Wall-E apresenta mais do que
mostra. Verdadeiramente, não é um filme para crianças. Ele traz uma série de
questões sérias, tratadas com muita sensibilidade. A tomada panorâmica da cena
que inicia o filme já é uma obra de arte.
Wall-E é um robozinho simpático, responsável por compactar lixo. Em
mundo distópico, no de 2.700, o Planeta Terra é um grande lixão a céu aberto. A
humanidade foi obrigada a sair do Planeta e viver numa estação espacial (a
Astom) por um período de cinco anos, enquanto a limpeza estava sendo feita.
Torres de lixo se agigantam por todos os lados. Espigões taciturnos se
equilibram no ambiente cinzento. Prédios abandonados. Terra seca. Uma paisagem
estéril de vida. Não há árvores nem água. Apenas os restos daquilo que fez
parte do mundo de consumismo humano. Superfluidades e necessidades criadas.
Restou ao autômato robozinho
realizar a tarefa de organizar o caos. Diariamente, ele e uma única companheira
existente, uma barata, (uma referência clara à resistência do famoso inseto),
realizam uma tarefa aparentemente inexpugnável. Ou seja, numa batalha ou numa
catástrofe com efeitos globais, a barata é um dos poucos seres a resistirem à intempérie.
De tempos em tempos, um robô é enviado para inspecionar a possibilidade de
existência de qualquer forma de vida. Observa-se a recuperação do Planeta. A
expectativa é que uma vez que as condições de vida tenham sido restabelecidas,
que os humanos voltem a habitar o Planeta.
Eva surge em meio a esses
acontecimentos. Ela é um modelo altamente sofisticado. Possui recursos bastante
diferentes daqueles que possui Wall-E. Sua visita segue o protocolo de todos os
outros robôs com o seu modelo que já visitaram o Planeta: encontrar uma forma
de vida. Wall-E apaixona-se por ela. Eva (outra clara referência a uma
personagem mítica, segundo a Bíblia, a mãe de todos os seres humanos) não
demonstra qualquer sentimento(sic.) pelo robozinho. Após visualizar uma
plantinha, anteriormente descoberta por
Wall-E, Eva entra numa espécie de auto-hibernação.
Após ser resgatada pela
espaçonave que a enviou, Eva volta a Astom. Mas, Wall-E resolveu, com seu
espírito de curiosidade, seguir a robozinha. À bordo da Astom, inúmeros
episódios acontecem com Wall-E e sua admirada Eva. Em outra referência a Isaac
Isimov, descobre-se que o responsável pelo controle, pela manipulação para que
os humanos continuassem naquela condição era o computador central da Astom. Ele
procura controlar as ações da nave, impedindo que os humanos retornem ao
Planeta Terra. Há ainda outra referência ao computador central Hall, de 2001: Uma odisséia no espaço (de Stanley
Kubrick) que é evocado. Há ainda o trecho inicial da obra Assim falou Zaratustra, do compositor alemão Richard Strauss.
Outro importante elemento
intertextual é relação entre Wall-E e Chaplin. Wall-E é um herói atrapalhado e
simpático. Ele possui aquele charme que é impossível de não ser admirado.
Apaixonamo-nos facilmente por esse tipo de personagem. Existe uma bondade
intrínseca. Filmes como O garoto ou Tempos Modernos, geram uma admiração
pelas suas qualidades imortais. Nessas obras, percebemos a genialidade de
Chaplin. Wall-E é a contraparte de Carlitos. É o herói apaixonável. O robozinho
compactador é a bondade personificada.
A película trata de uma série de
questões que são dignas de debate. Há claras insinuações sobre a relação do ser
humano com o consumo e a produção de descartes. O lixo é um fenômeno necessariamente
do mundo humano. Na natureza, tudo se transforma. Não há que se considerar a
produção de lixo como algo natural. Os resíduos são humanos – sejam eles líquidos,
sólidos ou gasosos.
Segundo o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 2025, haverá um salto de 1,3 bilhões de
toneladas para 2,2 bilhões de toneladas de lixo. A população do Planeta
aproxima-se dos oito bilhões de pessoas, sendo que a classe média mundial pode
chegar a cinco bilhões. O crescimento da quantidade de eletrônicos cria
problemas. Por ano, são descartadas 45 milhões de toneladas de material
eletrônico. Além do objeto em si, vale mencionar os elementos químicos que
contaminam o solo, rios e mares. Segundo reportagem do site O Globo, a quantidade de plugues,
tomadas, televisões, computadores, baterias de celulares, celulares, painéis
solares seriam suficientes para formar uma linha reta entre Nova York (EUA) e Bangkok
(Tailândia). A estimativa é que, em 2021, chegue a 52,2 milhões de toneladas de
lixo eletrônico. O crescimento segue uma lógica progressiva. Quanto mais rico é
o país, maior é a sua produção de lixo. Quase metade do lixo produzido no mundo
é derivado de trinta países, os mais ricos do mundo. A maior parte dos países
tidos como desenvolvidos produzem cerca de 600 quilos de lixo per capita.
Segundo o Banco Mundial, o índice per capita de produção de lixo dos países
ricos aumentou 14% desde 1990 e 35% desde 1980. Em 2010, segundo a agência de Proteção
Ambiental daquele país, 34 milhões de toneladas de sobras de comida foram
jogadas em lixeiras. Trata-se de uma tendência mundial. No Brasil, o número do desperdício
alimentar também chega próximo a isso.
Gera-se um elevado custo
ambiental com toda essa produção de resíduos. O Planeta não comporta tão grande
acúmulo de lixo. 800 milhões de toneladas de lixo são jogadas em aterros
sanitários. Ou seja, desenha-se um cenário em que medidas necessárias e
urgentes devem ser tomadas. As futuras gerações arcarão com um preço altíssimo pelo
consumo elevado sem uma política efetiva por parte dos governos.
Outra questão importante
debatida no filme é o sobrepeso em decorrência de uma alimentação inadequada.
Os humanos após terem ficado por muitos séculos sentados, sedentários,
alimentando-se de forma irregular, engordaram. Vivem frivolamente. Tudo o que
desejam conseguem com facilidade. Os desejos estão ao alcance da fala. O
computador central realiza todas as ações. A inércia fez com que, ao longo do tempo, eles
tivessem a estrutura óssea comprometida. Não conseguem, pois, ficar de pé.
Sustentar a própria estrutura corporal.
Uma das constatações da
atualidade é a quantidade de pessoas obesas ou com sobrepeso no mundo. Estudos
da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, mostraram que 2,2 bilhões de
pessoas (cerca de 30% da população mundial) são obesas ou estão com sobrepeso.
De acordo com o mesmo estudo, há cerca de 700 milhões de obesos. Desses, 100
milhões são crianças. No Brasil, estima-se que 78% das crianças não praticam
quantidade de exercícios exigida pela Organização Mundial. Estão cada vez mais
sedentários por conta da mudança do estilo de vida (violência, crescimento do
individualismo etc) e a acentuada exposição às tecnologias. Não há a
incorporação de atividades físicas ao cotidiano. Uma pessoa normal precisa
caminhar 10 mil passos diariamente.
A Organização Mundial de Saúde
estima que 39% da população adulta e 18% das crianças e adolescentes entre 5 e
18 anos do mundo. As doenças associadas à obesidade são a segunda causa de
mortes no mundo, perdendo apenas para os problemas associados ao tabagismo. Os
governos gastam meio trilhão de dólares com a manutenção dos sistemas de saúde
a fim de reverterem os problemas associados à obesidade. Nenhum país teve
qualquer declínio nas taxas de obesidade nos últimos 33 anos. Na verdade, o
número de pessoas obesas ou com sobrepeso cresceu aproximadamente 70% nas
últimas três décadas.
Os países com os índices mais
altos de obesidades do mundo estão no Oriente Médio e Norte da África. Na região,
58% dos homens e 65% das mulheres com 20 anos ou mais estão acima do tempo. Todavia,
os países com os maiores números de obesos do mundo são Estados Unidos (86,9
milhões), China (62 milhões), Índia (40,4 milhões), Rússia 29,2 milhões, Brasil
(26,2 milhões), México (24,9 milhões), Egito (21,8 milhões), Alemanha (17,1
milhões), Paquistão (16,7 milhões) e Indonésia (15,1 milhões). A obesidade está
associada ao consumo de alimentos e bebidas ricos em gordura e em açúcar. As
tecnologias facilitaram em excesso a vida da sociedade atual. O número de
calorias gastas diariamente é cada vez menor.
Uma vida menos dinâmica e menos voltada para as atividades físicas, tem
pó consequência o ganho de peso e o surgimento de uma série de doenças
associadas à obesidade (diabetes, hipertensão, cardiopatias etc).
O filme Wall-E é uma excelente
produção. É capaz de proporcionar descontração, riso e uma doce sensação diante
das peripécias apaixonadas do robozinho simpático que leva o nome do filme.
Todavia, é uma obra que permite uma leitura crítica sobre várias temáticas do
tempo presente. É um filme, aparentemente, feito para o público infantil, com
um direcionamento para ser refletido pelos adultos.
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