quinta-feira, setembro 23, 2010

Primavera, mas não ainda

Hoje, 23 de setembro de 2010, teve início a primavera. É uma das estações que mais admiro – juntamente com o outono. A primavera é a estação do cio da natureza. É a estação das flores. Do colorido multifacetado. Das aquarelas alegres - vermelhas, roxas, brancas, amarelas. É como se a natureza fosse um daqueles paraísos descritos nos quadros de Bosch.

Aqui em Brasília, especificamente, surgem os ipês – roxos, amarelos, brancos. Os cachos generosos revelam uma beleza frágil e efêmera. Sempre enxerguei nos ipês uma metáfora da candura da beleza. Como dizia Nietzsche, ‘a beleza não é para todos’. Ela é cândida, acanhada, habitada por pudores virginais. Os ipês enunciam essa característica. Passam o resto do ano escondidos, incógnitos, no meio das demais árvores, mas de uma hora para outra, em pouco mais de uma semana (quando muito), poetizam o esplendor que alegra os olhos da alma. Ficam expostas com suas cores vivas, destacadas, como que a dizerem: “Olhem para mim!”. Mais algumas semanas e surgirão os flamboyants com suas cabeleiras inflamadas, incendiárias. Vermelhos, imponentes, a encherem os olhos de quem vê.
Mas, Brasília por estes dias tornou-se num grande deserto. Já se passaram 119 dias sem chover. A primavera não surgiu trazendo o canto dos pássaros, como em “As Quatro Estações” de Vivaldi. Ela trouxe mais um dia quente, cheio de vapores mornos. A gramínea da cidade crestou. O céu é um cobertor cinza, com cores em tons ensangüentados ao final do dia. Faz lembrar o céu pintado na tela “O grito” do norueguês Edvard Munch. E, de fato, Brasília grita, agoniza, com sua condição de insuportabilidade climática.
A Capital Federal transformou-se numa versão habitada do Deserto do Atacama. Nós, animais humanos, revelamos nossa fragilidade. A pele abre sucos quando não untada. Os lábios sofrem com a constância do tempo seco. O sol queima implacavelmente como se não houvesse atmosfera para filtrar a radiação. Corremos de um lado para o outro como bichos assustados, mas, somos azorragados pelo nosso implacável algoz.

Hoje, ao receber a notícia da chegada de minha musa, fiquei com um imenso cenho de melancolia. Os lábios encolheram. Os olhos enxergam apenas uma paisagem cinza, manchada pela poeira. Não há flores nos jardins. As árvores estão nuas, despojadas, mostrando galhos pardacentos e tortos. Não há zumbido de insetos. Eu não ouvi “As Quatro Estações” de Vivaldi. Lembro-me apenas de “O grito” de Munch. Não há poesia no mundo – nem em mim.

Data: 23 de setembro de 2010, 20:00 hs.

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