quarta-feira, abril 01, 2020

"Dois papas", uma importante reflexão

Vi semana passado o filme Dois papas, do diretor brasileiro Fernando Meireles. A impressão que me passou foi das melhores. A produção mescla eventos históricos com ficção. A trama é tão convincente que nos passa a ideia de que tudo que vemos é história, ou seja, aconteceu de verdade.

Nos vinte anos do século XX, quatro eventos foram marcantes na história da Igreja Católica, uma das instituições mais longevas da terra. (1) a morte de João Paulo II (Karol Józef Wojtyła); (2) o pontificado de Bento XVI (Joseph Aloisius Ratzinger); (3) sua renúncia; (4) e o pontificado de Francisco I (Jorge Mario Bergoglio), o papa argentino; o primeiro não europeu da história. A renúncia de Bento gerou grande repercussão pública. Afinal, em poucos momentos da história isso havia acontecido. No período moderno da Igreja Católica, os papas ocupam o cargo até a morte. O último a abdicar da cadeira de Pedro havia sido Celestino V, em 1294. 

O filme enfoca a eleição de Joseph Ratzinger para o papado, após a morte de João Paulo II e a preterição de Jorge Bergoglio. Logo em seguida, há um enfoque na pessoa do argentino e o pedido de sua aposentadoria. Bergoglio é chamado a Roma. Encontra-se com Bento XVI no Castelo Gandolfo, a famosa casa de verão dos papas. Nas conversas que são travadas entre Bergoglio e Bento, nota-se o quanto este, o erudito, filósofo, parece viver uma crise de fé.

É a partir desse encontro que há a explanação de duas visões sobre a fé e sobre o papel institucional da Igreja Católica. Bento é o ardoroso defensor de uma Igreja "pesada", dogmática, preparada para enfrentar os dilemas da modernidade com uma resposta pontual, não fundada em relativismos. Segundo ele, como fica evidente no filme, a perda de fiéis por parte da Igreja é um problema do homem moderno que se deixou dominar pelo pecado, pela corrupção. A Igreja precisa combater de maneira enérgica esses desafios. Bento XVI é uma espécie de Bonifácio VIII, um dos papas que eram defensores do poder temporal da Igreja; defensor de uma igreja pesada, galante, institucionalmente, burocrática.

Por sua vez, Francisco é, como o próprio nome evoca, a voz da simplicidade, da renovação, que está aberta ao diálogo. Francisco é a Igreja que saiu à rua para conversar com os homens e mulheres. Bento é a Igreja trancada em seu gabinete, encerrada em sua frieza, em sua tradição teológico-dogmática. O sucessor de Bento XVI simboliza uma Igreja jovem, disposta a sentar com os jovens. A entender os dilemas políticos e éticos do nosso tempo. As transformações pelas quais tem passado o Planeta, estabelecendo profícuos debates ecológicos. Francisco tem criticado a ganância do capital em detrimento do ser humano.

De certa forma, o filme serve para estabelecer um antagonismo entre Bento XVI e Francisco I. Todavia, não se deve negar que Anthony Hopkins, que representou o papel de Bento XVI, consegue impingir uma face humana, dócil e, às vezes, leve e gentil ao pontífice. 

Trata-se de um filme agradável. Serve para nos fazer refletir as múltiplas possibilidades de um movimento, pois o que se procura enfocar é um cristianismo mais dogmático, encerrado em pesadas sentenças dogmáticas e uma face mais leve e generosa da fé. 


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