou em um Guimarães Rosa. Todavia, há uma urdidura com a fórmula que cria uma força impressionável no texto de Ubaldo.

               

 

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