quinta-feira, agosto 05, 2010

Eu, Nietzsche e o Concerto de Aranjuez

Imerso numa nuvem fina, delicada de contentamento, escuto o Concerto de Aranjuez de Joaquim Rodrigo. Como faz bem essa música suavemente trágica. Nietzsche, No Caso de Wagner, faz algumas considerações interessantes sobre a música enquanto arte - eu não poderia deixar de ser alusivo a essa bela e oportuna reflexão. O filósofo alemão, na explicação sobre a sua “libertação” da música wagneriana, diz que tinha encontrado em Bizet o suporte da “melodia infinita”.

Nietzsche afirma em certa ocasião que já ouvira a peça mais de 20 vezes e aquilo não o irritava. Conseguira se resignar como um monge asiático. Era impressionante, segundo ele, como a música tinha/tem o poder de “nos tornar mais perfeitos”, “melhores homens”, “melhores filósofos”. Bizet era francês e não espanhol como Rodrigo. Nietzsche fazia menção à ópera Carmem, que possui o cerne (tema) espanhol. Era à espanholidade da música que ele fazia referência. A música de Bizet não era egocêntrica, não tinha por objetivo exibir o compositor, mas a arte, a beleza. Não promovia o autor (Nietzsche se referia a Wagner). A música composta pelo francês Bizet não falava de um homem, mas de uma raça. Era completamente banhada pelo sol – uma música ensolarada. Ao mesmo tempo juntava “o destino, a fatalidade, o cínico, o inocente e o cruel”.

Toda gama grave eu constato na beleza da música de Rodrigo. Qualquer palavra que eu teça a respeito desse concerto será pouco, não necessário. A sua formosura nos impulsiona ao silêncio, à reflexão, à alegria, à tristeza, à sensação imaculada do divino. “É bom aquilo que é leve, tudo o que é divino se move com pés delicados” – como afirma Nietzsche. Esse era o primeiro princípio de sua estética. O que ele diria se ouvisse algo dessa natureza, se ele ouvisse Rodrigo?

O violão com acordes suaves revela com espanto todo o lirismo, dor e agonia da vida. É uma música habitada por uma alegria fugaz, fugidia. Mas como a perseguimos em sua fuga volátil?! Ouvimo-la para persegui-la. Para deixar que ela nos habite e infunda em nós uma sensibilidade reflexiva. É uma música cheia de pulos, de saltos melancólicos. A alma artística de Rodrigo era cheia de luzes, de galáxias, de raios e trovões. Esta arte reverbera por toda a vida. Ela mesma existe para embelezar a existência. Como esse Concerto de Aranjuez me torna melhor nessa noite fria de segunda-feira!

Abaixo segue o segundo movimento (Adagio) com o Paco de Lucia, um dos grandes intérpretes de Rodrigo na atualidade.




*Primeira imagem à direita: Nietzsche; segunda imagem à esquerda: Joaquin Rodrigo.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: 21 de julho de 2008, segunda-feira.

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