segunda-feira, dezembro 27, 2010

C.S. Lewis, a alegria e Nárnia

Escrito há 2 anos.

Descobri o mundo de C.S. Lewis em 2003. Estudava à essa época num seminário teológico. Foi um encontro formidável. Ouvia falar dele – de seus encantos literários, de seus textos simples e profundos. A curiosidade me levou a descobri-lo. O primeiro livro que li foi Surpreendido pela Alegria. No ano de 2003 li este livro três vezes. Li cada página com senso de devoção. Lewis conseguiu me fisgar com o seu estilo sóbrio, mas rico em fantasias. Inoculou em mim o desejo pelo saber. O livro conta as experiências pessoais de Lewis rumo à conversação à fé cristã. O que causou profunda alegria em mim foi justamente o amor de Clive Stamples, significado para as duas letras inicias, pelos livros.

Lewis perdeu a mãe aos 9 anos. Ficou somente com o pai e o irmão. Daí começam as suas investidas ao mundo silencioso e eloqüente da literatura. Leu os clássicos. Inteirou-se das mitologias grega, celta, nórdica. Descobriu o Anel do Nibelungo de Richard Wagner. Criou mundos imaginários. Leu os filósofos. Questionou os posicionamentos dos pensadores. Solidificou seu próprio pensamento.

A casa de Lewis era um recanto amplo, enorme, com muitos livros. Conta Lewis que haviam livros por todos os cantos naquele espaço. A casa era uma grande biblioteca. Isso me faz lembrar de um conto de Jorge Luis Borges – Biblioteca de Babel. Borges cria no texto a imagem do mundo como se esse fosse uma grande biblioteca. Há nesse mundo escadarias com livros por todos os lados. Uma arquitetura bibliográfica. Lewis nos dá a entender que a casa dele era um mundo de livros assim como no conto de Borges. Os livros estavam em toda parte – nos armários, embaixo das escadas, no sótão, nos quartos de hóspedes. Os livros possibilitaram a Lewis fugir da solidão. No filme de 1993, Mundo de Sombras[1], que conta a história do Lewis já como professor em Oxford e como um escritor bem sucedido, dizer: “Lemos para saber que não estamos sozinhos”. Essa afirmativa resume justamente a infância e grande parte da vida Lewis.

O livro me fascinou ainda por reproduzir os aspectos mais vivos do mundo inglês: O frio inglês, a disciplina, a formalidade. O zelo pelo saber. A descrição das escolas tradicionais da Inglaterra. Os conflitos nos colégios internos. Percebemos no livro o crescimento do intelectual, o surgimento da sede pelo saber. Lewis transformou-se num dos mais notáveis intelectuais no século XX na Inglaterra. A alegria surpreendeu Lewis. A alegria a que ele se refere é a fé cristã. Ou seja, a sua conversão à fé cristão mudou completamente o itinerário de sua existência. De agnóstico cínico e despreocupado, Lewis passa a ser uma das vozes mais importantes durante a Segunda Grande Guerra. Suas conferências públicas lotavam os auditórios. Seus programas de rádio eram ouvidos por milhares de pessoas na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Lewis não se notabilizou apenas escrevendo livros e artigos cristãos. Ele era um extraordinário catedrático em literatura medieval. Conhecia profundamente o mundo dos saberes. Era ainda um profundo conhecedor da filosofia antiga e o mundo dos mitos. Ou seja, essa base forneceu a Lewis um importante ferramental para colocar em seus livros.

O escritor dedicou boa parte dos seus 38 livros, a falar do sofrimento. No filme Terra de Sombras, em meio a uma conferência, ouvida com atenção pelos presentes, Lewis diz: “A dor é o cinzel de Deus”. Esta frase resume muitas das preocupações do pensador. Percebemos aqui a figura do teólogo. Ao se converter ao cristianismo no início da década de 30, esta experiência rendeu a Lewis um tipo de influência que transformaria o seu pensamento. Tornou-se uma espécie de teólogo livre da Igreja Anglicana. Essa foi uma das alegrias de Lewis. A outra foi a poetisa Joy Gresham, mulher que conheceu e com quem viveu um terno romance, que lhe rendeu uma experiência de agrura. O romance de Lewis com Joy foi interrompido por um câncer. Joy morreu poucos anos após ter conhecido o inglês. Isso ampliou as experiências de Lewis com a dor.

Todavia, o grande feito de Lewis como escritor, acredito, tenha sido o ato de criação do mundo de Nárnia. As Crônicas de Nárnia são uma sucessão de sete livros escritos de forma aleatória. Tais crônicas narram os acontecimentos que se dão em Nárnia, uma espécie de mundo paralelo onde as experiências constituem-se em grande metáforas de temas bíblicos. Lewis conseguiu desenvolver com habilidade imaginativa um dos mundos fictícios mais belos do século XX.

A primeira crônica foi escrita em 1950 (O leão, a feiticeira e o guarda-roupa). Esta com certeza, deve ser o livro mais conhecido da série. O último foi escrito em 1956 (A última batalha). As demais crônicas, são: Príncipe Caspian (1951); A viagem do peregrino da alvorada (1952); A Cadeira de Prata (1953); O cavalo e o seu menino (1954); e O sobrinho do mago (1955). A figura mais expressiva do mundo de Nárnia é Aslam, o grande leão. Fica explícito, que esse leão personifica a figura de Jesus Cristo. Ele aparece nas sete crônicas. Nunca li nada a respeito, mas acredito que o número de sete crônicas não seja fortuito. Na tradição cristã, o número sete representa a perfeição. O escritor deve ter partido desse pressuposto para escrever as sete crônicas.

O que mais impressiona na série de Nárnia é a capacidade que Lewis tem para criar e fantasiar. Os contos de fadas são contados com outros valores. Os livros foram escritos com uma linguagem simples – para criança. O caráter literário das crônicas não oferece grande complicação na interpretação. Mesmo que se conheça a Bíblia superficialmente, não é difícil identificar as metáforas escritas com tanta beleza. Todavia, a quantidade de adultos que têm lido a obra é bastante considerável. Muitas teses e livros têm sido escritos sobre as crônicas, o que apenas revela o caráter literário insuperável.

É impossível ler as crônicas e não se apaixonar pela beleza, pelo jogo narrativo, pelas lições, pela condução proverbial de cada fato. O público brasileiro ainda não conhece completamente os encantos do mundo de Nárnia, infelizmente. Conhece de forma razoável, talvez, os filmes da série que têm sido lançados pela Disney. Todavia, o filme não se compara com a beleza do texto da literatura lewisiana. Apesar dos efeitos computadorizados do cinema, o que serve par criar um aspecto mais fiel aos fatos descritos em Nárnia, a imaginação, o retrato imagético que se arma na mente não é comparável no processo de descoberta, de penetração no mundo de Aslam, do que quando se ler as crônicas.

Impressiono-me com as crônicas mais pelo aspecto literário do que pelas alegorias religiosas. O aspecto mais extraordinário e fabuloso é imaginar como alguém foi capaz de escrever algo tão belo, tão rico de significados. Assim como Tolkien, Lewis foi capaz de misturar elementos mitológicos com os aspectos mais encantáveis dos contos de fadas e transformou tudo isso numa literatura do mais alto e requintado valor para todas as eras da humanidade.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: Segunda-feira, 1 de dezembro de 2008, 10:00:40.

[1] O filme conta com Anthony Hopkins no papel principal, ou seja, como C.S. Lewis.

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