Terminei o
excelente “Latim em pó”, muito bem escrito pelo professor, tradutor, pesquisador,
doutor em linguística Caetano W. Galindo. Recordei minhas aulas de linguística
e sociolinguística do período em que fiz o curso de letras. Existem muitos
livros sobre esse tema escritor por aí. O próprio autor reconhece. Mas, o que o
torna especial? Vale mencionar que é um livro cuja maior importância é divulgar
o que há de atual em matéria de pesquisa em torno da formação da língua
portuguesa falada no Brasil. Outra importante contribuição diz respeito à
divulgação de um material com essa relevante temática. Existem mitos
diversificados em torno da nossa língua: o primeiro deles é que é uma língua
difícil; que é uma língua originada em Portugal. Simplificar dessa forma não
explica o fenômeno. Não. Aqui, como expressa Caetano Veloso – lembrado no
título do livro – temos uma versão muito diferente daquele idioma surgido na
Europa; aqui, nós temos um “latim em pó”.
A língua portuguesa é a sexta língua
mais falada do mundo. O Brasil em especial contribui significativamente para
engrossar esse percentual. Existem quase 300 milhões de falantes da língua originada
em Portugal. No Brasil, são mais de 220 milhões. Como qualquer língua, o
português falado no Brasil possui algumas características. Olavo Bilac, que
cunhou a tão famosa expressão “flor do Lácio” para indicar o local de
surgimento da língua oficial do Império Romano, deve ser considerado. O
português, assim como as demais línguas românicas, foi originado do latim.
Todavia, somente esse dado não explica as atuais características do português.
Houve um momento em que a língua portuguesa
não existia. Os primeiros indícios do seu nascimento se deram nos séculos XI e
XII. A presença árabe na península Ibérica foi determinante para que a língua
também ganhasse características bem próprias.
Quando os portugueses vieram
diretamente para cá, em 1500, o português não foi introduzido de maneira
automática como se pensa. O contato com as populações que estavam aqui, seguida
pelo comércio de escravos permitiu que surgisse a chamada “língua-geral”.
Galindo afirma algo importante sobre o processo de evolução de uma língua: “...
o nome dado a uma língua é de certa forma o nome de uma fase histórica de
determinado idioma em determinado local”. Nossa língua, por causa de inúmeras absorções,
tornou-se muito diferente da variante falada em Portugal.
O primeiro grande fenômeno
linguístico brasileiro foi a chamada “língua-geral”. Em um país em que o tupi
era o tronco linguístico predominante, o encontro de diversas línguas promoveu o
surgimento de uma língua que, inicialmente, teve uma grande profusão na
Colônia. Os jesuítas sistematizaram a língua-geral. Foi amplamente usada para a
comunicação com os índios.
A língua-geral, nos séculos XVII e
XVIII, possuía mais falantes do que a língua portuguesa. Esta era usada pela
burocracia da colônia. Mas, as populações analfabetas e marginalizadas não
usavam o idioma da Metrópole. Da língua-geral, surgiu o nheengatu, usado no
Nordeste e Norte do país. O nheengatu ainda é falado por populações do extremo
da Amazônia. A língua-geral, hoje, é uma língua morta. Perdeu o seu uso, mas
deixou marcas na língua portuguesa. Muitos topônimos usados amplamente em
nossos dias – Paraná, Amapá, Aricanduva etc – foram assimiladas a partir da
língua geral.
Além da influência indígena, há
ainda a presença dos dialetos africanos. Um país estruturado na escravidão de
homens africanos, certamente recepcionaria inúmeras palavras, expressões,
maneirismos linguísticos originados dessas populações. Galindo fala do dominado
que conseguiu inserir aspectos de sua cultura sobre o dominador. Sendo assim,
no caso brasileiro, não há que se falar em português, mas em “pretoguês”. A
versão do português falado por aqui não é mais – apenas – “a flor do Lácio”; o
português brasileiro é um “broto africano”, que rebentou fecundamente por aqui.
A nossa língua fala da nossa história. Das nossas marcas; dos nossos dilemas;
da nossa maneira de ser. Língua é história; é identidade.
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