Há algum tempo atrás li um texto delicioso de Rubem Azevedo Alves chamado “A solidão amiga”. Rubem Alves em determinada parte do texto conta que seu pai gozava de uma boa situação financeira em Minas Gerais. Quebrou e ficou pobre. Apesar das dificuldades, enquanto vivia no interior se sentia feliz. Não era um estado de miséria, mas de despojamento do luxo que antes vivenciara. Ele afirma que conheceu a infelicidade quando aprendeu a comparar. É dito por ele: “A comparação é o início da inveja que faz tudo apodrecer”.
Ele, mineiro, interiorano (de Boa Esperança), mudou para o Rio de Janeiro e passou a se espelhar e desejar o que pertencia aos cariocas “civilizados” – “espertos, bem falantes, ricos”. Aquilo foi, com certeza, o caminho que o conduziu a um desterro existencial. Quem se compara com outro atrai a tristeza para si mesmo. “Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar”, afirma.
O modo de produção da sociedade moderna é capitalista. Uma sociedade capitalista é, inevitavelmente, um meio materializado. Os objetos são transformados em mercadorias e passam a adquirir um poder erótico. O erotismo propiciado pelo fetiche da mercadoria tem a capacidade de tornar as pessoas reféns do desejo e da comparação. Num ambiente contaminado pelo desejo de ter para ser, a comparação se torna natural.
A comparação é um inclinar de cabeça para o lado a fim avaliar o que é do outro. O andar por uma rua pode constituir um momento de tristeza: vemos casas bonitas, quando temos, muitas vezes, a nossa tão humilde! O olhar para o carro do outro pode constituir um desalento agudo; o olhar para a roupa do outro pode se transformar numa visão “perigosa”, fazendo nascer irresistivelmente um anelo comparativo.
O livro dos sábios judeus, O Talmude, diz que “uma paixão no coração de alguém é como uma teia de aranha. A princípio, ela é um visitante estranho; depois se torna um hóspede regular; e mais tarde toma conta da casa”. A comparação, também, é como uma teia de aranha. Ela é capaz de tomar uma casa e torná-la bolorenta. Uma casa bolorenta é um ambiente sem o resguardo da simplicidade e da beleza. A simplicidade e a beleza têm a capacidade de blindar os corações dos homens contra o veneno da comparação.
A comparação nos deixa tristes, porque é gerado em nós a compreensão de que o que é do outro é bem melhor, debilitando, assim, o que temos de positivo em nós mesmos. A comparação fecha os nossos olhos para que não enxerguemos as nossas conquistas. Ela encobre com subtilezas o que conseguimos com luta e com desprendimento de suor. O culto ao que é do outro é maior onde não há uma valoração ao que é do próprio sujeito. Aprendemos a cultuar no outro, aquilo que desconhecemos e achamos não ter em nós. O filósofo estóico Epicteto escreveu: “O que perturba a mente dos homens não são os eventos, mas os seus julgamentos sobre os eventos”. O que nos faz comparar é a velha tradição do julgamento. Eu olho para o que é meu e olho para o que é do outro, nascendo daí uma espécie de ciúmes ou vontade de possuir.
Não é que o que pertence ao outro seja melhor do o que eu tenho. Na verdade, são as minhas impressões sobre o que é correto ou o meu conceito sobre o que “é bom”, que invalida o que pertence a mim, fazendo crescer o que é do outro. Os homens modernos são homens infelizes, porque aprenderam a se comparar a partir do que está ao seu lado. A televisão é o maior inimigo contra a felicidade. O cidadão humilde, morador dos subúrbios dos grandes centros, é induzido a pôr na balança o que lhe pertence e o que é exposto pelos meios de comunicação de massa. O seu tênis “velho” e ultrapassado é colocado na balança quando ele ver o novo modelo que está na moda. O celular “antigo” não possui as mesmas funções que o último modelo produzido pelo mercado. É como se ele olhasse para o seu jardim tão mirrado e visse do outro lado o jardim do vizinho, belo, florido e exalando perfume. Ele que tem o orçamento estrangulado não podendo comprar o produto que o deixará “semelhante” aos outros, se encherá de infelicidade. Nasce daí a alienação, que teve sua semente lançada na comparação de uma propaganda de televisão. As propagandas de televisão foram feitas para tornarem os homens urbanos infelizes.
Compara-se pelo instinto de ganância. O livro bíblico de Gênesis afirma que os rebanhos de Abraão e do seu sobrinho Ló, tendo aumentado consideravelmente, fez com que os dois tivessem que se separar. Abraão de forma mais humilde e resignada propôs a Ló: “Ló, meu querido sobrinho, eu e você temos um rebanho grandioso como se pode ver. De forma que já não podemos permanecer juntos porque isso tem gerado problemas. Os seus pastores estão brigando com os meus. Teremos que nos separar. Eu quero propor algo a você, Ló. Se você decidir ir para a esquerda, eu tomarei a direita; em contrapartida, se você for para a direita, eu irei para a esquerda”. E Ló baseado num paralelo que traçou, tendo olhado para todos os lados, foi despertado pela agradável planície do Jordão. Ficou embevecido com a beleza das campinas à sua frente. Decidiu tomar a direção daquela região aparentemente fértil, produtiva. Foi para o Oriente. Ao que Abraão foi para a região menos agradável aos olhos, a terra de Canaã, no Ocidente. A direção tomada por Ló foi dar na terra de Sodoma e Gomorra, cidades que foram, segundo os relatos bíblicos, vítimas da condenação divina por causa da maldade do povo.
Ló utilizou-se da comparação para escolher as campinas do Jordão. Aos seus olhos a terra de Canaã era uma terra sem atrativos e preferiu ir para o Oriente. A tristeza nasce a partir de uma projeção comparada – comparo, levanto a questão; avalio e, possivelmente, posso me tornar triste.
A próxima vez que for comparar, vou me lembrar que no final desse arco-íris não tem um pote de ouro, mas, sim, a tristeza que pode está à espreita com um sorriso maquiavélico e devorador. A inveja nasce onde a comparação é a senhora das virtudes.
Ele, mineiro, interiorano (de Boa Esperança), mudou para o Rio de Janeiro e passou a se espelhar e desejar o que pertencia aos cariocas “civilizados” – “espertos, bem falantes, ricos”. Aquilo foi, com certeza, o caminho que o conduziu a um desterro existencial. Quem se compara com outro atrai a tristeza para si mesmo. “Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar”, afirma.
O modo de produção da sociedade moderna é capitalista. Uma sociedade capitalista é, inevitavelmente, um meio materializado. Os objetos são transformados em mercadorias e passam a adquirir um poder erótico. O erotismo propiciado pelo fetiche da mercadoria tem a capacidade de tornar as pessoas reféns do desejo e da comparação. Num ambiente contaminado pelo desejo de ter para ser, a comparação se torna natural.
A comparação é um inclinar de cabeça para o lado a fim avaliar o que é do outro. O andar por uma rua pode constituir um momento de tristeza: vemos casas bonitas, quando temos, muitas vezes, a nossa tão humilde! O olhar para o carro do outro pode constituir um desalento agudo; o olhar para a roupa do outro pode se transformar numa visão “perigosa”, fazendo nascer irresistivelmente um anelo comparativo.
O livro dos sábios judeus, O Talmude, diz que “uma paixão no coração de alguém é como uma teia de aranha. A princípio, ela é um visitante estranho; depois se torna um hóspede regular; e mais tarde toma conta da casa”. A comparação, também, é como uma teia de aranha. Ela é capaz de tomar uma casa e torná-la bolorenta. Uma casa bolorenta é um ambiente sem o resguardo da simplicidade e da beleza. A simplicidade e a beleza têm a capacidade de blindar os corações dos homens contra o veneno da comparação.
A comparação nos deixa tristes, porque é gerado em nós a compreensão de que o que é do outro é bem melhor, debilitando, assim, o que temos de positivo em nós mesmos. A comparação fecha os nossos olhos para que não enxerguemos as nossas conquistas. Ela encobre com subtilezas o que conseguimos com luta e com desprendimento de suor. O culto ao que é do outro é maior onde não há uma valoração ao que é do próprio sujeito. Aprendemos a cultuar no outro, aquilo que desconhecemos e achamos não ter em nós. O filósofo estóico Epicteto escreveu: “O que perturba a mente dos homens não são os eventos, mas os seus julgamentos sobre os eventos”. O que nos faz comparar é a velha tradição do julgamento. Eu olho para o que é meu e olho para o que é do outro, nascendo daí uma espécie de ciúmes ou vontade de possuir.
Não é que o que pertence ao outro seja melhor do o que eu tenho. Na verdade, são as minhas impressões sobre o que é correto ou o meu conceito sobre o que “é bom”, que invalida o que pertence a mim, fazendo crescer o que é do outro. Os homens modernos são homens infelizes, porque aprenderam a se comparar a partir do que está ao seu lado. A televisão é o maior inimigo contra a felicidade. O cidadão humilde, morador dos subúrbios dos grandes centros, é induzido a pôr na balança o que lhe pertence e o que é exposto pelos meios de comunicação de massa. O seu tênis “velho” e ultrapassado é colocado na balança quando ele ver o novo modelo que está na moda. O celular “antigo” não possui as mesmas funções que o último modelo produzido pelo mercado. É como se ele olhasse para o seu jardim tão mirrado e visse do outro lado o jardim do vizinho, belo, florido e exalando perfume. Ele que tem o orçamento estrangulado não podendo comprar o produto que o deixará “semelhante” aos outros, se encherá de infelicidade. Nasce daí a alienação, que teve sua semente lançada na comparação de uma propaganda de televisão. As propagandas de televisão foram feitas para tornarem os homens urbanos infelizes.
Compara-se pelo instinto de ganância. O livro bíblico de Gênesis afirma que os rebanhos de Abraão e do seu sobrinho Ló, tendo aumentado consideravelmente, fez com que os dois tivessem que se separar. Abraão de forma mais humilde e resignada propôs a Ló: “Ló, meu querido sobrinho, eu e você temos um rebanho grandioso como se pode ver. De forma que já não podemos permanecer juntos porque isso tem gerado problemas. Os seus pastores estão brigando com os meus. Teremos que nos separar. Eu quero propor algo a você, Ló. Se você decidir ir para a esquerda, eu tomarei a direita; em contrapartida, se você for para a direita, eu irei para a esquerda”. E Ló baseado num paralelo que traçou, tendo olhado para todos os lados, foi despertado pela agradável planície do Jordão. Ficou embevecido com a beleza das campinas à sua frente. Decidiu tomar a direção daquela região aparentemente fértil, produtiva. Foi para o Oriente. Ao que Abraão foi para a região menos agradável aos olhos, a terra de Canaã, no Ocidente. A direção tomada por Ló foi dar na terra de Sodoma e Gomorra, cidades que foram, segundo os relatos bíblicos, vítimas da condenação divina por causa da maldade do povo.
Ló utilizou-se da comparação para escolher as campinas do Jordão. Aos seus olhos a terra de Canaã era uma terra sem atrativos e preferiu ir para o Oriente. A tristeza nasce a partir de uma projeção comparada – comparo, levanto a questão; avalio e, possivelmente, posso me tornar triste.
A próxima vez que for comparar, vou me lembrar que no final desse arco-íris não tem um pote de ouro, mas, sim, a tristeza que pode está à espreita com um sorriso maquiavélico e devorador. A inveja nasce onde a comparação é a senhora das virtudes.
Por Carlos Antônio M. Albuquerque.
Um comentário:
Sobre comparação?? e foi aqui que tudo começou?? rss... bjus amor!
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