segunda-feira, agosto 09, 2010

Reflexões natalícias

Escrito há dois anos numa ocasião como esta.

Penso que a vida seja um dos elementos mais difíceis de serem cultivados. Ideais sem fim surgem como cenas fixas em oásis imaginários. Fazemos desses espectros, materializações a que denominamos de metas alcançadas. Somos convencidos de quanto mais as alcançamos, mais realizados somos. Tenho entendido que isso é uma grande mentira. Assustado e, ao mesmo tempo resignado por esses malabarismos da existência, assenta-me a convicção de que viver seja um imenso, um enorme desafio.
À medida que os anos chegam vão se definindo algumas tendências a que denominamos apenas de intuição. Mas no fundo não se trata apenas de intuição. É como se de uma hora para outra olhássemos efetivamente para a realidade e enxergássemos manchas derramadas no ar. Como se de repente víssemos mundos escondidos por trás de uma cortina-obstáculo. A intuição que era impulsividade, torna-se num olhar sábio. A serenidade nos torna mais cautelosos. Se não nos tornamos pensadores, pelo menos somos revestidos interiormente com a calma de monges veneráveis.
Pensar é uma capacidade que diferencia o ser humano dos demais seres. Mas mesmo entre os que potencialmente são capazes de pensar há aqueles que não o fazem. Resta-lhes a inércia, a inação. Aquilo que Nietzsche chamava de “mergulho na massa”. Ou seja, caminhar no fluxo inconsciente da moral dos escravos. Em outras palavras: viver como todo mundo vive; fazer o que todo mundo faz. Mesmo pensando, discernindo, o homem não possui privilégios em relação aos demais seres. O muito pensar conduz ao enfado. Gera o fardo do cair em si. Refletir como homem é ver-se dentro do turbilhão trágico do acaso.
Vivemos para frente, mas somente compreendemos a vida quando olhamos para trás. A resposta para as perguntas que são feitas no presente se encontram no passado. Vivo para frente, todavia compreendo-me quando olho para o ontem. Esses lampejos de consciência são necessários. Os anos passam e marcam o meu rosto com o cinzel implacável do tempo. Já não sou mais a mesma criança de ontem. Vejo os fatos acontecendo como se eu estivesse num trem. As paisagens ficam pelo caminho. À minha frente o desconhecido, apenas. Em meu interior, algumas expectativas, esperanças, planos, nacos de um otimismo cultural.
Abjuro algumas convicções e me agarro a outras. Homem supersticioso sou eu. Elevo-me em nuvens ilusórias de pensamentos. Pareço divisar coisas por demais sensíveis. Espanto-me com isso. O simples gesto de caminhar é por demasia pesado para mim. É um portal que me conduz a outros mundos. Estou crivado incontinentemente ao pensamento. As flechas da reflexão me alcançaram. Atravessaram-me com seus poderes miraculosos. Mudaram-me o semblante. Minha mãe disse-me hoje que eu caminhava como um velho – “Caminha como um velho! Penso para um lado”. Não me impressiono com isso. Kierkegaard dizia que há homens que já nascem velhos. É um paradoxo com toda certeza – “nascer velho”. Somos concebidos novos, por isso à fase de menor idade chamamos de infância. Acredito que o filósofo dinamarquês se referisse a contingências existenciais. A idade é um aspecto mesclado de relatividade. Há indivíduos que nascem velhos e há aqueles que, sendo velhos, possuem uma interioridade jovem. Somente aos homens é reservada a captação desses fenômenos estranhos.
Fazer 29 anos é acontecimento extraordinário. Vêem-me a idéia de que a vida é maior do que a minha sensibilidade seja capaz de abarcá-la. Capto sinais invisíveis. Vislumbres de que por mais que tivesse condições de viver mil vidas, não seria capaz de saber nada. Estranho. Aprendo enquanto vivo; vivo para aprender, mas por mais que aprenda, sou sabedor de que não saberei nada efetivamente como se deve saber. Viver é ser limitado. Limitado por circunstâncias físicas, espirituais, tangenciais, contingenciais, sigo a cada dia com a prudência e com a frugalidade dos monges. Vamos aprendendo a rir dos próprios desatinos e ponderar a condição dos fatos. Atitude ignara. Própria dos seres que pensam. Própria dos monges veneráveis.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: terça-feira, 12 de agosto de 2008, 20:15:03.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o texto !

Carlinus disse...

Obrigado, Carla!

Saudações!