segunda-feira, abril 24, 2023
A história, a mitologia judaico-cristã e as mulheres
terça-feira, abril 18, 2023
"Latim em pó", de Caetano W. Galindo
Terminei o
excelente “Latim em pó”, muito bem escrito pelo professor, tradutor, pesquisador,
doutor em linguística Caetano W. Galindo. Recordei minhas aulas de linguística
e sociolinguística do período em que fiz o curso de letras. Existem muitos
livros sobre esse tema escritos por aí. O próprio autor reconhece. Mas, o que o
torna especial? Vale mencionar que é um livro cuja maior importância é divulgar
o que há de atual em matéria de pesquisa em torno da formação da língua
portuguesa falada no Brasil. Outra importante contribuição diz respeito à
divulgação de um material com essa relevante temática. Existem mitos
diversificados em torno da nossa língua: o primeiro deles é que é uma língua
difícil; que é uma língua originada em Portugal. Simplificar dessa forma não
explica o fenômeno. Não. Aqui, como expressa Caetano Veloso – lembrado no
título do livro – temos uma versão muito diferente daquele idioma surgido na
Europa; aqui, nós temos um “latim em pó”.
A língua portuguesa é a sexta língua
mais falada do mundo. O Brasil em especial contribui significativamente para
engrossar esse percentual. Existem quase 300 milhões de falantes da língua originada
em Portugal. No Brasil, são mais de 220 milhões. Como qualquer língua, o
português falado no Brasil possui algumas características. Olavo Bilac, que
cunhou a tão famosa expressão “flor do Lácio” para indicar o local de
surgimento da língua oficial do Império Romano, deve ser considerado. O
português, assim como as demais línguas românicas, foi originado do latim.
Todavia, somente esse dado não explica as atuais características do português.
Houve um momento em que a língua portuguesa
não existia. Os primeiros indícios do seu nascimento se deram nos séculos XI e
XII. A presença árabe na península Ibérica foi determinante para que a língua
também ganhasse características bem próprias.
Quando os portugueses vieram
diretamente para cá, em 1500, o português não foi introduzido de maneira
automática como se pensa. O contato com as populações que estavam aqui, seguida
pelo comércio de escravos permitiu que surgisse a chamada “língua-geral”.
Galindo afirma algo importante sobre o processo de evolução de uma língua: “...
o nome dado a uma língua é de certa forma o nome de uma fase histórica de
determinado idioma em determinado local”. Nossa língua, por causa de inúmeras absorções,
tornou-se muito diferente da variante falada em Portugal.
O primeiro grande fenômeno
linguístico brasileiro foi a chamada “língua-geral”. Em um país em que o tupi
era o tronco linguístico predominante, o encontro de diversas línguas promoveu o
surgimento de uma língua que, inicialmente, teve uma grande profusão na
Colônia. Os jesuítas sistematizaram a língua-geral. Foi amplamente usada para a
comunicação com os indígenas.
A língua-geral, nos séculos XVII e
XVIII, possuía mais falantes do que a língua portuguesa. Esta era usada pela
burocracia da colônia. Mas, as populações analfabetas e marginalizadas não
usavam o idioma da Metrópole. Da língua-geral, surgiu o nheengatu, usado no
Nordeste e Norte do país. O nheengatu ainda é falado por populações do extremo
da Amazônia. A língua-geral, hoje, é uma língua morta. Perdeu o seu uso, mas
deixou marcas na língua portuguesa. Muitos topônimos usados amplamente em
nossos dias – Paraná, Amapá, Aricanduva etc – foram assimiladas a partir da
língua geral.
Além da influência indígena, há
ainda a presença dos dialetos africanos. Um país estruturado na escravidão de
homens e mulheres africanos, certamente recepcionaria inúmeras palavras, expressões,
maneirismos linguísticos originados dessas populações. Galindo fala do dominado
que conseguiu inserir aspectos de sua cultura sobre o dominador. Sendo assim,
no caso brasileiro, não há que se falar em português, mas em “pretoguês”. A
versão do português falado por aqui não é mais – apenas – “a flor do Lácio”; o
português brasileiro é um “broto africano”, que rebentou fecundamente por aqui.
A nossa língua fala da nossa história. Das nossas marcas; dos nossos dilemas;
da nossa maneira de ser. Língua é história; é identidade.
quarta-feira, abril 12, 2023
De um comentário político a um colega
Não existem governos perfeitos e invulneráveis - ainda mais quando se
trata do Brasil. Quando se fala de um governo, penso que a análise deve ser da
"forma" e do "conteúdo".
É importante lembrar o que foi o ano de 2013 e o estrago que a Lava Jato
provocou na política nos últimos anos. Observe como passamos a lidar com a
política. Note que desde o golpe contra a Dilma, os governos foram ruins na
forma e no conteúdo. Com relação ao governo Lula 3, há algumas aberrações na
forma, mas há coisas necessárias no conteúdo. Quiçá você não concorde com o meu
argumento, entretanto não existia outro nome e outro projeto que pudesse
desfazer o esfacelamento pelo qual o Brasil passou nos últimos quatros anos.
O radicalismo é
uma doença infantil. É importante não medir o atual governo por causa da práxis de alguns radicais. O governo
possui boas intenções. Há um quadro com importantes e respeitáveis nomes. Se há
erros, é da competência do próprio governo resolver essas pendências. Há um
Congresso adverso e imoral. O compromisso do Centrão não é com o Brasil.
No Brasil,
existe uma mídia canina, ciosa dos interesses do mercado. No fundo, essa
midialona gostaria que o Bolsonaro tivesse vencido o pleito eleitoral do ano
passado, pois a lógica segundo eles é: eu não importo com a "forma" -
se ele é um não democrata; se ele é limitado, misógino, anti-indigenista, preconceituoso -; o importante é saber se o conteúdo nos privilegia - se continuaremos
lucrando; para esses arrivistas, pouco importa se haverá desmantelamento do
estado, das leis trabalhistas; se o povo vai ficar mais pobre; se vai comer ou
não comer. Em um país como o Brasil, escravocrata e violento por natureza, um
governo que carrega o emblema "de popular" não será bem aceito.
Há uma
entrevista do Lira Neto no Foro de Teresina que reflete a grandeza e as
contradições de Lula. A entrevista procura fazer aproximações entre Lula e Getúlio;
e como cada um lidou com as crises políticas que enfrentaram. Não existem nomes
mais densos, sagazes e com uma visão política tão ampla na política brasileira
quanto os dois. Lula é um estrategista. Confesso que ele começou bem esses
quase três meses de governo. Não teria como ser diferente com um Congresso como
o que temos e com uma conjuntura tão adversa como a que se mostra.
Penso que a
tarefa histórica do Lula 3 é resgatar a política do possível. Lula só venceu a
eleição por causa da astúcia política que possui. Esquece-se de que a frente
montada por Lula é resultado de uma conciliação política. O objetivo era
derrubar a caquistocracia erguida por Bolsonaro e sua trupe. É preciso ter um
pouco de paciência. Lidamos, nos últimos quatro anos, como diria Joseph Conrad
em “O coração das trevas” com “o horror”.
Impressiona
como, no presente, utilizam o udenismo para fazer crítica. É aquela velha
fantasmagoria de um moralismo montado contra a corrupção. Às vezes, esses
mesmos atores se munem de um discurso que, no fundo, carrega a anomalia
queixosa e hipócrita montada por Carlos Lacerda. Note que a beligerância
estruturada contra o governo repete os mesmos elementos do passado. Trata-se de
uma recorrência trazendo à tona um moralismo requentado, colocando em disputada
‘Estado versus mercado’; ‘capitalismo versus comunismo’; ‘valores cristãos
versus imoralidade de esquerda’. Há sempre um maniqueísmo em jogo; uma prática
baseada no cancelamento. E, no fundo, essa gente é saudosa da Ditadura, da
escravidão, da violência institucional; do desmatamento das políticas públicas; da posse do
latifúndio; do mandonismo; da não-democracia.
E, com isso,
condena-se um projeto de governo que é amplamente desenvolvimentista e
nacionalista. Lula é um dos presidentes mais capitalistas que já governaram o
Brasil. Lira Neto diz que Getúlio
costumava questionar: “Por que esses caras não me dão paz? Será que esses
tubarões do capital não percebem que eu quero salvar o capital pra eles?”.
Penso que o Lula faça os mesmos questionamentos.
Lula não é um
disruptivo. É um conciliador. Penso que temos mais a ganhar com ele do que sem
ele.