Assisti, no último sábado, ao
filme Green Book – O guia, que traz
dois nomes já conhecidos do cinema – o experiente Viggo Mortensen (de O Senhor dos Anéis e Capitão Fantástico) e o talentoso Mahershala
Ali (de Moonlight). O filme possui
elementos de comédia, mas o que prepondera é o drama. A obra coloca como tema
central o racismo, a cultura erudita, a transformação que as relações
construtivas proporcionam e a amizade improvável entre um italiano de
personalidade sanguínea e um pianista de música erudita.
Tony Lip ou simplesmente Tony
Vallelonga (Viggo Mortensen) é um segurança, o cão-de-chácara de uma boate. Neste lugar, ele
é implacável com os espertinhos e bêbados inconsequentes. Quando o seu local de
trabalho passa por uma reforma, ele fica sem ter o que fazer. Precisa arrumar
dinheiro para sustentar a família. Com isso, surge a oportunidade de se tornar
o motorista de um pianista pelo Sul dos Estados Unidos. O primeiro contato que Lip estabelece com Don
Shirley (Mahershala Ali) não é dos melhores. Todavia, por conta das inúmeras
recomendações, Don acaba por contratá-lo.
Lip é o homem certo, mas é o antípoda de Don Shirley. O músico é um
sujeito sofisticado. Possui as credenciais de um intelectual. Domina as leis
combinatórias da língua. Possui a postura e a galhardia de uma cultura
conseguida com treino. Lip fica impressionada com as sutilezas, com a elegância
de Shirley enquanto este executa uma obra musical. Don o repreende em diversas
ocasiões por conta dos pequenos atos – pegar algo indevido, agir de maneira
truculenta, fumar incessantemente etc.
Ao viajar pelo Sul dos Estados Unidos, no período em que o país
enfrentava o dilema com leis e costumes que criavam abismos entre negros e
brancos, nota-se o quanto a relação dos dois se torna mais próxima. Shirley
enfrenta as agruras de ser negro com um treinamento superior. Uma das suas
frases no filme é emblemática: “Um negro só vive tranquilo quando é famoso”. Apesar
de ser um sujeito com dotes, com um estofo cultural que o colocava acima de muitas
pessoas do mundo dos brancos, Shirley é estigmatizado pela questão racial. Sua
cor é um muro, um impeditivo, um estorvo para que o seu fluxo social seja
completo. No Sul dos Estados Unidos, os negros são tratados como párias. Não
basta saber tocar Chopin, Rachmaninov ou Shostakovich. Por ser negro, Shirley é
visto como alguém inferior, tolerado apenas pelas suas habilidades. Fora disso,
ele é meramente decorativo.
Essa condição se acentua, quando Shirley tem que tocar em um clube. Em
um primeiro momento, Shirley pede para ir ao banheiro. Ele é proibido de usar o banheiro das pessoas
brancas. Uma estrutura ordinária de madeira afastada do prédio é o lugar
reservado para os negros. Shirley prefere voltar ao hotel a usar aquele espaço
incipiente e vexatório. Em outro momento, o músico é obrigado a comer em local
afastado do salão, onde todos os frequentadores do clube estavam. Havia uma
tradição ali que impedia que pessoas como Shirley ocupassem o espaço para
comer. Lip e Shirley decidem deixar o lugar.
A questão do racismo, apesar de estar presente no filme, é tratada de
forma superficial, de modo moderado. Mas, entendemos qual o propósito de tudo
aquilo. Há fatos absurdos que determinam a relação entre os homens; que criam
obstáculos para que os homens se aproximem, se relacionem, vivam em harmonia. Os
obstáculos são criados para separar os homens. Para criar relações entre seres
suposta superiores e seres inferiores, seja por uma questão econômica, racial,
sexual, religiosa ou qualquer outro muro criado para segregar.
O filme deixa implícita a ideia de como uma amizade verdadeira pode
melhorar os elementos relacionados. Lip muda em muitos aspectos por causa de
Don Shirley. Mas o próprio Shirley também é sensibilizado pela relação com Lip.
Ou seja, a amizade tem essa capacidade de criar empatia, de “afetar”
dialogicamente as pessoas envolvidas. Green
Book é um filme agradável. A experiência de vê-lo é positiva.
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