quarta-feira, setembro 08, 2010

Comentário de uma carta de Mário de Andrade a Fernando Sabino

Sou um grande admirador da genialidade de Mário de Andrade. Acredito que ele tenha sido um dos maiores brasileiros que já passaram por esse país cheio de dificuldades e incoerências. Hoje pela manhã, li alguns fragmentos de uma carta que ele escreveu ao escritor mineiro Fernando Sabino - à época - um aprendiz literário. O texto me fez lembrar Rainer Maria Rilke, no livro Cartas a um jovem Poeta. Passagem magnífica do livro de Rilke é aquela em que ele fala da necessidade daquele que escreve: "Ninguém pode dar-lhe conselhos nem ajudá-lo - ninguém! Só existe um caminho: penetre em si mesmo e procure a necessidade que o faz escrever. Observe se essa necessidade tem raízes nas profundezas do seu coração. Confesse à sua alma: 'Morreria, se não me fosse permitido escrever?'"

Voltando ao escritor modernista. Os dois (Mário e Fernando) trocaram cartas. Nas correspondências, Mário deu instruções de como Sabino deveria proceder para se tornar um arguto pensador e, se possível, um grande escritor. Em carta de 21 de março de 1942, Mário escreveu mais ou menos assim para Fernando Sabino:

"Você me pede que lhe aconselhe algumas leituras... Isso é difícil como o diabo... Você precisa de uma cultura literária geral, que não deve ser feita duma vez só, mas dentro de um programa que pode durar ponhamos seis anos... Ler os brasileiros... Meu Deus! Aqui também entra a noção da dignidade do indivíduo. Me parece um pouco canalha a gente conhecer Anatole France e não ter lido as 'Cartas Chilenas'; falar de Proust e não falar de Gregório de Matos ou Cruz e Souza. É mais uma questão humana de proximidade. E, já falei, creio, você precisa ler muito Machado de Assis, mas ler como reler, roubando ele, plagiando ele, não no estilo nem no espírito mas na delicadeza de sentimento.

Machado de Assis não deve ser para você uma companheiro de vida, mas apenas um tesouro onde você vai roubar. Roube dele tudo quanto possa ser útil a você, jogando o resto fora. Mas sempre não esquecendo que você pode roubar errado. O problema é delicadíssimo. Veja o problema do estilo: se você escrever, chegar a escrever no estilo de Machado de Assis você si esculhamba por completo, si perde. Mas você precisa chegar a um estilo que fosse em você e em 1942 o correspondente do que foi o estilo de Machado de Assis pro tempo dele.

(...)

As leituras imprescindíveis não podem ser devoradas. E fazendo uma mistura bem equilibrada de tudo, acho que você consegue uma boa cultura literária. E não é possível um intelectual sem filosofia, sem orientação social. (O destaque é meu).

Achei a frase em destaque extraordinária. Acredito que a semântica empregada por Mário na frase seja um dos principais problemas do nosso tempo. O intelectual da atualidade vive em torre de marfim sem refletir com engajamento o mundo. Claro, não reflitamos com ideias curtas algo com tamanha compelxidade.

Leia os textos do Mário. Necessitamos de outros "mários".

*Ler outra carta de Mário de Andrade a Fernando Sabino - AQUI
* Exclente resenha sobre as cartas de Mário a Fernando, reeditadas em livro pela Editora Record AQUI

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