[Wagner era um] “gnomo fungador da Saxônia com talento bombástico e caráter desprezível”
Thomas Mann, sobre o compositor alemão.
Para completar esse quadro, li uma excelente reportagem no jornal alemão DW, publicada há dois dias que tratava sobre o homem e o mito Richard Wagner. Ao longo de sua vida – e até hoje -, o compositor construiu, ao mesmo tempo, um exército de admiradores quase religiosos e um outro exército de críticos ao seu trabalho e à sua personalidade. Ou seja, não há como negligenciar a condição de polemista do alemão.
Primeiramente, é importante abordar o caráter político do alemão. Há por trás de sua personalidade manifestações preconceituosas e oportunistas. Em vida, Wagner foi o defensor de um resgate do verdadeiro espírito alemão. Seu antissemitismo é um dos aspectos mais asquerosos de sua biografia. Certamente, ele fortaleceu, no final do século XIX, muitas das aversões que foram direcionadas aos judeus. Outro aspecto nebuloso é a ligação de seus descendentes com a ideologia de Hitler. Não se pode dizer que Wagner inaugurou o nazismo. Não existe o menor fundamento histórico para isso, mas pode-se afirmar que a música do compositor foi usada como estética para a pedagogia do 3º Reich. Quando se observam as imagens dos soldados perfilados, da regularidade da marcha, dos uniformes, as multidões perfiladas, tudo cria uma frugalidade e um rigor operístico. Certamente, o entusiasmo nacionalista do compositor criou essa identificação. A personalidade de Wagner passou a ser admirada e endeusada pelos principais líderes do regime nazista.
Hitler, desde a juventude, havia se apaixonado pela música do alemão. Fazia incursões anuais para Bayreuth, pequena cidade do interior da Alemanha, onde foi construído sob o patrocínio de Luís II, da Baviera, o famoso teatro para que as óperas do compositor fossem encenadas. Todos os anos, 11 de suas principais óperas são encenadas nos meses de julho e agosto. Isso tem sido feito desde 1876. A fila para conseguir um ingresso é altamente disputada, chegando a 8 ou 10 anos para se conseguir um ingresso.
Em segundo lugar, é importante dizer que a música de Wagner não deve ser negligenciada. O drama é uma condição inexpugnável de sua música. Ela é elevada a níveis altíssimos. Algumas de suas óperas possuem quase quatro horas de uma apresentação intensa em que não é possível baixar o nível. Ou seja, um verdadeiro desafio para aqueles que desejam representá-la. A obra do compositor procura exaltar um ideal de grandiosidade e pureza. Sua música é capaz de provocar fortes emoções. Há nela elementos fantasiosos e uma atmosfera quase religiosa.
O “talento bombástico” ao qual se refere Mann diz respeito, certamente, ao magnetismo que a música do alemão promove. Bruckner o chamava “mestre dos mestres”. A admiração do compositor austríaco era das mais exageradas. Ele viajou algumas vezes da Áustria para a Alemanha para acompanhar o famoso Festival na cidade de Bayreuth. Suas 11 sinfonias estão impregnadas de Wagner. Dedicou a Terceira Sinfonia, cujo nome “Wagner” faz uma referência explícita à admiração que tinha pelo grande operista.
Wagner insere uma nova página para a música moderna. Suas inovações podem ser percebidas, por exemplo, na relação que ele estabelece da voz com a força da massa sonora da orquestra. Em Wagner, não somente os cantores contam a história. A orquestra também o faz. Notam-se por meio de insinuações dos instrumentos, a adequação entre o que está sendo cantado e o que está sendo reproduzido pelos músicos da orquestra. Nada é gratuito. Tudo deve ser observado, pois tudo compreende o drama. Os leitmotivs também foram uma técnica desenvolvida por ele como espécie de metalinguagem para que fossem percebidos insinuações do tema do trabalho que é representado.
Ao ouvir as quatro óperas (uma por semana) de “O anel do Nibelungo”, pude absorver um pouco da atmosfera grandiosa e megalomaníaca do compositor. Em um primeiro momento, a impressão que nos passa é de que estamos diante de lendas ultrapassadas sobre mitos germânicos. Não. Wagner depositou ali os dramas humanos – a força, a honra, a coragem, a verdade, a mentira e tudo aquilo que envolve o desafio que é ser humano. O homem Wagner está escondido por trás de camadas polêmicas de controvérsias, mas sua música é grande, sublime, de força avassaladora. E isso é incontestável.