terça-feira, julho 27, 2021

"Cidades Mortas", de Monteiro Lobato. Algumas palavras após a leitura



 “A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje mortas, ou em via disso, tolhidas de insanável caquexia, uma verdade, que é desconsolo, ressurte de tantas ruínas: nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas”.

                                    Monteiro Lobato, in “Cidades Mortas”.

 

            Ainda não havia entrado em contato com a prosa de Monteiro Lobato. Havia saboreado de forma superficial, no máximo, fragmentos do conto “Negrinha”. Lobato é e foi um grande polemista. Enquanto vivo, conservou uma posição de genuína independência intelectual. Foi um homem de ação; um sujeito ousado que não tinha medo de assumir posições.

            Ainda em nossos dias, existem polêmicas em torno de seus textos. Algumas de suas afirmações causam estranhamento para o momento em que vivemos – o tempo do politicamente correto. Cem anos após a escrita desses textos, a sociedade refletiu sobre determinados aspectos das relações sociais. É demasiado exagerado, cobrar de um intelectual como Lobato certas reflexões. Ele era um homem do seu tempo. É preciso ler essas passagens com certa criticidade, sem condenar a totalidade da obra do escritor paulista. Há muito o que se aprender com ele. Seus textos além de bem escritos, pois era dono de um estilo único, inconfundível, estão eivados de elementos antropológicos da sociedade brasileira da primeira metade do século XX.  

            Cidades Mortas é uma reunião de contos escritos nas duas primeiras décadas século XX. Eles compreendem um período de vinte anos. São narrativas curtas com certo gosto pitoresco. Lobato é um cronista mordaz da vida interiorana. Como nessa frase que se segue, em que se percebe os elementos sarcásticos de um narrador atento à vida social: “(...) o mexerico é a ambrosia dos lugarejos pobres”.

            Ao terminar o curso de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, na capital, volta para o Vale do Paraíba, de onde era originário. Nasceu em Taubaté. Vai exercer a profissão. Mas, a vida citadina agitada que experimentara enquanto cursava Direito na capital havia ficado para trás. O ramerrão da vida do interior é um elemento que se plasma à sua vida. Para furar o tecido grosso da monotonia, ler e escreve. Em alguns contos de Cidades Mortas é possível ouvir o carro de boi; o dialeto caipira dos homens afeitos ao trabalho com a terra; os estalinhos de arrogância das autoridades pequenas do interior; o silêncio brumoso de uma manhã; sentir o calçamento de pedra vazio ao meio dia, enquanto o cachorro errante descansa à sombra de uma palmeira.

Monteiro Lobato

            O escritor não se preocupa com análises psicológicas. Sua matéria de trabalho é o que acontece externamente com o mundo. Não é sua preocupação os dramas existenciais. Como diz Alfredo Bosi, “Lobato concentrava-se no retrato físico, na busca dos defeitos do corpo ou dos aspectos risíveis do temperamento ou do caráter”.  Há uma objetividade na forma como descreve.

            Lobato escancara o decadentismo dos proprietários. Os latifúndios exageradamente improdutivos. A técnica insuficiente para lidar com os problemas da terra. Dessa forma, o escritor critica a falta de racionalidade estratégica das elites agrárias. Nas “cidades mortas”, como diz Lobato, “não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito”. Vive-se dentro de um tempo que não evolui. “(...) casarões que lembram ossaturas de megatérios donde carnes, o sangue, a vida, para sempre refugiram”. Era objetivo do escritor denunciar o provincianismo da aristocracia rural, que não conseguia se apropriar de novas estratégias, de uma compreensão que a arrancasse da letargia de “Oblivion”. A condição de mandatário não seria eterna. Era preciso munir-se de novas técnicas; encher-se de dinamismo.

            Como grande positivista e evolucionista que era, defensor dos avanços das técnicas científicas, Lobato sabia que a mesmice anêmica das elites nacionais levaria o país à decadência. Era preciso dinamizar a vida social e produtiva do país. Não era apenas colocar um fraque, uma cartola, acender um charuto e sentar em um banco do alpendre da casa-grande como costumavam fazer os coronéis do interior a fim de olhar a plantação, os escravos, as crianças, mulheres, ou seja, tudo o que lhes pertenciam. Aquilo sepultaria o país. Conduziria a uma condição de subserviência diante das modernizações exigidas pela dinâmica do capitalismo que passava por uma grande transformação no início do século XX. Isso fica provado com a decadência da República Velha, que era essencialmente cafeicultora. Nesse sentido, Lobato foi um grande visionário. 

            Há contos no livro que estão entre os grandes textos já escritos em língua portuguesa: “Os perturbadores do silêncio”, “Por que Lopes se casou”, “Júri na roça”, “O luzeiro agrícola”. “Café! Café!”, “Um homem de consciência”, “Anta que berra”, “Um homem honesto” e “A nuvem de gafanhotos”.

            O livro é importantíssimo. A leitura é deliciosa. Alguns contos estão repletos de picardia. Lobato escrevia como profundo conhecedor dos intestinos do Brasil agrário, do Brasil que descansava, que não se importava com o tempo e, por isso, trazia características de algo que havia morrido, sem que percebesse.

            Vamos ao “O ateneu”, de Raul Pompeia”.

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