domingo, maio 08, 2016

Cinco de maio, aniversário de Karl Marx e Kierkegaard

Kiekergaard (esq.) e Karl Marx (dir.)
"A nossa existência é vivida para frente, mas entendida quando olhada para trás". Esta frase sempre me serviu de bússola. Em vários momentos em que me vi incompreendido, sem saber que direção tomar ou, simplesmente, buscando entender um evento, um comportamento meio autômato, ela surgiu sorrateira como um luzeiro e me fez colocar os pés no chão e continuar a caminhada. A frase pertence ao filósofo dinamarquês Sorem Aabye Kierkegaard. Ora, por que me remeto a ele assim de forma gratuita? Quinta-feira, dia cinco de maio, o mundo comemorou 203 anos do seu nascimento. 

Coloco Kierkegaard entre as minhas preferências filosóficas, assim como outras criaturas preocupadas com a existência - Agostinho, Pascal e Nieztsche. Os dois primeiros inequivocamente cristãos e, o último, alguém que buscava o conhecimento de si, desvencilhando-se de tudo aquilo que cheirasse a niilismo, sendo que o cristianismo se constituía uma grande abertura que impelia a um mundo de farsa, de negação da vontade, de resignação a um moral de escravo. Enquanto estivermos ocupados com deuses e uma moral mesquinha, jamais nos auto-determinaremos como sujeitos.

Curiosamente, no dia cinco de maio, outro filósofo que aprendi a admirar também, completou aniversário - 198 anos do nascimento do filósofo alemão Karl Marx. Marx anda na direção contrária de Kierkegaard. Aquele não olhava para dentro de si para determinar o mundo, como este procurava fazer. O alemão entendia que as relações que constituem o sujeito são forjadas na história. A base abstrata do homem, algo tão caro para o pensamento kierkegaardiano, é para Marx forjada a partir de determinada forma social. Ou seja, aquilo que é sentido e criado, é "a consciência invertida do homem", conforme diz Marx. O único ponto em comum dos dois é Hegel. Os dois haviam sido hegelianos quando jovens.

O que explica a minha predileção por dois filósofos que são antípodas? É possível conciliar essa discrepância? Como suavizar por meio de uma uniformização frases como estas: "A verdade é a subjetividade" (Kierkegaard); e "Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, pelo contrário, seu ser social é que determina sua consciência"? (Karl Marx). 

Não é minha pretensão amarrar as pontas desse lençol de costura intrincada. Todavia, tento conciliar uma explicação, romantizando o presente fato. Kierkegaard, assim como os filósofos que citei acima, preenche minha parte mais intuitiva, mais propensa às metáforas, ao sentir poético; às projeções idealistas. Embora Kierkegaard estivesse à procura de um sentido que determinasse a sua existência ("procuro uma verdade que seja verdadeira para mim"), a frase que inicia o texto possui de forma subjacente elementos do devir, que é tão necessário para fecundar o pensamento de Marx. Olhando para trás, percebendo as curvas silentes, os saltos por vales cerrados, por escarpas longínquas, a história me forjou tal qual sou. Se sinto, se poetizo a vida, se procuro sentir, se mesmo não acreditando na religião institucional, fio-me por "uma vida na fé", acercando-me da terceira etapa do pensamento de Kierkegaard (estética, moral e fé) - claro, guardando as devidas proporções. Fé aqui não deve ser entendido em sentido comum. Fé a possibilidade de destruir todas as finitudes e transformar a existência em algo que está acima das pequenas coisas da vida.

Já Karl Marx me ajuda a colocar os pés no chão da história. Ajuda-me a despistar as convenções sociais forjadas, construídas para amarrar e impedir que compreendamos que existe um movimento latente, capaz de mudar o curso do mundo material. São os homens que constroem a história. Interpretá-la apenas não a torna um palco favorável à minha condição. Marx afugenta as ilusões. Em Marx, sentimos que a realidade é dura, que ela tem um corpo afiado e inquieto. Na teríamos essa consciência, não sentiríamos como sentimos; não leríamos o mundo como lemos; não perceberíamos como percebemos; não seríamos iludidos como somos; as estruturas jurídicas, políticas, religiosas, educativas, artísticas, filosóficas, morais seriam outras, se outras fossem as determinantes econômicas, se outras fossem as estruturas que determinam o ser social. 

Kierkegaard me impele ao ser; Marx, à ação. Em mim não há antagonismos. Antagônicas são as ideias. O ser tenta acolhê-las. Agasalhá-las. Tendo a consciência de que o fluxo contínuo de movimento forja as ideias, cria pessimismos e alegrias; cria a dureza para suportar e a sensibilidade que nos leva ao choro; a melancolia incontida e o gozo pela expectativa de vitória, sou enquanto sigo; mas sou sabedor de que a caminhada me marca, risca-me com o seu cinzel. Se tenho a percepção que tenho, não foi de forma gratuita. Sou assim, porque não sou de outro modo; mas, sendo como sou, posso ser de outro modo, desde que lute para sê-lo. Em quando assim for, olharei para trás compreenderei o ser que levo e tenho.

Parabéns, Marx e Kierkegaard!

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