domingo, fevereiro 19, 2012

Se não pode ficar com os livros, leve-os com você

Não queria ter saído de casa neste carnaval. Gostaria de ter ficado me refestelando com obras fílmicas programadas, muita música (do rock setentista do Sabbath, passando pelo jazz, ao clássico, que são verdadeiramente os estilos que me apetecem); além disso queria colocar as leituras atrasadas em dia. Nas últimas duas semanas eu trabalhei de maneira operosa. Cansei. Fatiguei-me com as exigências da profissão que exerço: professor. Estando posto nestas condições, quando surge um desses feriados que se assemelham a um oásis, ficamos imensamente ansiosos. A gente vem numa caminhada alucinante, angustiante, e, de repente, encontramos essas ilhas de possibilidades. E o resultado é que grandes expectativas são grassadas.

Mas a minha mulher acabou me convencendo a sair de casa. Arrancou-me da minha ilha imaginária. E penso que isso seja uma característica da espécie. Acredito que num tempo primal, os homens por viverem fora de casa (as mulheres, por sua vez, por estarem sempre recolhidas no antro doméstico a cuidar da prole e dos afazeres do lar), num momento ou outro queriam, quando voltavam das caçadas e do trabalho agrícola, recolherem-se pachorrentamente, sem serem incomodados. As mulheres por viverem numa condição inversa, sentiam uma necessidade de saírem, de socializarem, de verem as novidades do mundo. Claro, vivemos em um outro tempo, mas isso ainda continua inscrito num código invisível, em alguma região adormecida do vulcânico cérebro feminino.

Ao sair de casa, trouxe comigo o volume maravilhoso - Karl Marx - ou o espírito do mundo - de Jacques Atalli. A leitura das primeiras páginas causaram uma funda impressão poética. Attali faz uma análise 'secular' de Marx, alguém que parece ter se constituído numa entidade hagiográfica. As análises, geralmente, sobre Marx ou são apaixonadas e sacralizantes ou rasteiras e criminalizantes; ou o amam ou o odeiam. Pelo que que pareceu, Attali decinge-se de uma visão acachapante e unilateral de Marx, como tantos têm feito. O filósofo alemão é uma das mentes mais engenhosas e influentes da história. Poucos filósofos falaram tanto nos últimos quinhentos anos quanto o pensador nascido em Trier. Nenhum filósofo provocou tanta especulação quanto ele. Enormes disputas - militares, ideológicas, estratégicas - surgiram por causa de supostas interpretações exegéticas feitas dos seus escritos que abarcam a economia - o modo de produção e a vida dos homens. E até os dias de hoje, o mundo se "re-arranja" após a Guerra Fria, resultado de uma nação que se levantou para fazer óbice ao capital, personalizado na figura dos Estados Unidos da América. As crises cíclicas do capitalismo já eram apontadas pelo informado jornalista Marx.

Marx disse que as nossas lutas acontecem na história. Não há outro mundo possível. A não ser aquele que nascerá como resultado da luta dos trabalhadores, sobrepujando as contradições da sociedade capitalista. Nesse sentido, como dizia Nietzsche, a doutrina de Marx se assemelha ao cristianismo, por ser proponente de um mundo balizado no idealismo. Continuarei a leitura. Conaterei as novidades.

Ontem à tarde, após ter chegado à capital goiana fui a um shopping da cidade e após ter entrado na Livraria Saraiva, acabei cometendo algumas extravagâncias. Não gosto de ir a lojas de livros. Isso me faz sofrer. Olhar aquelas volumes indeléveis e deixá-los intactos, sem poder levar para casa, me é muito difícil. Adio ao máximo esse fato. Mas acabei cedendo. Comprei quatro livros - On the Road - Pé na estrada, livro de Jack Kerouac ao qual eu estava há muito tempo com o intento de comprar; Por que não sou cristão - Bertrand Russell, este talvez por ter sido influenciado pelo Charlles Campos (embora eu goste bastente do estilo frugal e elegante de Russell); Um artista da fome e outros contos, de Kafka (ando na minha fase Franz Kafka. Tenho tetando lê-lo ao máximo). O estilo do escitor polonês me deixa com a impressão de que um louco resolveu fazer literatura, criando metáforas incríveis e sofisticadas; e o último foi A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Friedrich Engels, um clássico do amigo de Marx. Possuo este livro em casa, todavia numa edição ordinária. Resolvi comprá-lo pela surpreendente editora Expressão Popular, que tem realizado um trabalho extraodinário no sentido de publicar os grandes clássicos do marxismo.

Sendo assim, a minha viagem não está sendo de todo ruim. Estou hospedado em um hotel numa cidade do interior, com vários livros sobre a minha cama. Ouço o Duplo Concerto para cello e orquestra de Brahms em meu notebook. Faz um calor terrível, o que é amenizado pelo ar condiocionado. E a certeza de que muitas vozes falam comigo está comigo. Sendo assim, se você não pode ficar em casa com os seus livros, leve-os com você.


Goiânia/Pontalina - GO
19/02/2012


3 comentários:

charlles campos disse...

Agradeço pela referência e fico feliz por ter instigado você a adquirir esses títulos. Em contrapartida, assim que também me ver na Saraiva do Flamboyant (fico horas e horas ali, embevecido!) mês que vem, irei atrás do Jacques Atalli. Não o conheço, mas sou muito interessado em bons textos sobre Marx. Li a pouco o Como Mudar o Mundo, do Hobsbawn, que também trata de uma releitura de Marx.

Belo texto.

Carlinus disse...

Pois é, Charlles, ia comprar estes livros. Mas talvez não fosse neste momento. Comprei mais impulsionado pelo seu texto.

O texto do Hobsbawn eu tive oportunidade de folhear numa livraria em Brasília. Está na minha lista de aquisições para este ano. Gosto muito dos textos do extraordinário historiador inglês. Pretendo lê-lo.

Outra coisa: você mora em Goiânia?

charlles campos disse...

Moro em Itapuranga, 165 km de Goiânia.