sábado, dezembro 18, 2010

Cobain, um romântico

O Nirvana, o grupo musical do lendário vocalista e guitarrista Kurt Cobain, foi uma das bandas que mais ouvi em minha adolescência. Constituía uma necessidade. Alimentava-me com o som sujo, distorcido e contagiante do grupo. Admirava a imagem rebelde do vocalista. Sua voz gritada era atraente, necessária. Formava uma unidade poderosa com o som ruidoso que a banda produzia. Embalei-me por muito tempo ao som do grupo de Seattle, a mítica cidade do movimento grunge, que viu surgir bandas como Pearl Jam, Alice in Chains, Mudhoney, Soundgarden e uma quantidade considerável de outros grupos menores. Recordo-me como se fosse hoje da fragrância da música de Seattle, principalmente do Nirvana, banda para a qual não havia competidores.

Estou escrevendo estas palavras, pois ontem assisti a um documentário sobre a vida de Kurt Cobain. E confesso que todas às vezes que penso no jovem Kurt, bate-me uma profunda consternação. Fico a inquirir: “Como pode? Um jovem talentoso como ele...”. Vem-me a ideia de que Cobain foi uma vítima da desagregação familiar. Sua vida, desde a separação dos pais, foi um contínuo gesto irregular. A criança doce e alegre da infância, transformou-se numa criatura de humor variável, instável. Quando o fausto e o dinheiro vieram, o moço taciturno não teve estruturas para suportar.

Pesa contra Kurt o uso exacerbado de drogas. Desde a adolescência, Kurt experimentara todo tipo de entorpecente. A heroína surgiu como uma rainha, uma musa poderosa. Supriu os delírios do vocalista. Sua sede pelo irracional era voraz. Muitas de suas apresentações foram realizadas sob o efeito da droga devastadora. Tornou-se um escravo da substância. Uma espécie de molambo humano sem vontade. Loucuras. Excessos. Depressão. Angústias. Solidão. Uma dor imaginária que lhe corroia as entranhas. Cobain foi devorado pela irracionalidade.

Vejo-o com uma sensação de melancolia. Comisero-me com a sua situação. O jovem talentoso, exímio desenhista, com uma extraordinária vocação para a arte, transformou-se num esquizóide. Absorveu o niilismo de uma geração. Transformou-se em arquétipo. Foi tudo aquilo que milhões de jovens desejam ser. O mal-do-século fez anoitecer a sua mocidade com possibilidades ensolaradas.

Dos álbuns gravados pelo Nirvana, consigo fazer algumas leituras:

(1) Bleach (1989), o famoso álbum cru e sujo, gravado pela Sub Pop, é um manifesto grunge. Cada faixa é gritada; a guitarra de Kurt; os solos são secos, quase inexistentes. Prevalece a distorção. Os momentos mais líricos e comportados ficam por conta da faixa About a Girl;

(2) Nevermind (1991), é a explosão, a consagração. O álbum que mostra o acerto, a guinada para o céu; o disco dos milhões, da projeção. Percebemos um Kurt acertado. A fama o atinge em cheio. De um mês para o outro, o garoto com pouco mais de vinte anos, torna-se um milionário. Antes, não possuía moradia certa e, de repente, dezenas de milhões de dólares jorram na conta da banda. As músicas são excelentes. A sonoridade é variada. Possui momentos ensolarados (On a Plain); de um pop sujo e cantante (Come as you are); refrãos melados e pegajosos que não se viam desde os Beatles (Lithium, In blom); nervosos e bons para sacudi a cabeça, agredir a garganta (Stay Away, Territorial Pissings);

(3) Incesticide (1992), é um álbum que segue uma temática semelhante ao Bleach. Possui músicas sujas e gritadas. É uma compilação de músicas da banda - b-sides. Os bons momentos ficam com as faixas Dive, Sliver, Been a Son, Downer, e Aneurysm;

(4) In Utero (1993), este é o disco do desespero, do pedido de socorro. In Utero é um disco de audição nervosa. O som é denso, sufocante. Uma força magnética provoca ruídos, leva-nos a uma atmosfera de letras que falam de “esperma”, “cogumelos”, “antiácidos”, “loucuras”, “tranqüilizantes”. Certamente Kobain estava no útero da dor, do descompasso, da desagregação. Algumas overdoses aconteceriam. Tentativas de suicídio. O comportamento bipolar. O corpo novo transformou-se num escravo do vício. A apresentação que o grupo fez no Brasil em 1993, expõe o estado de penúria do músico. Cena deprimente é aquela em que ele caminha de quatro no palco, porque não conseguia se manter de pé. O estado de abstinência degradava o corpo magro. O organismo exigia o passaporte para o nada.

(5) Unpluggedd em New York (1994), é o álbum em que ele diz: “Adeus! Estou indo embora!”. Naquele ano o vocalista se suicidaria. Compraria um espingarda de caça e daria um tiro em si mesmo. Deixaria uma carta na qual explicava que estava cansado. Era um impostor. Enganara a todos. Penso que o maior de todos os enganos de Kurt foi aquele aplicado a si mesmo. O jovem músico cavou a sua própria ruína. A sua arte o matou. Os excessos. O flerte demorado com a irracionalidade. A heroína que anemizou a sua potência de vida, tudo isso se constituiu numa viagem fatal.

Ainda ontem escutei três ou quatro álbuns da banda – seguidamente. Ouvi Bleach e Incesticide, algumas faixas de Nevermind; não suportei o In Utero. Achei-o ácido em demasia, com muitas esporas e excrescências ruidosas. Ao final, fiquei com um banzo estranho. Um enorme vazio. Como se me tivessem tirado o direito de sorrir. A música de Kurt está cheia de Cobain. Talvez tenha sido isso que vitimou o compositor. Kurt passou muito tempo olhando para a sua arte e não suportou. Os aspectos noturnos de sua produção transformaram-se numa força labiríntica que o enfermou até a morte.


Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: sexta-feira, 17 de dezembro de 2010.

2 comentários:

Unknown disse...

Excelente postagem, Carlinus!
Também sou um grande fã do Nirvana e guitarrista, que foi na verdade uma das primeiras bandas que ouvi durante a infância. Cobain foi e sempre será um lendário da década de 90, tempo em que o Rock, poderia ser nomeado de Rock, não como os dias atuais.

Carlinus disse...

Obrigado, Gomes.

Também ouvi muita música do Nirvana. Era a época em que eu estava entrando na adolescência. Ou seja, tenho lembranças saudosas, cheia de sorrisos reflexos. É uma das poucas bandas de rock que uma vez ou outra eu escuto hoje em dia. O namoro de Kurt Cobain com os execessos foi perigoso. Acabou levando a sua alma e a sua vida.

Abraços e obrigado pelo comentário!