De que são feitos os dias?
– De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.
De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
– do medo que encadeia
todas essas mudanças.
Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças…
Acredito que este seja um dos poemas que mais concentram o mistério de que é feita a vida. Cecília consegue criar paralelos, oscilações, fluxos antitéticos, que englobam o conteúdo da existência. Camus diz em "O mito de Sísifo" que só 'vive quem toma consciência do absurdo'. Sim. Vive quem consegue lidar com o absurdo das perdas proporcionadas pelo tempo; que consegue administrar as "vagarosas saudades" e as "silenciosas lembranças"; que se escancara - incompreensível - diante de si.
A existência só se torna plena para quem reconhece ser um vulcão gerador de "mágoas sombrias", mas que é capaz de "pequenos lampejos", de "vagas felicidades" e de "inatuais esperanças". Somos feitos de contradições, de movimentos inconscientes, gestados da cumplicidade daquilo que, muitas vezes, não controlamos e não sabemos da sua textura. A vida absurda é feita "de loucuras", "de crimes", "de pecados", "de glórias", de fracassos, de avanços... e retrocessos. Somos feitos "de medo". Misturamos muitas substâncias em nosso ser. Distraímo-nos a maior parte do tempo. Dentro dessa realidade "vivemos", avançamos, "choramos" com as resoluções desencontradas e, com isso, forjamos "sinistras alianças".