sábado, outubro 09, 2021

"O Ateneu", de Raul Pompeia - algumas ideias

 


            “O Ateneu” é uma das obras mais icônicas da literatura brasileira. Foi publicada no ano de 1888, ano em que o Brasil, oficialmente, aboliu a escravidão. Claro, aboliu do ponto de vista jurídico. Todavia, as marcas desse processo traumática deixaram profundas cicatrizes na sociedade brasileira. A obra é resultado da produção febril de um jovem e talentoso escritor, denominado Raul Pompeia, nascido no ano de 1863. Filho de uma família abastada, Pompeia estudou no rigoroso Colégio Abílio, o que certamente o influenciou na escrita de “O Ateneu”. Mais tarde, ele mudou para o tradicional Colégio Pedro II.

            Ao concluir os estudos no Pedro II, iniciou o curso de Direito na prestigiada Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo. Foi nesta instituição, que o escritor estabeleceu uma articulação de princípios contra a escravidão. Ao lado de Luís Gama, um dos intelectuais brasileiros mais importantes da segunda metade do século XIX, Pompeia posiciona-se contra a opressão sofrida pelos escravos, transformando-se em um dos nomes da causa abolicionista. Vale mencionar também sua defesa do republicanismo. Por conta de sua franca posição política, Pompeia enfrentou dificuldades e uma ostensiva oposição. Isso acaba dificultando sua continuação nos estudos. Acaba mudando para a também famosa Faculdade de Direito de Recife, onde conclui o curso.

            Após a conclusão do curso, o escritor voltou para o Rio de Janeiro. Mantém forte ativismo político e jornalístico. Em 1889, ocorreu o golpe militar, que levou à queda da monarquia. Proclama-se a República. Pompeia é nomeado em importante cargo político no governo de Floriano Peixoto. Foi simpático ao golpe e acabou colhendo inimizades. Muitos dos seus amigos acabaram se afastando. Pompeia era um dos admiradores de Floriano Peixoto. Quando Rodrigues Alves assumiu a presidência, Pompeia foi exonerado do cargo que ocupava no serviço público. As perseguições e o achincalhamento público continuaram. Prosperaram. Até que em 1895, o escritor cometeu suicídio. Deixou um bilhete com os frugais dizeres: “Ao jornal A Notícia, e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra”.

            Vale ressaltar que a obra de Pompeia é pequena. Sua curta vida – apenas 32 anos – não permitiu que ele brindasse o mundo com mais obras que, certamente, fariam jus à sua criatividade artística. Escreveu o “Ateneu” aos 25 anos de idade. O livro é um acerto de contas com o seu passado, mas também com sociedade da sua época; um painel das contradições do Brasil do seu tempo; ou, pelo menos, a compreensão que o escritor tinha sobre a hierarquizada sociedade em que viveu.

Raul Pompéia

            A declaração que abre a obra (“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”) é repleta de significados. Em primeiro lugar, demonstra o cunho memorialístico da obra. O narrador é uma pessoa adulta que decide passar a limpo as vicissitudes enfrentadas na instituição. Vale mencionar que há nesse sentido uma crítica - ou pelo menos – um visão pessimista nas descrições feitas pelo autor. Afinal, durante o período romântico, havia um clima inocente, um forte aceno bucólico para as paisagens, para aquilo que o tempo levara. A memorialística do romantismo é sempre saudosa, emotiva, repleta de pesar pela felicidade que existiu. Ou seja, o prazer está sempre no passado. É algo inatingível. Cabia ao sujeito apenas lamentar, chorar aquilo que passou. Sérgio, a personagem central de “O Ateneu”, olha para o passado, mas não há os lances inocentes de uma felicidade que existiu. O passado não era o guardião do contentamento, do prazer e da felicidade. Pelo contrário, no passado havia dissabores; o sabor acre da violência; a percepção da mesquinhez, da arrogância e do interesse próprio.

            Em segundo lugar, a fala do interlocutor de Sérgio apresenta um significado que está para além daquilo que é dito: conhecendo a escola, haverá a oportunidade de conhecer o mundo. O Ateneu era, na verdade, um símbolo da sociedade. Toda sorte de eventos adversos da escola, eram um mostruário de como se estruturava a sociedade. A escola não diferia em nada da luta selvagem que existe do lado de fora dos seus portões. Pompeia era um grande estudioso. Conhecia as principais correntes científicas de sua época. Nota-se, assim, a presença do darwinismo social sendo aplicado. Segundo ele, apenas os mais fortes resistem numa sociedade fundada no interesse e na vaidade.

            Um dos principais nomes da obra, uma metáfora do utilitarismo e da conveniência, é o diretor do Ateneu, o doutor Aristarco. Casado com dona Ema, a antítese da docilidade e da maternidade, mas também a visão da mulher com os atributos da tentação, Aristarco é o mestre das aparências. É a imagem da força. Da austeridade. Mas, no fundo, é a figura do moralista que não tem moral. É o símbolo da dissimulação e da arrogância.

            O livro chega ao final com a ruína do Ateneu. Um incêndio põe fim àquele claustro, palco da arrogância e da insensatez. O incêndio supostamente foi orquestrado por Américo, um aluno recém-chegado. O fim da escola, reino da vilania de Aristarco, parece prenunciar o fim do Império. Aristarco assiste ao incêndio impassivelmente. Aceita o destino cruel. Sua grandeza torna-se molesta. Da mesma forma, a monarquia também seria destronada pela história. Curiosamente, o escritor termina a obra da seguinte forma: “Aqui suspendo a crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras recordações, saudades talvez, se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo – o funeral para sempre das horas”.

            É uma tarefa complexa classificar a obra-prima de Raul Pompeia. Há enormes polifonias em seu enredo. O estilo do escritor é grandiloquente. Conhecia a língua como ninguém. Era também estudioso de outros idiomas. Dominava o latim, do qual se apropriou de várias expressões. Em alguns momentos, o texto ganha feições de ensaio filosófico. O escritor é criativo acima de tudo. O escritor reúne romantismo, realismo, cientificismo e procura “enganar” o leitor, afirmando que escreverá “crônicas de saudades”, como se aquilo que fosse transmitir versasse sobre algo convenientemente piegas.  Todavia, não há docilidades. Nota-se a presença do rigor, da seriedade, de um estudo profundo sobre a sociedade brasileira.

             

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