As teorias da conspiração são o último refúgio dos impotentes. É pra
lá que eles fogem, acreditando libertar-se dos grilhões da mentira e da
manipulação.
Ali, mocozados em seus terraplanismos, antivacinismos, cultuando seus
ETs de Varginha, seus Foros de São Paulo, seus Chupa-Cabras, seus
Olavos de Carvalho, suas mamadeiras de piroca, suas tramas da CIA ou da
China, os olhos dos “desempoderados” brilham no gozo da verdade
revelada.
Como mágica, o homem medíocre a quem os genes, a injustiça social ou a
preguiça intelectual condenaram a uma existência de Zé Mané se
transforma num Indiana Jones diante do Santo Graal, num Fox Mulder e
numa Dana Scully num episódio de “Arquivo X”, num Moisés encarando a
sarça em chamas.
As teorias da conspiração são a igreja do homem despossuído,
frustrado, alienado, num mundo complexo que ele não compreende e no qual
não prospera. São a arminha de mão dos pobres diabos. O Viagra da
impotência social.
Quer dizer então que toda a comunidade científica, Harvard e Yale e
Oxford e Cambridge e a Organização Mundial da Saúde e a União Europeia e
os EUA (democratas e republicanos) e a Angela Merkel e o Bill Gates e
os líderes e a imprensa de todos os países do globo estão errados sobre o
coronavírus e só Bolsonaro tá certo?
O mundo inteiro caiu num conto do vigário chinês comunista para
quebrar o capitalismo e só o capitão reformado do Vale do Ribeira, do
alto de seus chinelos Rider, penando para ler “hospital Ualbert
Uainstein” no teleprompter, descobriu a farsa?
O que para você, pessoa sensata de direita, de esquerda ou de centro,
parece um absurdo completo é justamente o que dá força à teoria
conspiratória. Quanto mais alucinante a teoria, maior seu poder
epifânico. Quanto mais tosca a figura do presidente, mais longe chega a
sua mensagem.
Tem um momento, geralmente no final do primeiro ato dos filmes de
terror ou suspense, em que o protagonista tenta convencer os outros de
que tem um fantasma na casa ou um monstro na floresta ou que o professor
bondoso do jardim de infância é um serial killer. Todos desdenham do
protagonista.
Talvez ele acabe num hospício, como Sarah Connor em “O Exterminador
do Futuro 2”. A incredulidade geral, porém, faz com que o herói se
insufle, cresça, tome uma atitude arriscada e sem volta para combater o
fantasma/monstro/assassino e ingressar no segundo ato.
É exatamente no momento Sarah Connor no hospício que Jair Bolsonaro e
seu núcleo duro de miolo mole se encontram nesta semana. E a atitude
arriscada e sem volta que eles gostariam de tomar para ingressarem no
segundo ato com um duplo plot twist carpado é dar um golpe.
Mandar ao STF “um jipe com um soldado e um cabo”. Amotinar as
polícias e dar a elas, como disse o então candidato a presidente,
“retaguarda jurídica para fazer valer a lei no lombo de vocês!”. “Será
uma limpeza nunca vista na história do Brasil.”
Chegou a hora de as pessoas sãs deste país se unirem contra um golpe e
contra a carnificina que a insistência deste sociopata em reduzir a
quarentena irá causar. Somos nós, de Ronaldo Caiado a Marcelo Freixo,
quem temos que gritar com toda a força dos nossos pulmões que há um
fantasma na presidência. Um monstro no Planalto. Um serial killer no
comando dos jardins de infância.
Depois, quando o pesadelo do vírus e do monstro passarem, cabe aos
sobreviventes adultos de todos os matizes políticos repensar o mundo
para que nele não haja um exército de excluídos frustrados, humilhados e
dispostos a embarcar no primeiro filme de terror que lhes oferecer uma
migalha de protagonismo.
Texto publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 29 de março de 2020.
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