terça-feira, abril 18, 2023

"Latim em pó", de Caetano W. Galindo

 

Terminei o excelente “Latim em pó”, muito bem escrito pelo professor, tradutor, pesquisador, doutor em linguística Caetano W. Galindo. Recordei minhas aulas de linguística e sociolinguística do período em que fiz o curso de letras. Existem muitos livros sobre esse tema escritor por aí. O próprio autor reconhece. Mas, o que o torna especial? Vale mencionar que é um livro cuja maior importância é divulgar o que há de atual em matéria de pesquisa em torno da formação da língua portuguesa falada no Brasil. Outra importante contribuição diz respeito à divulgação de um material com essa relevante temática. Existem mitos diversificados em torno da nossa língua: o primeiro deles é que é uma língua difícil; que é uma língua originada em Portugal. Simplificar dessa forma não explica o fenômeno. Não. Aqui, como expressa Caetano Veloso – lembrado no título do livro – temos uma versão muito diferente daquele idioma surgido na Europa; aqui, nós temos um “latim em pó”.

            A língua portuguesa é a sexta língua mais falada do mundo. O Brasil em especial contribui significativamente para engrossar esse percentual. Existem quase 300 milhões de falantes da língua originada em Portugal. No Brasil, são mais de 220 milhões. Como qualquer língua, o português falado no Brasil possui algumas características. Olavo Bilac, que cunhou a tão famosa expressão “flor do Lácio” para indicar o local de surgimento da língua oficial do Império Romano, deve ser considerado. O português, assim como as demais línguas românicas, foi originado do latim. Todavia, somente esse dado não explica as atuais características do português.

            Houve um momento em que a língua portuguesa não existia. Os primeiros indícios do seu nascimento se deram nos séculos XI e XII. A presença árabe na península Ibérica foi determinante para que a língua também ganhasse características bem próprias.

            Quando os portugueses vieram diretamente para cá, em 1500, o português não foi introduzido de maneira automática como se pensa. O contato com as populações que estavam aqui, seguida pelo comércio de escravos permitiu que surgisse a chamada “língua-geral”. Galindo afirma algo importante sobre o processo de evolução de uma língua: “... o nome dado a uma língua é de certa forma o nome de uma fase histórica de determinado idioma em determinado local”. Nossa língua, por causa de inúmeras absorções, tornou-se muito diferente da variante falada em Portugal.

            O primeiro grande fenômeno linguístico brasileiro foi a chamada “língua-geral”. Em um país em que o tupi era o tronco linguístico predominante, o encontro de diversas línguas promoveu o surgimento de uma língua que, inicialmente, teve uma grande profusão na Colônia. Os jesuítas sistematizaram a língua-geral. Foi amplamente usada para a comunicação com os índios.

            A língua-geral, nos séculos XVII e XVIII, possuía mais falantes do que a língua portuguesa. Esta era usada pela burocracia da colônia. Mas, as populações analfabetas e marginalizadas não usavam o idioma da Metrópole. Da língua-geral, surgiu o nheengatu, usado no Nordeste e Norte do país. O nheengatu ainda é falado por populações do extremo da Amazônia. A língua-geral, hoje, é uma língua morta. Perdeu o seu uso, mas deixou marcas na língua portuguesa. Muitos topônimos usados amplamente em nossos dias – Paraná, Amapá, Aricanduva etc – foram assimiladas a partir da língua geral.

            Além da influência indígena, há ainda a presença dos dialetos africanos. Um país estruturado na escravidão de homens africanos, certamente recepcionaria inúmeras palavras, expressões, maneirismos linguísticos originados dessas populações. Galindo fala do dominado que conseguiu inserir aspectos de sua cultura sobre o dominador. Sendo assim, no caso brasileiro, não há que se falar em português, mas em “pretoguês”. A versão do português falado por aqui não é mais – apenas – “a flor do Lácio”; o português brasileiro é um “broto africano”, que rebentou fecundamente por aqui. A nossa língua fala da nossa história. Das nossas marcas; dos nossos dilemas; da nossa maneira de ser. Língua é história; é identidade.  


Nenhum comentário: